Baltasar
Essa fina saudade de Pasárgada
que percorreu os teus dias
ninguém a entendeu senão tu
como algo entretecido por mão de anjo
quando o sol, a terra e a chuva fizeram
as tréguas.
Alguns pensaram que era simples desejo
de evasão,
fuga obstinada e sem rasto de remorso
trancando a porta de regresso.
Mas como poderia evadir-se
quem estava preso no ventre da sua mãe?
E depois, filho de coração terno,
quem poderia mais tarde acalentar a dor
da sua mãe
e cuidar-lhe um dia da sua mortalha de
linho?
Sim, alguns fingiram não perceber que
apenas querias
o calor húmido de um Beijo.
Um beijo da mãe-água no seio da
mãe-terra
depositado em toda a dobra do tempo
selando promessa de felicidade eterna!
Mas só tu conheceste a vertigem do teu
sonho,
e ninguém faz ideia do que se fez pesadelo.
Este poema que roubei a uma estrela
tombada sobre as nossas dores
toma-o como remissão do meu pecado
por não ter compreendido desde cedo
que rasgaste sozinho o negrume das
noites.
Baltasar
Hoje não é já a Pasárgada que nos
persegue
nas nossas intermináveis noites de
vigília.
É esta infinita saudade que nos
deixaste.
Adriano Miranda Lima
2 comentários:
Eis um belo e sempre oportuno poema . Trata-se de um inédito em termos de um tema que até hoje (creio não estar a omitir a verdade) pois, não conheço poema algum que tivesse tomado a defesa de Osvaldo Alcântara no tema «Pasárgada». (não necessitaria de defesa alguma, se não tivessem surgido análises redutoras e inquinadas daquele que foi o «Itinerário de Pasárgada» do grande poeta Osvaldo Alcântara.
Agora, na voz de outro poeta, através da uma fina poética e de uma abrangente análise das causas, Adriano Lima trouxe de volta uma questão até hoje não resolvida -a tal "Saudade fina de Pasárgada" - que provocou tantas e
tamanhas más interpretações, e enviesados entendimentos, dessa mensagem sublime, misteriosa e transfigurada, sugerida no poema de Osvaldo Alcântara.
Finalmente! Houve, há um poeta que a captou; Adriano Lima e que a registou nestes versos.
Bem, confesso que me sinto verdadeiramente lisonjeado por ver o meu despretensioso poema valorizado pela apreciação de alguém com as credenciais da Dra. Ondina Ferreira. Não sou poeta nem tenho qualquer pretensão de o querer ser, mas deixo aqui os meus agradecimentos pela atenção e simpatia com que fui tratado, Amiga Ondina.
Acontece que sempre tive a noção de possuir uma grande dívida para com o Dr. Baltasar Lopes da Silva. Foi meu professor no 5º ano do liceu e a minha então pouca idade não me permitiu tomar nítida consciência da extraordinária qualidade do professor que tive. Por outro lado, por não ter prosseguido o liceu na área de Letras, fiquei privado da possibilidade de um enriquecimento mais amplo no campo da literatura e da língua pátria, que certamente me teria sido proporcionado pelo nosso saudoso mestre. Além de que só muito mais tarde teria contacto com a sua produção poética, o que me levou a procurar recuperar o tempo perdido. Excepção para o romance Chiquinho que, esse sim, li no tempo devido.
Tomei conhecimento da polémica à volta do "Itinerário de Pasárgada" e entendi que o nosso mestre e ideólogo não merecia ver a sua militância cívica e literária deturpada ou enviesada por interpretações descontextualizadas ou influenciadas por motivações políticas sempre discutíveis porque sempre subjectivas. Foi a razão que me levou a escrever esses versos, talvez algo fora do tempo mas com a consciência de que certo tipo de ressarcimentos não têm prazo de cumprimento.
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