A nossa Mestiçagem e as levas de Deportados vindos de Portugal...

quinta-feira, 17 de março de 2016

 
 Não há como deixar de fora – e não ajuntar a esta nossa formidável e bela mestiçagem - a contribuição dada pelos muitos Deportados para a então colónia penal de Cabo Verde. Se o destaque vai para as ilhas de São Nicolau, de Santiago e do Fogo, ( tendo esta última, registado e acolhido casos muito mais antigos dos “banidos do reino” ainda do tempo da monarquia); não é menos certo que outras ilhas também, foram terra de acolhimento para esses homens.  Muitos deles arrancados do seu país, por “crime” de opinião e de pensamento e às vezes de “tendência comunista” como  li  num documento  justificativo para a deportação de um professor liceal para S. Vicente, nos anos 40 do século XX.
Não falo da prisão fechada do Tarrafal. Trágico e horrendo “depósito” de homens valorosos também. Refiro-me sim, aos enviados, com residência fixa, para determinada ilha. Que circulavam, conviviam e trabalhavam em diversos sectores de actividade existentes nas ilhas para onde eram enviados.
E eles foram muitos. “ (...) de mais de três centenas de deportados, constituídos principalmente por civis e militares (...)” fixados em Cabo Verde, como assevera Victor Barros no seu livro, «Campos de concentração em Cabo Verde» E continua: “ entre 1927 e os primeiros anos de 1930, Timor e as  ilhas de Cabo Verde constituíram os destinos preferenciais para o isolamento e a fixação de centenas de deportados (...) num total de 800”.  Transcrições do Livro.
Eram homens ainda jovens muitos deles, na força da idade e da vida, que sem dia de regresso, aqui viveram no meio de nós e aqui constituíram família. Uns, segunda família, pois já eram casados em Portugal e assim não puderam dar os apelidos aos descendentes. Há muitos casos assim. Outros, deixaram os filhos com os apelidos, pois que ainda solteiros o puderam fazer e outros ainda, casaram com mulheres da ilha onde tinham residência forçada. Muitos foram aqui enterrados
O caso da ilha de S. Nicolau é paradigmático disto que narro.
Caro leitor, tudo isto é mestiçagem, direi mais recente, em termos históricos, pois que advém do  século XX. Como alguém já o disse e bem: a nossa mestiçagem, não tem finidade à vista, está sempre a acontecer...
No caso do Fogo, lamento não possuir dados. Mas sirvo-me daquilo que o vulgo conhece. É interessante notar, que alguns dos deportados, tinham apelidos aristocratizantes e que os perdiam como castigo do rei, ou de alguém por ele, por serem “banidos do reino”. Também eles se fundiram em comunhão marital, com mulheres da ilha do vulcão e deixaram muita descendência. Só sei que da contribuição dada, não só a demográfica, ressalta igualmente, o desenvolvimento da ilha e da cidade de São Filipe, continuado pela direcção dos descendentes.
Para além do livro aqui citado, não conheço outro, com a extensão e a profundidade de «Campos de concentração em Cabo Verde» de Victor Barros. O livro em apreço, abarca também Timor e São Tomé e Príncipe, como espaços de deportação do Estado Novo, e o seu autor explica-nos que à ideia de deportação vinham juntos as de: “o isolamento e de depósito.” A leitura da obra,  conduz o leitor a perceber as condições abjectas como eram transportados de Portugal e atirados para as ilhas de Cabo Verde,  para Timor e para São Tomé, esses homens com o estigma de deportados. Triste condição humana!
Talvez  fosse já tempo, de surgir também, algum ensaio sério, sobre a história específica, dos deportados em Cabo Verde. Quem eram? De onde vieram? Como viveram aqui? As famílias que constituíram? E os descendentes aqui deixados? Estes são numerosos e ainda sabem e podem contar sobre as suas origens. Estas memórias não são assim tão antigas.
E porque não um marco histórico, lá nas ilhas onde viveram, sofreram? Mas também onde conheceram  gente e família que lhes mitigou e lhes suavizou o castigo, por largos anos?

Fica aqui o alvitre para alguma tese séria, descrevendo o caso particular da deportação para Cabo Verde.
P.S. – Se o estudo aqui alvitrado já existe, para além de felicitar o (a) autor(a), peço desculpas pela ignorância.
É que estava a pensar no meu amigo e historiador, Joaquim Saial, de pena séria e ilustre que possivelmente terá algum trabalho sobre este assunto.

 

 

 

 

2 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

É sem dúvida um tema de grande interesse. Se ainda ninguém se debruçou sobre ele, é caso para estranhar. Ou será que para as gerações actuais (pelo menos algumas), não haverá grande motivação para investigar sobre o contributo do sangue europeu na nossa mestiçagem?

Olinda Melo disse...


Um tema de grande interesse, que faz parte integrante da História de Cabo Verde.
Abraço
Olinda

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