Seria boa ideia pôr algum termo às efabulações criadas em torno da figura de Armand Mont-Rond!...
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Sim, é chegada altura de vir ao de cima algum bom senso e pôr termo a tanta efabulação (estou a tentar, através deste eufemismo, manter-me o mais correcta possível!) ouvida e escrita sobre o francês, por sinal meu bisavô, que demandou a ilha do Fogo no último quartel de 1800.
Ora existem alguns pontos que nunca serão de mais esclarecer. Vou tentar enumerá-las:
1 - Ele não deixou “numerosos filhos” Não foram tantos como se pretende fazer crer. Falso. Os seus filhos – que não foram poucos mas também não tão numerosos – é que deixaram muita prole. Como afirmava a minha tia Eugénia, neta do francês. Terá sido o caso da minha avó paterna Maria Clementina Gomes Mont-Rond que teve 10 (dez) filhos; o caso também do meu tio-avô paterno Simiano Mont-Rond ou Montrond, que teve também muitos filhos. Dos outros filhos, confesso que não tenho notícia, possivelmente também eles tiveram descendência. Todos eles multiplicados, pode-se perceber a quantidade de gente que conserva ainda o apelido Montrond.
2 - Armand Mont-Rond nunca viveu na Chã das Caldeiras. Quem para lá se transferiu da (Ribeira Ilhéu ou da Atalaia) foi o filho Simiano Montrond, nos meados do século XX e foi quem veio a marcar a tal inúmera descendência dos Montrond da Chã que ainda hoje distingue a região. O ascendente Armand Mont-Rond viveu em Baluarte, na Achada Matriz ou Achada Mariz como localmente é chamado o local, e circulava entre Atalaia e Ribeira Ilhéu. Também teve moradias em S. Filipe e na Cova Figueira.
3 - Igualmente convém repetir que o nosso gaulês Mont-Rond não introduziu a vinha e nem a produção do vinho no Fogo. Li isso num Guia turístico sobre o Fogo. Falso. É bom que se esclareça que a uva foi das primeiras frutas que os portugueses – com a videira trazida de Portugal ou da Madeira ou dos Açores – experimentaram plantar em Cabo Verde. O que se entende. Queriam ter por perto aquilo a que estavam habituados a comer e no caso, a beber, na terra de origem. Há notícias disso logo a seguir ao povoamento, ainda no século XVI. Portanto, quando o nosso francês cá chegou no século XIX, já havia muita parra e algum vinho. Interessante é que não foi só no Fogo que os portugueses plantaram a videira. Também a cultivaram em Santiago, em Santo Antão, em S. Nicolau e na Brava.
4 – Em termos de formação académica ouvia meu pai contar que o avô dele tinha “estudos de medicina”. Daí ter percebido que não completara medicina. Logo, ele não era médico. Nem mágico, nem homeopata. Por que deduzo falsas ou por certificar, as profissões e/ou formações académicas que lhe são atribuídas.
Com efeito, e já no Fogo ele interessou-se e ali estudou as propriedades medicinais de muitas ervas locais, as quais recomendava às pessoas que o consultavam que as tomassem ou sob forma de chá ou sob forma de pasta (para massagem).
5 - Sei sim, e nisso acredito, pois que fazia “voz corrente” na família que Armand Mont-Rond fora um homem empreendedor, ousado e dinâmico. Praticava actos de engenharia em obras consideradas públicas. Daí ter suscitado algum confronto com o Governador, pois ele construiu a tal estrada carroçável da antiga “Volta-Volta” sem pedir autorização às autoridades e do seu bolso. Praticava, se calhar, actos ditos médicos, dado que consultava e receitava tratamento a doentes que dele se abeiravam. A maior parte das vezes os remédios eram caseiros e alternativos. Fazia-o graciosamente. Estamos a falar da ilha do Fogo do século XIX e de uma zona, Mosteiros onde o Clínico (sedeado em S. Filipe) visitaria muito espaçadamente.
6 – Outra “lenda” criada à volta da figura do meu bisavô é a razão, o motivo que o terá levado a fixar-se no Fogo. A versão que a minha avó contava e mais tarde ratificada pela filha, minha tia Eugénia, era que se tratou de uma briga com a família francesa e ele, (Armand) um espírito rebelde e aventureiro, se calhar, terá preferido deixar a França e fixar-se numa então remota ilha. Daí, o tal mistério que tantas efabulações tem criado com transmissões exageradas e deturpadas (quem conta um conto…) aos forasteiros que visitam a ilha do Fogo à procura de testemunhos sobre a vida do francês na ilha do vulcão.
Possivelmente Armand Mont-Rond pertenceu a família aristocrática e rica da França que não se sentiu nada “orgulhosa” do feito do membro familiar. Ele teve uma irmã que não deixou descendência. Eis a razão porque não se encontram descendentes “Mont-Rond” (de origem) em França.
De seu nome completo Armand Fourbeaux de Mont-Rond, que tanto segredo fez das razões porque fixou residência no Fogo, nunca pensou que após o seu desaparecimento, haviam de ser criadas tantas lendas e estas badaladas aos quatro ventos, por vezes, sem o mínimo cuidado de verificação da verdade histórica.
João Augusto Martins, no seu livro «Madeira, Cabo Verde e Guiné» Lisboa, 1891, fala de Armand Mont-Rond, descrevendo-o a determinada altura, (pois que o conheceu e o visitou no Fogo) como: «um homem inteligente porque percebe, compreende e decide quando os outros hesitam e se declaram impotentes. Muito culto, eis o que revela a sua conversação cheia de interesse (…) Tudo o que faz e pratica mostra um vasto exercício solidamente orientado» continua o escritor Martins, nos seus elogios a Armand Mont-Rond dizendo que o francês pela sua lavra, melhorou a agricultura nas terras que cultivou pois que introduziu processos mais modernos à época, que terá trazido da França.
Por outro lado, há um testemunho que considero fiável, que é o de Padre Luigi Miragillio, o nosso Padre Luís que viveu durante muitos anos nos Mosteiros e que baptizou quase todos os meus irmãos. Excepto eu porque fui baptizada em Lisboa. O Padre Luís chegou ao Fogo em 1947. Ele narrou para Pierre Sorgial, autor do livro: - «Les îles du Cap-Vert d’ hier et d’aujourd’hui» – ecos daquilo que ouviu nos Mosteiros sobre Mont-Rond, com contenção e bom senso. Reli-o recentemente no exemplar da Casa da Memória em S. Felipe. Uma das explicações da “aura de prestígio” que rodeou o francês que se auto exilou naquele canto do Arquipélago é que o homem era por lado, bondoso e por outro lado, não tolerava a negligência e a preguiça no trabalho.
Finalmente, pois o texto já vai longo, dizer que ele voltou à França por duas vezes. Tanto na morte do pai, como na morte da mãe. Regressou sempre carregado de armas e de munições para a caça que se praticava muito no Fogo. Os netos dele, meu pai, o irmão Armando José Rodrigues e o primo Alberto Montrond gostavam e praticavam caça. Outra habilidade de Armand era a música que também legou a alguns dos descendentes. O violino e o bandolim eram os instrumentos preferidos.
Histórias envoltas em lavas...
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Hoje vou falar de mim, isto é, do meu próximo livro de Contos intitulado: «Contos com Lavas» que será apresentado na Casa da Memória, em S. Filipe no fim desta semana.
Trata-se de uma colectânea de 12 contos que, como o próprio título sugere, as histórias e as personagens nela contidas foram recortadas em ambiente foguense. Sob protecção ou sob maldição (conforme o ângulo de abordagem da ficção) do medonho e do temido vulcão. É que de facto existe um autêntico «feiticismo» do foguense com o seu Pico.
Daí o título do livro e daí também o conteúdo de algumas histórias «bebidas» de alguma forma no magma do vulcão, ainda que simbolicamente.
Por se tratar de uma edição de Autor, torna a sua publicação num projecto que direi muito pessoal. Isto para justificar o que disse no início deste escrito que iria falar de mim.
Mas pensando melhor, vou alargar ligeiramente o âmbito do «ego» e abrir um parêntesis, e falar um pouco dos “riscos” de se editar um livro de “motu” próprio – aqui na minha terra – Por um lado, o mecenato, os patrocinadores escasseiam. Mas mesmo os que ainda o fazem, refiro-me às instituições financeiras dizem-se já “cansadas” de tantos pedidos para as muitas actividades que diariamente acontecem. Depois o autor nem sempre dispõe ab initio, do montante, que não é pouco, para a impressão de um livro. Felizmente que sempre vai aparecendo um co-patrocínio o que se agradece. A propósito, achei interessante o que me disse uma das instituições contactadas, que o critério dela para patrocinar livros se fixava apenas em manuais escolares e em livros científicos. Fiquei sensibilizada! Óptimo! Que seja para isso!
Por outro lado, é um “risco” pensando na existência do potencial leitor aqui nas ilhas, que segundo estatísticas, a percentagem ainda não satisfaz quando se pensa na “vida” plena de um livro.
Ora bem, de todo o modo, o facto de ver finalizado este meu projecto pontual e imediato, deu-me uma sensação boa! Porque fiz aquilo que gosto de fazer: escrever e escrever efabulando, recriando memórias, transfigurando realidades e assim tecendo os contos. Relendo-os, vou reencontrar parte da minha vivência, parte da comunidade de pertença, pela espécie de lastro cultural que se envolvem nas histórias ou que nos é devolvido por elas.
Bem-haja a ficção pela felicidade que dá!
Trata-se de uma colectânea de 12 contos que, como o próprio título sugere, as histórias e as personagens nela contidas foram recortadas em ambiente foguense. Sob protecção ou sob maldição (conforme o ângulo de abordagem da ficção) do medonho e do temido vulcão. É que de facto existe um autêntico «feiticismo» do foguense com o seu Pico.
Daí o título do livro e daí também o conteúdo de algumas histórias «bebidas» de alguma forma no magma do vulcão, ainda que simbolicamente.
Por se tratar de uma edição de Autor, torna a sua publicação num projecto que direi muito pessoal. Isto para justificar o que disse no início deste escrito que iria falar de mim.
Mas pensando melhor, vou alargar ligeiramente o âmbito do «ego» e abrir um parêntesis, e falar um pouco dos “riscos” de se editar um livro de “motu” próprio – aqui na minha terra – Por um lado, o mecenato, os patrocinadores escasseiam. Mas mesmo os que ainda o fazem, refiro-me às instituições financeiras dizem-se já “cansadas” de tantos pedidos para as muitas actividades que diariamente acontecem. Depois o autor nem sempre dispõe ab initio, do montante, que não é pouco, para a impressão de um livro. Felizmente que sempre vai aparecendo um co-patrocínio o que se agradece. A propósito, achei interessante o que me disse uma das instituições contactadas, que o critério dela para patrocinar livros se fixava apenas em manuais escolares e em livros científicos. Fiquei sensibilizada! Óptimo! Que seja para isso!
Por outro lado, é um “risco” pensando na existência do potencial leitor aqui nas ilhas, que segundo estatísticas, a percentagem ainda não satisfaz quando se pensa na “vida” plena de um livro.
Ora bem, de todo o modo, o facto de ver finalizado este meu projecto pontual e imediato, deu-me uma sensação boa! Porque fiz aquilo que gosto de fazer: escrever e escrever efabulando, recriando memórias, transfigurando realidades e assim tecendo os contos. Relendo-os, vou reencontrar parte da minha vivência, parte da comunidade de pertença, pela espécie de lastro cultural que se envolvem nas histórias ou que nos é devolvido por elas.
Bem-haja a ficção pela felicidade que dá!