OS CEM DIAS (EM ESTADO) DE GRAÇA

segunda-feira, 25 de abril de 2016
Passei por uma banca de jornais e deparei-me num dos semanários da capital, estampado em grandes parangonas, com “LIVRAMENTO QUESTIONA O PERFIL DE JORGE SANTOS” sobre uma fotografia – como que a desmentir a afirmação – em que os dois se abraçavam amigavelmente e sorridentes. Esbocei um sorriso e disse para mim mesmo: Não obstante isto ser apresentado com a configuração nítida – à medida e para o regalo do PAICV – de mais uma sórdida e mesquinha intriga (mesmo que seja verdade) jornalística de que determinados media já se especializaram, este é o “MpD na sua plenitude!”. Nada de unanimidades resultantes do já “afamado” centralismo democrático, nem “pactos de silêncio” cúmplices, nem as normalmente brandidas “disciplinas partidárias”, mesmo em assuntos de consciência.
 
O MpD é um “movimento” concebido especificamente para derrubar a ditadura do PAIGC/CV e combater a ideologia que lhe está associada. Tornado partido, por imperativos legais, que o tempo materializou, não perdeu a sua característica frentista gerada na liberdade e na pluralidade de opiniões. Cada membro tem a sua posição livremente assumida que manifesta em órgãos próprios. Está no seu ADN. Não se pode duvidar da sua génese libertária e democrática. Muito mais autocrítico do que oponente, constitui sempre o primeiro núcleo da crítica à sua própria actuação. Por isto não me surpreendeu que alguém, dentro do MpD, questionasse o perfil de Jorge Santos para o desempenho de um tão alto cargo. O de Ulisses também já o foi, que ninguém duvide, e está, não direi sob suspeita, mas sob atenta vigilância até à satisfação das expectativas dos militantes e apoiantes. E dos membros do Governo? Quantos são alvos de questionamento pelo próprio MpD?

Pessoalmente, até acho, que Jorge Santos, em termos objectivos, pelo seu vasto currículo político, idoneidade moral e contínuo activismo, tem todas as condições para se candidatar e ser o que quiser ser na sociedade política cabo-verdiana. Não está nem aquém nem além dos que o precederam nestas altas funções de Presidente do centro político da democracia cabo-verdiana. Contudo, compreendo e também reconheço que não seja apenas o currículo objectivo que determina a escolha e a eleição do Presidente da Assembleia Nacional ou de quem quer que seja para um cargo político. Há que contar com outros parâmetros dos quais se destacam os interesses intra e extra-partidários que aconselhem que hajam arranjos internos, conveniências estratégicas, jogos de compensação e de circunstâncias que serão necessários não só para manter o equilíbrio e a harmonia internos do partido mas também para o preparar para os desafios que se esperam. Sobre isto, que nunca é pacífico, só quem lá dentro está …

No momento em que escrevo estas linhas, o Governo do MpD ou, mais correctamente, o Governo apoiado pelo MpD, chefiado por Ulisses Correia e Silva, inicia efectivamente as suas funções. É tradicional presenteá-lo com cem dias de estado de graça, em que se lhe concede o benefício da dúvida.

A composição do Governo é criticada por tudo o que é canto. Não apenas as pessoas, mas também a configuração. Diz-se que Ulisses não tinha qualquer necessidade de se autolimitar de forma tão rígida quanto ao número de membros do seu governo. Não é isto que ganha eleições ou que define uma governação. A palavra é de prata e o silêncio de ouro. Depende obviamente de contextos e de circunstâncias. Por isto, Ulisses Correia e Silva tem de ser mais parco nas palavras para bem gerir as expectativas… sobretudo fora do ambiente de campanha. Bastaria apenas dizer que o seu elenco governativo seria menor do que qualquer outro. Há-de convir que foi uma retórica inútil, imprudente e algo masoquista.

Por mim não me atrevo a pronunciar sobre a polémica existente quanto ao formato e à ligação entre certas áreas. Seria seguramente pretensão a mais, uma vez que me faltaria o conhecimento da estratégia que lhe está subjacente e que é determinante para qualquer juízo valorativo.

Porém, aparentemente, ao contrário dos seus antecessores “eleitos” – Carlos Veiga e José Maria Neves – nota-se que lhe falta um núcleo duro de protecção e de amparo para os primeiros embates. Aguardemos pelos resultados.

Dizem os “treinadores de bancada” que Ulisses devia rodear-se de “ministros de Estado” fortes politicamente, que o amparassem e dissipassem parte da carga que sobre ele impende. Isto é, dois ou, eventualmente, três ministros de Estado com autoridade política – um para a área social, outro para a área económico-financeira e, eventualmente, um terceiro para a área de soberania. Uma espécie de um conselho de administração de uma empresa que seria o Governo em que ele seria o presidente – primus inter pares. Tudo leva a crer que a governação seria mais partilhada, os efeitos de contestação/reacção (há-os sempre) amortecidos e o PM resguardado. Como gestor e político, sabe isto tão bem como ninguém.

Tivesse havido a descentralização constante do Manifesto do MpD que só o Ministério das Infra-estruturas (1991-1996) então realizou, o número de ministérios hoje avançado por Ulisses não chocaria a ninguém.

De todo o modo, e da minha parte, continuo a conceder um tempinho de graça ao novo Governo com a firme certeza de que pior do que o anterior não é possível. Um tempo que não pode ser igual para todos, diga-se em abono da verdade. É óbvio que o que se pretende ver não é a resolução imediata dos problemas, mas a estratégia, a orientação, as medidas de política e o modus operandi.

Ao Ministro da Economia, por razões inerentes à dimensão do seu ministério e à integração do ministro é o que deve usufruir de maior tolerância. Ao Ministro da Administração Interna, por desejo meu, creio que também de toda a população, dava-lhe 24 horas dada a situação calamitosa e desastrosa em que se encontra a nossa segurança pública. Mas ficaria extremamente satisfeito se nos 100 dias do período do estado de graça desse indicações seguras e tranquilizadoras de que esta total incapacidade, ineficácia e ineficiência – excepto na caça de multas de estacionamento, entre os meus amigos e conhecidos, e são muitos já vítimas, não tenho notícias de um só caso de furto, roubo ou assalto resolvido – da nossa polícia e o desfile provocador, descarado, impune e até “protegido” dos meliantes (que até já tiveram a honra de serem recebidos – imagine-se! – por um Governo) iriam ter um fim.

Do lado oposto, estão as Ministras da Educação e das Infra-estruturas – técnicas de inquestionável competência nas áreas que ora tutelam, conhecedoras profundas das respectivas “casas” e dos respectivos sectores, quer na vertente pública quer na privada, ao que se deve associar, sobretudo à Ministra das Infra-estruturas – que melhor conheço – uma inexcedível capacidade de trabalho, bastarão 60 dias.

Sessenta dias apenas e uma lembrança para ter sempre presente: Um ministro não é um técnico, é um político!

A.   Ferreira

2 comentários:

valdemar pereira disse...

Lamento mas tenho de dizer a verdade: sou um leitor assíduo deste blog mas... nem deixo mantenha pois, como dizem os nossos irmãos santantonenses, "não há porém". Mas hoje deixo aqui um "concordo" com o articulista que pede para se dar um tempinho ao Novo Governo que vai ter de - primeiramente - fazer um balanço e arranjar a loja escangalhada.
Confesso não ser simpatizante do MpD como nunca fui do Paigc. Declaradamente UCIDista, o meu partido é Cabo Verde. Ou melhor, o programa que mais convém para a nossa terra.

Adriano Miranda Lima disse...

A situação de Cabo Verde é bastante difícil e problemática, pelo que, antes de mais, é preciso saudar os que aceitam o fardo do poder. Eu não tenho inclinações partidárias, mas tenho uma ideologia expressa sinteticamente nestas palavras: servir a nação cabo-verdiana é fazer disso um autêntico sacerdócio e usar fato macaco em vez de fato e gravata. Não o conheço nem nunca o vi de perto, mas o Ulisses Correia e Silva parece-me um homem sério e confiável. Que tenha um longo estado de graça, é o que lhe desejo sinceramente.

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