Comemora-se hoje, 19 de Março, o Dia do Pai. Daí o
pretexto e o contexto do texto que se segue – com a devida vénia ao autor - do
Prof. Marco Neves, dedicado ao pai e em que o autor nos explica as origens e
as diferentes formas de se nomear “pai” ao redor do mundo. Muito interessante
Sugiro ao leitor que atente nos diversos vocábulos que representam esta
entidade tão importante para a família: o pai. A todos os pais presentes na vida dos filhos, a
minha homenagem. Volta ao mundo a bordo da palavra
«pai» Hoje ofereço uma viagem ao meu pai. Seria óptimo
oferecer-lhe uma viagem mesmo a sério, mas como não é possível, partimos pelo
mundo fora a bordo da palavra «pai».
Do passado do português ao persa Começamos, claro, no nosso «pai». A sua
origem é conhecida — com muitas paragens pelo caminho, terá vindo do «pater» latino.
Ora este também veio de outros tempos — os linguistas conseguiram mesmo
reconstruir a forma «*ph₂tḗr». Mas essa história já a contei aqui. Avancemos pelo mar. Saímos de Lisboa, navegamos até
ao Estreito de Gibraltar, entramos no Mediterrâneo. À nossa esquerda, estendem-se terras onde «pai»
é «padre» — ou também, começando ali na zona de Guardamar
del Segura, «pare». Do lado direito estão as costas de países onde a
língua oficial é, entre outras, o árabe. Uma das formas da palavra «pai» é,
em árabe, «ʾab» — mas também podemos dizer «bābā». O nosso barco avança veloz — aportamos a Malta. Já
por lá andámos noutras viagens desta página e sabemos, por isso, que o maltês
é uma língua da família do árabe. No entanto, muito do vocabulário tem origem
italiana. Neste caso, «pai» é «missier». Como? Então nada de
«papa», «baba» ou outros que tais? Donde vem esta palavra? Não parece nem
árabe nem latina. Vem de «misseri», uma palavra do siciliano antigo
relacionada com o italiano «messere», que terá vindo do occitano «meser»,
palavra irmã do «monsieur» francês… Ou seja, o «missier» maltês é primo do
«monsieur» francês — mas o significado é «pai»! O nosso barco está com vontade de viajar. O meu pai
e eu sentimos o sal na cara e olhamos em frente. Já se vê a Grécia! Em grego
antigo, «pai» era um familiar «patḗr» («πατήρ»). Hoje em
dia, a palavra é «patéras» («πατέρας»). Passando pelas ilhas gregas como que pelos pingos da
chuva, aportamos na Turquia — onde «pai» é «baba». A viagem pela Anatólia é feita por terra. Teria
muito que contar, claro, mas dar uma volta ao mundo em poucos minutos exige
que avancemos. Passamos, sem grande dificuldade, a fronteira entre a Turquia
e o Irão e ficamos a saber que, por lá, a palavra pode ser «bâbâ» — o que
lembra o turco, é certo — mas é, antes de mais, «pedar». Ao
contrário do turco, o persa é uma língua indo-europeia — este «pedar» está
próximo do latino «pater», do grego «patḗr» ou do germânico «*fadēr» (os
germânicos substituíram o «p» pelo «f» em muitíssimas palavras). Do persa ao futuro do português O meu pai e eu estamos a conversar sobre estas
velhas palavras num café de Bandar-Abbas, que os comerciantes portugueses
também conheciam como Cambarão. Estamos encostados ao Estreito de Ormuz.
Fazemo-nos ao mar. Já não temos muito tempo… Atravessamos todo o Oceano Índico e aportamos na
Indonésia. Neste arquipélago, encontramos muitas línguas. A língua oficial é
o indonésio, estreitamente relacionado com o malaio (o indonésio e o malaio
são, no fundo, duas normas da mesma língua). Por aqui, «pai» é «bapa». O
curioso é perceber a forma do plural: «bapa-bapa». Parece lógico, não parece? Avançamos — que ainda nos falta mais de meio mundo e
o artigo tem de acabar! Atravessamos o Pacífico até ao Havai, onde
encontramos — para lá do mais conhecido «father» — a forma «makua
kāne», que tanto dá para «pai» como para «tio»… Se dermos mais um
salto e chegarmos ao continente americano sem sair dos EUA (a viagem faz-se
agora de avião), ficamos a saber que em navajo a palavra pai é «azhéʼé». Esta palavra faz parte da frase «shizhéʼé
tʼáá ákwíí jį́ naalnish», que significa «o meu pai trabalha todos os
dias» (encontrei-a no Wikcionário). É
uma frase bem verdadeira, pelo menos no que toca ao meu pai — mas tem um
problema: onde está a palavra «azhéʼé»? «Naalnish» é o verbo «trabalhar».
«Tʼáá ákwíí jį́» significa «todos os dias». Sobra «shizhéʼé» — que é, de
facto, a forma do possessivo da primeira pessoa singular de «azhéʼé». Ou
seja, «shizhéʼé» é «o meu pai». É estranho, não é? Uma
palavra que se flexiona no início? Ora, basta imaginar o português daqui a
uns 2000 anos, depois de muita pancada fonética. Nessa língua do futuro, tão
distante de nós como o latim, não é impossível que as formas da palavra «pai»
sejam algo como «mpai», «tepai», «sepai» («o meu pai», «o teu pai», «o seu
pai»). Sabe-se lá!… A volta ao mundo ainda não acabou. Saímos do porto
de Nova Orleães e aportamos em Curaçau, onde descobrimos que «pai» é «tata» em
papiamento (a língua de que falámos por aqui há uns tempos). Por fim, o nosso barco chega a Lisboa vindo de
ocidente, depois de atravessar o velho oceano. É então que ouvimos de novo a
palavra que nos fez partir nesta volta ao mundo: «pai». Feliz Dia do Pai a todos os pais — mas (espero que
compreendam) em especial ao meu pai…
Marco Neves 19/03/2024 |
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3 comentários:
Foi um privilégio embarcar nesta viagem com o pai e ir descobrindo as metamorfoses linguísticas que ele ia sofrendo ao longo da geografia do planeta e sem deixar de ser quem é. Agradeço a viagem a este blogue porque não tive de pagar bilhete e cheguei ao fim mais rico do que quando embarquei. Parabéns ao avisado capitão Marco Neves pela sua refinada arte de navegação entre as línguas
do mundo.
No dia do pai, mal acordei de manhã estava a receber por telefone os parabéns das minhas duas filhas.
E nesse dia veio-me à memória
Foi um privilégio ter embarcado nesta viagem com o pai, que tenho de agradecer a este blogue porque não tive necessidade de comprar bilhete. Felicito o capitão Marco Neves pela sua refinada arte de navegação entre as línguas do mundo. Permitiu-nos a magia de assistir à facilidade com que o pai se metamorfoseia ao longo da geografia do planeta, sem deixar de ser quem é. Cheguei ao fim da viagem mais rico do que quando embarquei.
No dia do pai, mal acordei recebi por telefone os parabéns das minhas filhas e nesse momento senti pena de quem não é pai. Mas deu-me também para recordar a madrugada em que o meu pai me levou ao colo ao hospital. Tinha 6 anos e acordei com violentas tosses e febre alta, pelo que o meu pai, sem hesitar, fez o que achou prudente. Como eu ia com a cabeça encostada ao seu ombro, ficou-me para sempre entranhada na memória o cheiro da brilhantina com que ele se penteava. Não fosse este episódio, não o recordaria o tempo fora pelo cheiro da brilhantina que usava.
Esqueci-me de esclarecer que fiquei internado no hospital porque me foi diagnosticada uma pneumonia. Felizmente que já havia penicilina e o tempo de internamento foi relativamente breve.
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