A EMIGRAÇÃO LABORAL NÃO PODE SER UM DESÍGNIO!... É UM ALERTA!

sábado, 19 de agosto de 2023

 

Tem vindo a causar alguma inquietação, com muitas interpelações ainda por se fazer, esta procura, esta vontade, este desejo explicitamente manifestado por muitos jovens de saírem de Cabo Verde, com rumo a Portugal. E estratagemas para o fazer têm sido vários conforme informação constante de vários órgãos da comunicação social.

Podia parecer um movimento normal, dado que nos habituamos ao longo dos anos a alguma movimentação da população cabo-verdiana que se dizia ser idiossincrática. Só que respeitava a polémica e politizada expressão “querer ficar e ter de partir”. Expressão esta que alimentava uma das grandes vertentes da luta pela independência das ilhas, nos anos 60 e princípios de 70 do século XX, que era a de pôr fim à emigração uma vez independentes, ao desaparecer deste modo as suas razões – fuga à pobreza e procura de bem-estar e vida digna – que, supostamente, se resolveriam com a independência do Arquipélago.

Ironia do destino! nunca o cabo-verdiano emigrou tanto, como após a independência! Uma inversão total nos suportes dessa independência – agora é querer partir e ter de ficar!

Os destinos então procurados, pelos nossos ilhéus, – Estados Unidos e Europa – fecharam-se há muito à emigração cabo-verdiana.

E a acompanhar a ironia surge o paradoxo: É precisamente o país que “voluntariamente” declinámos no passado que hoje mais desejamos e é praticamente o único cujas portas ainda se nos abrem e de forma condicionadamente escancarada – Portugal.

Mas voltando um pouco atrás e fazendo uma pequena retrospectiva à década de sessenta do século passado, data da partida dos homens oriundos do interior da ilha de Santiago, que constituíram a principal mão-de-obra para a construção não só da rede do Metro de Lisboa como da expansão urbanística da chamada Grande Lisboa, destacando-se os empreendimentos “J. Pimenta, Lda”.

Aí tivemos a grande leva, – quiçá a primeira – de migrantes cabo-verdianos que assentou raízes em Portugal. Mais tarde, em 1974, com a ocorrência da Revolução de Abril, uma outra leva, esta «diasporizada» – era mesmo uma diáspora no sentido literal do termo – por motivos políticos, chega a Portugal integrando aquilo a que então se generalizou chamar “Retornados”. 

Ora bem, abreviando, de 40 mil pessoas que constituía a comunidade cabo-verdiana imigrada em Portugal, rapidamente se passou para 80 mil na década de oitenta do século anterior, – sem ter em conta as dezenas de milhares que terão adquirido a nacionalidade portuguesa, – chegando a ser, naquela década, a maior comunidade dos PALOP, imigrada em Portugal. Refira-se que alguns estudiosos das migrações defendem que, de uma maneira geral, a imigração tem como destino final a aquisição da nacionalidade do país de acolhimento numa óptica de integração plena, globalizando os direitos dos nacionais.

As migrações hoje, na era da globalização, são de vária índole, de motivações várias e de escalões sociais diversos. Mas aqui, referimo-nos às de natureza laboral feitas por gente profissionalmente pouco qualificada.

Pois bem, como atrás verificamos, tudo isso tem vindo a acontecer com particular frenesim após a independência do nosso país, não obstante as medidas impeditivas que inicialmente se tomaram com evidente incidência no fluxo migratório de saída.

Isto porque nos primórdios da independência havia da parte do regime então instalado uma antipatia aos conterrâneos que viviam no estrangeiro; eram desprovidos do exercício dos seus direitos de cidadania enquanto residentes no estrangeiro; impedidos de ter uma segunda nacionalidade, designadamente a do país de acolhimento; apreciados apenas pela sua ajuda aos familiares constituindo aquilo que se designa de “remessa de emigrantes”; e apelidados pejorativamente de “estrangeirados”.  O fluxo migratório de saída, de então, era absolutamente controlado administrativamente pela chamada “autorização de saída” um documento obrigatório para se viajar passado pela polícia, – hoje só praticada na Coreia do Norte – o que manifestamente significa ausência de liberdade definindo deste modo a natureza antidemocrática e repressiva do regime.

O espectáculo triste e deprimente que temos assistido junto dos consulados de Portugal no Mindelo e na Praia  é afrontoso e devia encher de vergonha, todas as instâncias do poder, nelas incluídos não só os nossos governantes, mas também, toda a classe política responsável dos últimos cinquenta anos. Neste quadro não podemos culpar aqueles que o fazem à procura de uma saída para uma vida melhor, para o seu bem-estar, mas sim aqueles que não criaram condições para que eles, no seu país, pudessem viver com algum conforto mínimo e dignidade. É simplesmente triste e desolador o que se passa junto dos consulados de Portugal de Mindelo e Praia. Acaba por ser algo deprimente e constrangedor para o País!

O fluxo migratório de entrada é normalmente considerado, uma questão de soberania dos Estados e é regido pelas leis internas baseadas, logicamente, nos interesses directos ou indirectos desses Estados e cobertos – nos países democráticos – pelos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O direito internacional pouco ou nada tem a ver com isto. Daí que acusar Portugal ou os seus serviços consulares pelo espectáculo deprimente que se assiste em Cabo Verde junto dos seus consulados não faz qualquer sentido. Ou é má-fé ou não é querer aceitar que somos independentes há quase cinquenta anos... e Portugal como País soberano tem o direito de controlar as suas fronteiras e de seleccionar a entrada dos migrantes legislando e procedendo de acordo com os seus interesses de soberania. 

Como travar e explicar esta avalanche de jovens que tentam sair do país a todo o custo?

Sobre este assunto, ouvimos de um alto responsável do País de que a emigração é boa e importante porque corresponderá a uma maior remessa de divisas. 

Este comentário público, porque o achámos demasiado simplista, não cremos que tenha resultado de uma análise séria do problema, a montante, em pleno século XXI; mas mais, perguntamos: será que tal  pensamento sintetiza tudo o que um governante pensa quanto à fuga, ao desperdício da força jovem produtiva para o desenvolvimento do País?

E  jamais acredatariamos que tais  palavras comportassem qualquer espécie de regozijo e de alívio pela outorga dessa força produtiva a um outro país. Com quem contará o País, para o seu desnevolvimento?

Perante tal crise, pois de uma crise se configura, ao que parece os responsáveis nacionais ainda não se perguntaram o porquê  deste afã, esta ânsia generalizada de deixar a terra? Não vamos apresentar a estatística do desemprego, da pobreza nem da pobreza extrema.

Quase 50 anos se passaram desde a nossa independência. E elencando os principais problemas à partida, muito poucos se resolveram fora da evolução que o decorrer natural do tempo não solucionaria.

Na verdade ao se nos deparar a possibilidade de autodeterminação e independência – duas fases que nos permitiria reflectir sobre uma eventual transição, se necessária; ao invés, quisemos fazer – e fizemos! – jus à célebre frase que se atribui a Ahmed Sékou Touré:  Nous préférons la liberté dans la pauvreté  à la richesse dans l’esclavage!” e não demos tempo a uma ponderação sobre os nossos interesses vitais como muito preconizavam alguns que bem conheciam o Arquipélago, e abraçámos uma “independência na pobreza”; e, tal como Sekou Touré, também sem a apregoada liberdade, liberdade esta que levámos 15 longos anos para a conquistar.

Daí que talvez a posição de Aristides Pereira tenha mesmo cabimento quando disse: “depois de ter pensado muito a sério, e muito a frio, sobre todos estes anos[i] que (transcrevemos) Hoje em dia, é minha firme convicção que a aspiração do povo de Cabo Verde não era a independência, mas a autonomia[ii]. (fim da transcrição) Mas talvez quisesse dizer que [a independência] devia ter sido negociada em vez de se aceitar a encenação[iii].

Mas ao que parece também [a posição de A. Pereira] se respaldava no pensamento do seu camarada, amigo e mentor Amílcar Cabral que a seguir transcrevemos:

«Se porventura em Portugal houvesse um regime (…) disposto a construir não só o futuro de Portugal, mas também o nosso, mas em pé de absoluta igualdade, quer dizer que o Presidente da República pudesse ser tanto de Cabo Verde (…) como de Portugal, etc., que todas as funções (…) fossem igualmente possíveis para toda a gente, nós não veríamos nenhuma necessidade de (…) fazer a luta pela independência, porque já seríamos independentes num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista de história»[iv].  (fim de transcrição)

e, igualmente, se inspirava nas conhecidas conversas e insistência de Mário Soares quanto à independência de Cabo Verde.

Acontece que entre as ilhas Atlântidas[v] ou Macaronésia, na qual nos inserimos, somos aqueles que têm o pior nível de vida. E somos também aqueles que durante estes últimos 50 anos menos se desenvolveram.

É com elas que nos comparamos – Açores, Madeira e Canárias – as da Macaronésia. É o espaço geográfico a que pertencemos e no dizer de Francisco Tenreiro [aquele em que os arquipélagos citados] apresentam “estreitas afinidades bio-geográficas”. Eles, como nós, elegem democraticamente o seu presidente, a sua assembleia (deputados), constituem os seus governos e têm os seus tribunais – administram integralmente os seus respectivos territórios. E não perderam a sua identidade! Só não têm Forças Armadas e Negócios Estrangeiros, e não têm também a mão estendida para fazer os seus orçamentos ou financiar os seus investimentos – reivindicam, não pedem! Não precisam – e não têm necessidade económica de o fazer – de visto para entrar na Europa nem nos Estados Unidos.

Não nos parece oportuno nem pertinente entrar por aí, porque teríamos talvez que falar e de nisso incluir, a ganância de poder – o poder pelo poder – como motivação principal dos jovens candidatos a governantes da luta pela independência o que iria encurtar a sua já curta visão cultural, económica e política do arquipélago; e também porque nos parece que aqui sim, adequa-se o adágio “não vale a pena chorar sobre o leite derramado”.

E voltando à nossa emigração, perguntamos o que pensam todos os nossos responsáveis políticos fazer –  Presidente da República, Governo, Assembleia e as demais organizações políticas – para travar esta compulsão da nossa juventude em deixar o país?

É sabido que em democracia o controlo de saída só pode ser regulado através de medidas de política. O tempo de «autorização de saída» – via administrativa repressiva passou porque só lá podia estar, na ditadura e repressão da 1ª república.

Só políticas sérias e realistas de desenvolvimento, – sem retóricas propagandísticas e de conservação de poder, nem debates estéreis e inconsequentes, – o que implica aproveitar com inteligência e pragmatismo todos os potenciais recursos – sobretudo os humanos – existentes, poderão salvar este surto, sustar o movimento ou mesmo – quem sabe? – reverter-lhe o sentido. O exemplo de Coreia do Sul e Taiwan costuma ser apresentado como paradigmático. Consistiu numa política de retorno da sua emigração pensante, da sua gente qualificada, dando-lhes e criando-lhes condições para desenvolverem e aplicarem nos seus países de origem todas as suas potencialidades e conhecimentos que adquiriram na emigração.

Impõe-se, pois, uma orientação estratégica para a questão migratória – normalmente associada a uma agenda demográfica – centrada na educação, formação, trabalho, fixação dos jovens, economia e, obviamente, desenvolvimento.

Mas o que na realidade também muito nos preocupa nesta saída em massa de jovens sem qualquer preparação, com uma escolaridade precária e sem estarem, na sua grande maioria, aptos a expressarem-se na nossa Língua segunda, a Língua portuguesa, é a sua impreparação para enfrentar e concorrer em Portugal a empregos com gente oriunda do Brasil, de Angola, que fala português e, consequentemente, com as desvantagens de resultados bem conhecidos. 

Os eventuais insucessos, fracassos, frustrações e desencantos com origem nesta desvantagem linguística ou outra, podem ter um forte e grave efeito boomerang e trazer para o País outros problemas bem mais graves do que os de partida.

A sociedade cabo-verdiana, os seus responsáveis, terão de prestar mais atenção a este fenómeno.

 Falamos de Cabo Verde, mas parece que o fenómeno se estende a outros PALOP e, incompreensivelmente, ao Brasil. E de tal forma neste último país que o seu presidente já veio dizer que qualquer dia haverá mais brasileiros em Portugal do que portugueses.

O problema é complexo, sabemos, e assente em causas, motivações, particularidades, circunstâncias e especificidades de cada país, não obstante permanecerem certos parâmetros, que, parece, serem comuns a todos: Falta de visão estratégica da classe política e ineficiência dos governos.

A emigração laboral não pode ser um desígnio!... É sempre um alerta!

Ondina e Armindo

[i] In “Expresso” de 20 de Novembro de 1993 pág. 45-R

[ii] Idem

[iii] Vide “Quase Memórias  Da Descolonização de Cada Território em Particular - 2º   Volume”  António Almeida Santos  Casa das Letras  2007

[iv] CABRAL, Amílcar – Guiné-Bissau: Nação Africana Forjada na Luta. Lisboa: Publicações Nova Aurora, 1974, p. 117.

[v] Ilhas Atlântidas − arquipélagos [Açores, Madeira, Selvagens e Canárias] que no Atlântico, e em frente ao «Velho Mundo» se estendem entre 15 e 400 de latitude norte – Francisco Tenreiro in Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe: esquema de uma evolução conjunta.  Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação Nº 76 - Ano VII - Janeiro de 1956

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Comentários:

Horácio Santos disse:

Quem como eu vive no estrangeiro e não ignora a realidade, não fica indiferente ao drama dos meus jovens patrícios que não vêem saída para as suas vidas. A nossa terra não conseguirá atingir o progresso que todos desejamos porque é impossível fazer das pedras pão o que só não foi visto pelos lunáticos que nos tramaram. 

Tem havido notícias de aumento da insegurança devido a assaltos às pessoas e a residências muitas vezes provocando assassínios. 

Li no Expresso que no Sal e Boavista não temos condições para garantir apoio de saúde em caso de necessidade devido ao grande volume de turistas que frequentam as ilhas. Não é possível continuar a enterrar a cabeça na areia. E é preciso que mais patrícios corajosos como a senhora doutora Ondina e o seu companheiro alertem os caboverdianos para a nossa verdadeira realidade. 

Os meus parabéns.


Mário de Sá Barbosa disse:

Acabo de ler o vosso artigo sobre a emigração de jovens, uma sangria irreparável de que Cabo Verde sofre, sem quaisquer perspectivas de estancamento ou inversão 

Cumprimento-vos pela vossa coragem ao abordarem um tema tão sensível e, sobretudo por apontarem os responsáveis por essa hemorragia. 

Sempre que me desloco em Lisboa, sobretudo quando utilizo transportes públicos, constato esta tragédia que atinge a população jovem das antigas colónias de Portugal. Virem vender a sua força de trabalho, por patacos, em tarefas que o português não está disposto a desempenhar. A Guiné tem uma imensa colónia de nacionais, sobretudo na construção civil, os homens, e nas limpezas, as mulheres. Trabalhos difíceis, mal remunerados, e precários. Parece que o círculo de pobreza, que os trouxe até cá não os deixa.

É claro que os responsáveis, quer os revolucionários de 25ª hora e a classe política actual, são incapazes de admitir o erro e, por isso, iniciarem um ciclo de aproveitamento dos poucos recursos de que Cabo Verde dispõe. 

Por agora, ainda não começaram a acontecer episódios graves de violência racista. Mas a sua ocorrência, na minha opinião, será inevitável, atendendo ao surto imigratório, não caucasiano, e à existência de uma associação nazi com uma forte representação parlamentar.

Contaram-me um episódio que terá acontecido durante a visita do Marcelo à Guiné, que reflecte o triste espectáculo que vocês descrevem passar-se à porta dos consulados de Portugal, na Praia e no Mindelo. Diz que cantavam, "No misti vistu, no misti vistu!"

Continuar a defender, volvidos mais de 50 anos, toda a teoria do Cabral sobre a luta de libertação, como se fosse um oráculo, parece-me, à luz da realidade, uma atitude que não prima pela honestidade.

Quando vieres a Portugal, espero ter oportunidade de me elucidares sobre as reacções da classe política a este vosso polémico e "incómodo" artigo.

Parabéns para a Ondina e para ti!

Abraços


Adriano Miranda Lima disse:

É irresistível não continuar a comentar.

No jornal Público (Portugal) de hoje li que “um estudo recente sobre os países do Norte de África e do Médio Oriente, citado pelo Financial Times, mostra que cerca de metade das pessoas entre os 18 e os 24 anos pretende procurar trabalho no exterior”. Depreende-se que os países africanos do Sahel só não são citados porque se pretendeu restringir o estudo aos países geograficamente mais próximos da Europa. Mas ninguém ignora que eles estão e sempre estarão na primeira linha para integrar maciçamente as ondas migratórias, fazendo-o com custos e riscos acrescidos e em condições bem mais penosas porque os seus migrantes têm de chegar ao Norte de África antes de tentarem demandar a Europa atravessando o Mediterrâneo.

Não foi objecto do artigo “A emigração laboral não pode ser um desígnio… é um alerta” abordar as causas do desequilíbrio planetário que impede os povos de viverem nos seus países com um mínimo de condições, tais como: o sub-desenvolvimento, as alterações climáticas, a incontrolável corrupção e a instabilidade política. Ainda hoje foi noticiado um golpe militar no Gabão que depôs o presidente recentemente reeleito e dissolveu todas as instituições. Independentemente das razões invocadas pelos golpistas, o facto é que a África sub-saariana parece destinada a não conseguir libertar-se dos círculos viciosos de violência e instabilidade. Muitas vezes se responsabiliza a Europa e o mundo desenvolvido por não investirem em África de forma mais decisiva, mais extensiva e mais controlada, pressupondo-o como a medida mais acertada para fixar as populações nas suas terras, travar as ondas migratórias e possivelmente prevenir uma desestabilização que poderá ter dimensão e riscos imprevisíveis e incomportáveis. Um amigo bloguista, economista reformado, publicou há tempos um texto em que demonstrava que o deserto do Saará poderá tornar-se o celeiro do mundo e resolver os problemas de África. Apontou soluções técnicas, como a irrigação maciça através de água dessalinizada e transporte de terra arável a uma escala gigantesca, tudo financiado pela UE e outras potências. Acredita que a progressão do desenvolvimento agrícola iria inclusivamente alterar com o tempo as condições climáticas em toda a região. Seria uma reversão ambiental sem precedentes. Esse amigo português é um sonhador, um ser bom e um coração de ouro, e ao mesmo tempo um homem de ciência com uma visão pragmática do mundo. Mesmo que cientificamente viável, essa solução iria certamente levar muitas décadas a dar frutos, e isto desde que não fosse obstaculizada pelos problemas graves e endémicos de África, como a corrupção e a instabilidade política.

Posto isto, volto ao nosso caso concreto, o dos nossos jovens que “querem partir e têm que ficar”. No comentário anterior, ficou claro que em 1974 estivemos numa encruzilhada crítica e escolheu-se o caminho: um grupo supostamente iluminado ou presciente o fez em nome do povo. Honra-nos a circunstância de não sermos parcela dessa África politicamente atrasada ou imatura, mas infelizmente confrange reconhecer que para os nossos jovens os horizontes se apresentam quase tão limitados como o de outros países que até terão melhores condições económicas, como os magrebinos. E, no entanto, outra tivesse sido a escolha estaríamos naturalmente integrados no espaço político e económico que é avidamente procurado pelos migrantes de regiões desfavorecidas. Os nossos jovens poderiam demandar a Madeira, as Canárias, os Açores e, principalmente, Portugal continental, para procurar trabalho, de onde poderiam rumar livremente aos países do espaço Schengen. Não somos etnicamente europeus? Também não o são as populações das regiões administrativas francesas: Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa, Maurícia e Reunião. Ou dos diversos territórios britânicos ultramarinos que preferiram abdicar de uma ilusória independência, como: Anguilla, Acrotíri e Decelia, Bermudas, Malvinas, Gibraltar, Ilhas Caymans, Ilhas Virgens Britânicas, Montserrat, Pitcairn, Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, etc. Isto para não falar dos que estão sob a tutela dessa Holanda que no passado acolheu a nossa gente: Aruba, Curaçau, São Martinho e Países Baixos Caribenhos.
Mas, orgulhosamente, ou talvez crentes numa qualquer predestinação, preferimos ficar “sozim na munde”, sem medir as consequências, sobretudo as futuras.

Alguns poderão observar que caso estivéssemos na mesma condição político-administrativa das restantes ilhas da Macaronésia, isto é, com possibilidade de transitar livremente pelo espaço comunitário, poderiam as nossas ilhas ficar esvaziadas de gente. Talvez não, porque haveria certamente outras condições de vida e, por conseguinte, mais trabalho. Alguém sai da sua terra de ânimo leve, mormente da nossa, que apesar de tudo tem “tcheu cosa sabe”?

Para terminar, porque voltei a ser prolixo, comento estas palavras do artigo do blogue: “Sobre este assunto, ouvimos de um alto responsável do País que a emigração é boa e importante porque corresponderá a uma maior remessa de divisas”. Os autores analisaram muito bem estas palavras, que considero lamentáveis, duvidando que pudessem ser proferidas por um governante mais sagaz ou atento. Pois, são assassinas, porque denunciam a pouca crença do governante no futuro do seu país, o que afinal só confirma as considerações por nós aqui feitas. Jamais e em tempo algum remessas de divisas podem substituir ou compensar a fuga da inteligência e da força produtiva de um país, a menos que este se conforme com a precariedade do seu destino. Pensar desse modo é admitir que uma vantagem imediata é suficiente para adiar ou iludir o futuro.

Um abraço amigo para os autores.

Adriano Lima


Desconhecido disse:

Este artigo devia ser publicado num jornal de grande tiragem para poder ter a difusão que a sua importância justifica. A maioria dos caboverdeanos talvez tenha a mesma opinião de concordância que eu e outros têm mas estou convencida que haverá muitos hipócritas a fazer de conta que está tudo bem.
São aqueles que têm as suas vidas bem orientadas nos grandes tachos do estado ou nos negócios e não se importam se chove ou não, se há trabalho ou não para a população juvenil ou se há ou não pão para todas as bocas. Ia dizer cachupa mas ela hoje é muito cara. E estou a pensar principalmente naqueles que foram os responsáveis originários para a situação de bloqueio em que estamos e que vivem com chorudas reformas. Dói olhar para a realidade e não se pode assobiar para o lado.


            Adriano Miranda Lima disse:

Só quem queira tapar o sol com a peneira deixará de subscrever integralmente este texto de reflexão sobre a nossa realidade política e social. Os seus autores retratam-na rigorosamente como ela é, focando e analisando aquilo que é uma perfeita evidência da pouca esperança que a população mais jovem deposita no futuro da sua/nossa terra.

Os autores recusam, melhor dizendo, denunciam, os disfarces ou mistificações em que outrora incorreram os que forçaram a independência das nossas ilhas e se assenhorearam exclusivamente do poder de decisão sobre o seu destino, na presunção de detentores de uma legitimidade inquestionável e outorgada pela vontade popular. Por um misto de entusiasmo revolucionário, de inexperiência e falta de ciência e de recusa em ver o óbvio não tiveram plena consciência da gravidade do compromisso que então assumiram. Não se aperceberam de que forçaram o povo das ilhas a embarcar numa carroça cujas rodas iriam futuramente e fatalmente revelar-se quadradas. Se nos tempos que imediatamente se seguiram ela andou empurrada pela comunidade internacional e também mercê de um evolucionismo natural, era inevitável que chegaria o tempo em que a verdade se apresentaria em toda a sua crueza: as nossas ilhas são pobres, são desprovidas de recursos naturais e o contexto geográfico não as privilegia. A sua posição geoestratégica deixou de ter a mesma importância de outrora, e mesmo ela dificilmente poderia constituir factor determinante para uma decisão crítica, como de facto não aconteceu. Esta é a realidade, mas apesar de tudo tem de se reconhecer aos que tomaram o poder um certo espírito de missão e coragem em enfrentar as adversidades.
Nunca esquecerei estas palavras de um meu superior hierárquico (português da metrópole), em finais de Abril de 1974, que em idade mais jovem prestou serviço em S. Vicente, conhecendo bem a nossa realidade social: “Lima, Cabo Verde tem mesmo necessidade se se tornar independente agora que vamos ter um Portugal livre e democrático?” Isto foi-me perguntado depois de ouvirmos uma declaração de Pedro Pires acerca da independência da Guiné… e necessariamente de Cabo Verde. Respondi-lhe que ignorava de todo o que iria ou poderia acontecer, mas que duvidava que os meus conterrâneos tivessem qualquer interesse ou vantagem na independência. Ademais, não me parecia crível que Portugal pudesse prescindir das suas próprias e inequívocas responsabilidades relativamente a ilhas que descobriu e povoou, e bem ou mal administrou ao longo de 5 séculos, tempo longo demais para ser ignorado e rompido em breves momentos de exaltação emocional.

Derivando agora para a questão da língua que os prezados autores consideram ser uma desvantagem para os nossos jovens que anseiam competir no mercado de trabalho em Portugal. De facto, é uma desvantagem iniludível, mais do que poderá parecer. E vou mais longe. É sermos falantes de um crioulo próprio que em parte nos cria a ilusão de uma identidade distinta que por sua vez alimenta um exagerado sentimento de auto-estima. Não terá esta circunstância pesado sobremaneira na presunção de que uma singularidade cultural bastava para justificar e impor a independência política, independentemente de esta ser ou não economicamente sustentável? Mas, ao mesmo tempo, cabe perguntar se essa singularidade cultural não é produto de um excesso de auréola, a ponto de os promotores da independência terem enveredado por uma política em matéria linguística com os resultados desastrosos que hoje estão bem à vista e tanto limitam as possibilidades da nossa gente quer no ensino quer no mercado de trabalho.
E é assim que ironicamente caímos no estranho paradoxo de termos irresponsavelmente enjeitado o antigo país administrante das ilhas – sem dúvida facilitando-lhe a vida na medida em que se livrou dos encargos e responsabilidades a que a história e o direito o obrigavam – e agora darmos um cavaquinho para que ele abra as portas e ofereça trabalho aos jovens que nas nossas ilhas vêem o futuro trancado.

Insisto em ver no crioulo (que eu ainda consigo falar com a maior desenvoltura, porque jamais se esquece da língua aprendida no berço) um enorme e verdadeiro estorvo para a nossa gente. E até mesmo no mercado da música em Portugal. Ligo o rádio do meu automóvel e ouço música angolana com grande frequência, e só muito raramente a nossa música. Actualmente, dois jovens oriundos de S. Tomé, pertencentes ao grupo “Calema” estão a ter um grande sucesso em Portugal. Na última festa dos Tabuleiros em Tomar foram um dos grupos convidados para animar o público num espaço público. Foram muito aplaudidos porque na verdade são talentosos. Ora, os nossos cantores não são menos talentosos. Só que os angolanos, são-tomenses e outros cantam em português e o conteúdo das letras é percebido por todos, portugueses, brasileiros, angolanos e os outros falantes da mesma língua. Ao passo que as nossas intervenções vocalistas têm o handicap de só serem percebidos por cabo-verdianos. Aliás, é esta limitação natural que inibe ou não encoraja os escritores cabo-verdianos a publicar obras em crioulo. Se nas nossas ilhas ainda assim poderiam encontrar algum ocasional ou raro comprador, o mesmo não se dirá no vasto mercado dos PALOP.

Bem, gostaria de partilhar o optimismo – é bom que o não deixemos morrer – dos dois prezados e amigos autores. Bom seria que conseguíssemos replicar o exemplo paradigmático da Coreia do Sul e de Taiwan. Mas creio que são distintos os contextos históricos e os marcos temporais que permitiram o desenvolvimento explosivo desses países e o que determina a actualidade da nossa terra. No início da década de 1950 fizeram escolhas decisivas nos planos sociais e económicos que encorajaram os EUA a prestar-lhes importantes apoios financeiros. Por outro lado, é possível que a localização geográfica e a questão cultural e a da idiossincrasia, muito diferentes, não permitam reeditar experiências semelhantes com o mesmo sucesso. Dificilmente estou a ver a nossa gente “diasporizada” a regressar à origem para pôr o seu saber e a sua ciência ao serviço da terra natal, tantos anos se passaram e tão adaptados estão a realidades sociais diferentes. Também não estou a ver os governantes e políticos cabo-verdianos a abrir mão de oportunidades que julgam irrepartíveis. Tive conhecimento de 3 casos de pessoas que ofereceram ajuda e nem resposta tiveram, o que acho simplesmente deplorável. Assim, é possível que haja requisitos de mentalidade que também não nos favorecem. No entanto, para não ser excessivamente pessimista, julgo que é de enaltecer o facto de Cabo Verde ser o único país das antigas colónias em que a democracia formal funciona sem peias e os direitos humanos são respeitados, embora não seja confortável conceber uma plenitude de direitos humanos sem a satisfação de necessidades básicas para a maioria das populações.
Para finalizar, porque já fui longe demais, intriga-me que os responsáveis por esta nossa precária independência pouco ou nada dêem a cara, refugiando-se num silêncio que talvez só se explique por um certo constrangimento moral. É que praticamente foram os únicos que em termos pessoais verdadeiramente beneficiaram com a independência. Pelo que acompanho desde há anos na imprensa, não se vê um artigo de opinião ou intervenção pública em que partilhem das preocupações gerais ou sugiram soluções para desbloquear esta “carroça de rodas quadradas” em que meteram o nosso povo. Ainda não há muito tempo, alguns conterrâneos, residentes e na diáspora, muito opinaram acerca de uma reforma administrativa e política que conduzisse a um modelo de regionalização ou descentralização do poder favorecendo o relançamento da economia e o desenvolvimento mais harmónico das ilhas. Não me recordo de uma única intervenção dos “heróis da pátria” que ainda sobrevivem.

É lastimável que sejamos o único arquipélago da Macaronésia obrigado a arcar com todos os encargos da sua sobrevivência económica, para isso tendo de estender a mão ao mundo, quando poderia simplesmente ser parte de um todo mais extenso e receber o que é de direito.

Mas dar a volta a esta situação poderá estar na mão das gerações mais novas ou futuras.

Um abraço amigo aos autores Ondina e Armindo Ferreira.