Com a devida vénia ao seu autor, tomei a liberdade de aqui transcrever um Artigo interessante sobre «Língua materna» e o caso da Língua portuguesa em Angola.
Português, uma das línguas maternas de Angola
28 Fevereiro 2023 —
João Melo
Na passada terça-feira, 21 de fevereiro, foi
assinalado o Dia Internacional da Língua Materna. A ideia de comemorar essa
data foi iniciativa do Bangladesh, onde o 21 de fevereiro é o aniversário do
dia em que o povo desse país (então Paquistão Ocidental) lutou pelo
reconhecimento da língua bangla. Anunciado pela primeira vez pela Unesco em
1999, foi reconhecido formalmente pela Assembleia Geral das Nações Unidas em
2002. Cinco anos mais tarde, o mesmo órgão esclareceu que a instituição do Dia
Internacional da Língua Materna faz parte de uma iniciativa mais ampla
"para promover a preservação e proteção de todas as línguas usadas pelos
povos do mundo". Em suma, trata-se de promover a diversidade linguística e
cultural da humanidade.
A definição técnica de "língua materna" é
que é o primeiro idioma falado por um indivíduo. À primeira vista, isso pode
querer dizer que se trata da língua falada e transmitida pela mãe de cada um e
que, além disso, a mesma corresponde à língua dominante na região onde cada um
cresce. Trata-se, contudo, de duas falsas coincidências.
É um facto que, em princípio, a maioria de nós começa
a falar em casa e que, além disso, a primeira pessoa com quem os recém-nascidos
e as crianças se comunicam é com a mãe. Porém, nem sempre esta lhes transmite a
sua própria língua materna. Na verdade, os pais podem, por razões variadas,
usar outra língua que não a sua língua materna para se começarem a comunicar
com os seus filhos em casa.
Por outro lado, mesmo quando os pais usam a sua língua
materna para começarem a falar com os seus filhos, essa língua pode não
coincidir com a língua dominante no país ou na região onde a família viva (pode
ser de outra região ou mesmo de outro país), devido, por exemplo, ao fenómeno
das migrações, internas ou externas.
Em Angola, vivemos as duas situações. A mais conhecida
e comentada é a expansão da língua portuguesa como língua materna de muitos
angolanos, o que é explicado pela História: em determinadas regiões do país,
mais expostas secularmente à colonização portuguesa, as nossas avós não
transmitiram as respetivas línguas maternas aos nossos pais, os quais, por
conseguinte, não as aprenderam nem puderam transmiti-las aos seus filhos (isto
é, as pessoas da minha geração), o que acaba por influenciar também as gerações
mais novas. Entretanto, também podem ser encontrados exemplos da outra situação
a que me referi, isto é, a língua materna, mesmo sendo uma língua
originariamente africana, não coincidir com a língua principal da região onde
os indivíduos e as famílias vivam.
Só para dar um exemplo pouco referenciado: a política
de umbundização promovida pela UNITA durante a guerra civil ou o fenómeno de
umbundização de certas áreas do interior de Angola, fruto das migrações
internas, podem ser interessantes casos de estudo.
O censo levado a cabo em Angola em 2014 assinala que o
português é a primeira língua falada em casa por mais de 60% dos inquiridos,
taxa que coincide, sensivelmente, com o índice de urbanização do país. Os
especialistas talvez tenham de dizer-nos se "primeira língua falada em
casa" (por qualquer razão) é sinónimo ou não de "língua
materna". Certamente para esclarecer essa dúvida (?), a Academia Angolana
de Letras e Ciências Sociais quer introduzir no próximo censo, previsto para
breve, uma questão específica sobre o uso das línguas maternas.
Números à parte, a constatação é mais do que óbvia: há
várias línguas maternas em Angola - e o português é uma delas. Parece, pois,
igualmente óbvio que são necessárias políticas consistentes de articulação e
cooperação entre as diferentes línguas faladas no país. Contudo, o debate sobre
o assunto continua prisioneiro de paixões, ausência de definições
constitucionais mais ousadas ("fora da caixa"), critérios de duvidosa
cientificidade, falsas autenticidades e espírito belicoso, que apenas reforçarão
o caos linguístico existente. Isso pode ser bom para nós, escritores, mas não o
é para a educação, a administração e a comunicação.
Escritor e
jornalista angolano
In: «Diário de Notícias»
1 comentários:
Como estive em Angola de 1965 a 1968, em serviço militar, posso garantir que João Melo descreve um quadro verdadeiro. Como cabo-verdiano e conhecedor da realidade linguística na minha terra natal, surpreendeu-me ver a língua portuguesa falada de forma natural e escorreita, sem complexos, por todos os cantos daquele território por onde andei. Mesmo em locais recônditos e por pessoas que talvez nem tivessem escolarização. Ou seja, o português era encarado como língua materna tal como o quimbundo, o ikongo, o Tchokwe, o Umbundo e outras. Não havia, como não há e nunca haverá, complicações, equívocos e constrangimentos como os que existem em Cabo Verde. Devo dizer que realidade semelhante encontrei em Moçambique, onde também vivi 2 anos e meio.
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