A Oficialização do Crioulo[i] –Populismo e eleitoralismo?

sábado, 13 de novembro de 2021

 Por José Fortes Lopes

Quais são os benefícios e ganhos do abandono da língua portuguesa como língua de trabalho e de ensino em Cabo Verde, e da oficialização do crioulo nas variantes mais significativas, como se anuncia? Nenhuns, para além dos ganhos em termos de populismo e do eleitoralismo.

Custos haverá muitos e aparecerão no longo prazo.

Na prática o que se pretende é pura e simplesmente o uso generalizado do crioulo na variante de Santiago, uma das 8 ou 9 variantes do crioulo cabo-verdiano falado no arquipélago, e a substituição da língua portuguesa, prevendo que esta deixe de ser falada ou entendida pela maior parte dos cidadãos cabo-verdianos.

É óbvio que é mais vantajoso permanecer o statu-quo actual, que perdurou até agora, que consiste na reconsideração do crioulo como língua do povo, sem todavia ultrapassar o estatuto oficial .

Para além disso, num Mundo global em que a língua portuguesa é uma ferramenta global, falada por um número crescente de pessoas e países, há todas as vantagens dos países de expressão lusófona adoptarem plenamente esta língua como sua.

Neste momento o Ministério da Educação de Cabo Verde deveria estar a ter uma iniciativa para aumentar a versatilidade oral e escrita da língua portuguesa pelas populações de Cabo Verde.

Ora, está a acontecer o contrário o que é manifestamente uma atitude no mínimo provinciana ou leviana ou um erro de consequências graves. Para além disso, esta reivindicação linguística tem pouca adesão nas restantes ilhas do arquipélago, estando localizada na ilha de Santiago, em círculos e circuitos bem identificados.

Parece que o lobby fundamentalista desta vez, no meio de petições de professores e de reivindicações da elite africanista-irredentista levou a melhor na longa cruzada contra a língua portuguesa que dura há 46 anos, por vezes declarada, por vezes encapotada. Ela está com vento de feição, revigorada pela ascensão no poder de correntes fundamentalistas que vêm na língua portuguesa um instrumento de opressão, ou mesmo de colonialismo linguístico, como alguns ‘especialistas’ apresentaram a questão, no início do lançamento oficial da ‘campanha’, do ALUPEK, há cerca de 10 anos .

A coisa está mesmo séria pois o Ministério da Educação de Cabo Verde pretende levar o uso do crioulo nas escolas a partir do 10 anos. Convenceram os políticos da urgência da medida!!!

Para além disso o novo presidente eleito de Cabo Verde, no seu discurso de empossamento, na presença de presidentes de alguns países amigos nomeadamente Portugal e Angola, discursou em crioulo na sua variante natal, de Santiago, e enviou um forte sinal para o’ mundo’. O apoio do actual PR era de prever pois foi no mandato dele como Primeiro-Minsitro, a partir de 2000 e durante 15 anos, levado pelas correntes fundamentalistas de Santiago, que este deu o pontapé de saída da problemática/ questão.

Ora, no caso de Cabo Verde o populismo fala mais alto, e a bandeira da língua é uma das muitas que vêm sendo brandida desde o 25 de Abril de 1974. Se naquele período ainda se podia perceber, pois estava-se em tempos revolucionários, o crioulo era reprimido e então fazia parte da tendência promover e incentivar tudo o que era proibido, hoje continuar a bater na tecla num Mundo em que tudo mudou, é que não se percebe. Também se recorda que o falecido Presidente Pereira, que foi presidente do Paigc , não se exprimia em crioulo, e nunca este Partido levou a sério a questão, pois o próprio Amílcar Cabral, pai da utopia paigcista, parece ter defendido a preservação da língua portuguesa, caso este partido conquistasse o poder.

A oficialização do crioulo (de Santiago) terá custos para além dos financeiros, e poderá marginalizar parte importante da população em relação à língua portuguesa , o que é já uma realidade grave, criando uma espécie de ghetos linguísticos. A elite poderá pagar através do Ensino Privado aos seus filhos o acesso à língua portuguesa, enquanto que ao povo lhe caberá o crioulo unicamente.

Se alguns lobbies  terão ganhos pecuniários, nomeadamente, os que explorarão a área da edição em crioulo, e os ditos projectos científicos, não se vêm benefícios econômicos para o país, quando a literatura nos países de expressão portuguesa é toda na língua portuguesa. Pior, a sua duplicação em crioulo poderá acarretar custos exorbitantes para a economia do arquipélago, que recebe ajuda do Mundo inteiro, inclusivamente de Portugal, o país anfitrião da língua que agora se quer prescindir.

Por outro lado, a oficialização do crioulo, subentende-se a variante da ilha de Santiago, pois não se conhece iniciativa em relação às restantes variantes, como acontece hoje na comunicação, o que implica uma subalternização e a condenação à morte. A acontecer será uma violação do direito das outras variantes à existência, logo está-se a semear um problema grave!!!

 



[i] Texto extraído de “Facebook”. O título é nosso..

3 comentários:

Ondina Ferreira disse...

Com a devida vénia ao seu autor, o «Coral-Vermelho» tomou a liberdade de publicar o texto pois, o assunto nele contido e a sua abordagem, para além de oportunos, foram pragmáticos a meu ver. José Fortes Lopes ilustrou bem o "modus operandi" como tem sido conduzida e de há muito esta matéria que; ao invés de aproximar, tem criado anti-corpos em muitos falantes cabo-verdianos.
Fica aqui o convite ao leitor do "Blog": leia e comente.

Ludmila Simões Godinho disse...

O texto é muito pertinente e actual!

No entanto, dar ênfase a uma variante não me parece ser pertinente. Porque grave não é a escolha da variante de Santiago ou outra, mas sim a paulatina oficialização do crioulo em detrimento de uma língua global que nos é proxima e familiar e que se irá tornar exclusiva de uma elite. Elite essa que parte dela hoje defende acérrimamente o crioulo cabo-verdiano mas que ao contrário do Povo, continuará a ter o português como língua sua também.

Ou seja, a oficialização do crioulo só levará a um cada vez maior fosso social, prejudicando de sobremaneira apenas o povo cabo-verdiano, o que é simplesmente triste na falta de outras palavras!

José Fortes Lopes disse...

Obrigado Ondina pela publicação do texto. Acabo de ler o artigo do Humberto Cardoso que vai no mesmo sentido da minha opinião nesta matéria

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