Não há como deixar de fora – e
não ajuntar a esta nossa formidável e bela mestiçagem - a contribuição dada
pelos muitos Deportados para a então colónia penal de Cabo Verde. Se o destaque
vai para as ilhas de São Nicolau, de Santiago e do Fogo, ( tendo esta última,
registado e acolhido casos muito mais antigos dos “banidos do reino” ainda do
tempo da monarquia); não é menos certo que outras ilhas também, foram terra de
acolhimento para esses homens. Muitos
deles arrancados do seu país, por “crime” de opinião e de pensamento e às vezes
de “tendência comunista” como li num documento
justificativo para a deportação de um professor liceal para S. Vicente,
nos anos 40 do século XX.
Não falo da prisão fechada do
Tarrafal. Trágico e horrendo “depósito” de homens valorosos também. Refiro-me
sim, aos enviados, com residência fixa, para determinada ilha. Que circulavam,
conviviam e trabalhavam em diversos sectores de actividade existentes nas ilhas
para onde eram enviados.
E eles foram muitos. “ (...) de mais de três centenas de
deportados, constituídos principalmente por
civis e militares (...)” fixados em Cabo Verde, como assevera Victor Barros
no seu livro, «Campos de concentração em Cabo Verde» E continua: “ entre 1927 e os primeiros anos de 1930, Timor
e as ilhas de Cabo Verde constituíram os
destinos preferenciais para o isolamento e a fixação de centenas de deportados
(...) num total de 800”. Transcrições
do Livro.
Eram homens ainda jovens muitos
deles, na força da idade e da vida, que sem dia de regresso, aqui viveram no
meio de nós e aqui constituíram família. Uns, segunda família, pois já eram
casados em Portugal e assim não puderam dar os apelidos aos descendentes. Há
muitos casos assim. Outros, deixaram os filhos com os apelidos, pois que ainda
solteiros o puderam fazer e outros ainda, casaram com mulheres da ilha onde
tinham residência forçada. Muitos foram aqui enterrados
O caso da ilha de S. Nicolau é
paradigmático disto que narro.
Caro leitor, tudo isto é
mestiçagem, direi mais recente, em termos históricos, pois que advém do século XX. Como alguém já o disse e bem: a nossa
mestiçagem, não tem finidade à vista, está sempre a acontecer...
No caso do Fogo, lamento não
possuir dados. Mas sirvo-me daquilo que o vulgo conhece. É interessante notar, que
alguns dos deportados, tinham apelidos aristocratizantes e que os perdiam como
castigo do rei, ou de alguém por ele, por serem “banidos do reino”. Também eles
se fundiram em comunhão marital, com mulheres da ilha do vulcão e deixaram
muita descendência. Só sei que da contribuição dada, não só a demográfica,
ressalta igualmente, o desenvolvimento da ilha e da cidade de São Filipe,
continuado pela direcção dos descendentes.
Para além do livro aqui citado,
não conheço outro, com a extensão e a profundidade de «Campos de concentração
em Cabo Verde» de Victor Barros. O livro em apreço, abarca também Timor e São
Tomé e Príncipe, como espaços de deportação do Estado Novo, e o seu autor
explica-nos que à ideia de deportação vinham juntos as de: “o isolamento e de
depósito.” A leitura da obra, conduz o
leitor a perceber as condições abjectas como eram transportados de Portugal e atirados
para as ilhas de Cabo Verde, para Timor
e para São Tomé, esses homens com o estigma de deportados. Triste condição
humana!
Talvez fosse já tempo, de surgir também, algum ensaio
sério, sobre a história específica, dos deportados em Cabo Verde. Quem eram? De
onde vieram? Como viveram aqui? As famílias que constituíram? E os descendentes
aqui deixados? Estes são numerosos e ainda sabem e podem contar sobre as suas
origens. Estas memórias não são assim tão antigas.
E porque não um marco histórico,
lá nas ilhas onde viveram, sofreram? Mas também onde conheceram gente e família que lhes mitigou e lhes
suavizou o castigo, por largos anos?
Fica aqui o alvitre para alguma
tese séria, descrevendo o caso particular da deportação para Cabo Verde.
P.S. – Se o estudo aqui alvitrado
já existe, para além de felicitar o (a) autor(a), peço desculpas pela
ignorância.
É que estava a pensar no meu
amigo e historiador, Joaquim Saial, de pena séria e ilustre que possivelmente
terá algum trabalho sobre este assunto.
2 comentários:
É sem dúvida um tema de grande interesse. Se ainda ninguém se debruçou sobre ele, é caso para estranhar. Ou será que para as gerações actuais (pelo menos algumas), não haverá grande motivação para investigar sobre o contributo do sangue europeu na nossa mestiçagem?
Um tema de grande interesse, que faz parte integrante da História de Cabo Verde.
Abraço
Olinda
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