VISITA À CHÃ DAS CALDEIRAS

quinta-feira, 28 de maio de 2015

 
 
Gilda Barbosa
 
 
Ontem, dia 18 de Maio, a Monique e eu fomos à Achada Grande e Achada Furna com o carro Geo. Lá esperamos um carro de alguém da Chã que nos devia levar da Achada Furna à Chã.

Depois de um atraso de duas horas, partimos por volta do meio dia e tal. Até à entrada da Chã, a estrada é boa mas bastante longa e com as curvas e contra-curvas que exigem toda a atenção do condutor.

A estrada improvisada junto à serra, passando pela Covatina é longa e depois de alguns metros, é péssima, foi a última que abriram cortando os montes junto ao sopé da serra. O amigo condutor, Adriano Montrond, conhecedor de tudo, ia mostrando e explicando, caso contrário eu estaria completamente perdida, vendo à minha frente o mar imenso de lavas de 2014 e 1995. Um misto de tristeza e admiração do belo horrível preenchia a minha alma. Já não olhava para o relógio e ia só bebendo das duas garrafinhas de água que tinha levado. Foi sempre em casa dos pais do Adriano que ficavamos, dormiamos e comiamos quando iamos em trabalho da Caritas. Uma família numerosa, tendo o pai, senhor Socorro Montrond, morrido há menos de um ano.

Compreendi as lágrimas e a voz diferente do Adriano, que nos disse que sempre que lá vai não contém as lágrimas. Somos seres humanos de carne e osso e não nos confundimos com as lavas que enchem a Caldeira.

Logo no início fomos vendo, parando e conversando com os valentes habitantes que, perante a incompetência e inércia das autoridades, tentam fazer um funco para poderem dormir e parar lá onde ainda alguns têm parte das suas terras, tem a sua Chã e os ares a que sempre se habituaram. Aproxima-se o tempo da vindima e das chuvas que todos esperam que venha em abundância. Não é possível fazer o percurso de ida e vinda da Achada Furna e, ainda menos do Monte Grande, para irem trabalhar o pouco dos seus campos não engolidos pelas lavas e tentarem recuperar alguns bocados que ainda não tinham cultivado. Têm de ter uma base com o mínimo de condiçõs para a labuta que vai desde muito cedo até à noite.

Mesmo no carro são horas, da Achada Furna até a Portela. E porque não melhoram essa estrada assim como a estrada da «coragem», que está prestes a apanhar a que va para o Monte Velha. Falam muito em turismo e que vai ainda aumentar depois da erupção. Enganam-se redondamente se não houver melhorias nas ligações aéreas e na estrada que vai da entrada da Chã até o Monte Velha. Esperemos que seja desta vez que se faz uma outra saída da Chã do lado Norte.

As casas definitivas têm de ser feitas fora da Caldeira mas os «funcos» melhorados é na Chã e não é possível falar em aldeamentos que evitem as «construções» selvagens, como ouvi de alguém com responsabilidade. Procuram o pequeno espaço no terreno que ainda têm ou tirando as lavas com picaretas e enchadas para terem um espaço. Aliás, as escolhas pareceram-me inteligentes no panorama actual da Chã.

No fim vão algumas fotos para ilucidar.

Lutam só com as forças próprias e dos colegas de lá. Se um ou outro já conseguiu o seu «funco», a maior parte vai lentamente ou espera um pequeno apoio para comprar cimento e/ou blocos, enquanto improvisam os abrigos de fraca qualidade. Mas... onde está a grande quantidade de ajuda em material que enviou Angola? O que pensam Os DONOS que não aceitam sugestões de outros e continuam as suas viagens ao Fogo, a lançar primeiras pedras por todo o lado (não é preciso por que há muitas na Chã), a fazer discursos e mais discursos, a constituir gabinetes, comissões e não sei que mais asneiradas, esbanjando dinheiro e ...tudo na mesma.

Caramba, já lá vão três meses que terminou a erupção e toda ESSA ILUSTRE GENTE CONTINUA NA MESMA! Não há uma cabeça que destranque as voltas?

Não têm o mínimo de consideração pela gente da Chã que, como dizem, « não são considerados cidadãos deste País».

Na semana passada, ouvi o noticiário de nova vinda turística, sempre os mesmos, para lançamento de pedra (cuidado para não atingirem as pessoas!!!!), discursos, televisão, rádio, não sei se também houve foguetes, que se tornaram o pão nosso de cada dia nesta cidade.

Fomos uma semana depois, esperando encontrar grande azáfama de trabalho das casas na Achada Grande, Achada Furna e Adegas da Chã. Ilusão das ilusões! Encontramos as mesmas casas, gente sem saber afinal o que pensam os SENHORES, conformados com a sua sorte e confiantes nas suas próprias forças e visitas de verdadeiros amigos, sem barulho, apenas com a mesma amizade, encorajando e fazendo o que podem, sem serem mandatários de quem quer que seja.

Continuo escrevendo, mesmo cansada, assumindo o que digo, com a minha assinatura, livre e independente de todos.

Onde está o Relatório de toda a ajuda que receberam?  Não me interessa se estão no Tesouro, na Cruz Vermelha, na Comissão já não sei de quê, na Cáritas ou não sei que mais. Onde estão os Relatórios TRIMESTRAIS prometidos pelo Senhor Primeiro Ministro?

Dsembuchem e ponham tudo a a claro, se não querem que em todos nós reine a desconfiança, a começar pela minha insignificante pessoa mas sempre CIDADÃ E PESSOA.

Sei que o Senhor Presidente da República visitou tudo mas ele não é Governo, só pode exercer a sua magistratura de influência, sem saber o efeito que pode ter. Foram também os nossos amigos da Chã que nos disseram isso.

E onde está a CARITAS DIOCESANA? Está a seguir o mesmo caminho de todos? O que espera? Tem medo das autoridades? Num caso destes não interessa atirar as culpas para as Comissões Paroquiais que não estão bem organizadas e vão fazendo o que podem com o pouco que enviaram da Praia para darem umas coisas verdes nos acampamentos ainda existente, não aos que labutam na Chã. CARITAS, MECHAM-SE, NÃO SIGAM O EXEMPLO DE VISITAS TURÍSTICAS DE UMA SEMANA SÓ PARA VEREM!!!!!

Aliás pouca gente soube disso e ficaram no cerco fechado, não nas periferias. Leiam o que diz o nosso PAPA FRANCISCO e ponham em prática.

Há muito que deixei de trabalhar na Cáritas, Dezembro de 1995, nada sei do que fazem mas como Católica e pertencente a esta Diocese, não posso falar só dos outros!

A Monique e eu temos já uma linha traçada, por enquanto só com os que estão na Chã. Para os outros não é fácil e limitamo-nos a dar força e visitar, eu, quando puder.

A linha só vai ser publicada para os amigos.

Leia quem quiser critiquem que vai tudo «AO SABOR DOS VENTOS».

Obrigada.

 

Gilda Barbosa

 

Quando a parentalidade é mais do que irresponsável...

sexta-feira, 22 de maio de 2015

 

Por se tratar de um assunto da maior importância para a sociedade cabo-verdiana ou dela merecedora de uma prioridade alta, em termos de atendimento e de procura de soluções para a  sua erradicação, volto a aflorá-lo neste espaço.

Na minha opinião, este problema já ganhou contornos, entre nós, para ser considerado anti-social, anormal e com configuração, em muitos aspectos, de criminoso!

O drama está localizado. Encontra-se nos dias de hoje mais generalizado, na faixa populacional mais carente em escolarização/educação, oriunda ela própria de estrutura familiar disfuncional, monoparental e, regra geral, de menos rendimento económico. Como se de um círculo vicioso se tratasse. Numa palavra e resumindo: na camada social mais pobre e menos escolarizada, de Cabo Verde. 

Urge extirpar do nosso meio este autêntico “cancro” social que afecta larga faixa da população. É grande o mal que faz e vem fazendo às crianças trazidas ao mundo, nestas condições. Note-se que se trata da  faixa da população que, regra geral, tem mais filhos.

A este propósito tomei a liberdade - com a devida vénia à autora do texto e ao Jornal «Expresso das Ilhas» - de transcrever a reportagem que achei ilustrativa:

“Paternidade - Pensão de alimentos: um cheque a zeros

            Escrito por  Sara Almeida, Expresso das Ilhas

            - Edição 703 de 20 de Maio de 2015 -

Progenitores que se escusam a apoiar financeira e afectivamente os filhos são comuns em Cabo Verde. Mas se do ponto de vista do afecto - e embora esta seja a vertente fulcral - não há mecanismos legais que obriguem a esse apoio, o mesmo não se passa quando o assunto é dinheiro. A pensão de alimentos é um direito legal da criança. Um direito desrespeitado diariamente, sendo que as causas dessa transgressão são muitas. Vão da má-fé do pai (ou da mãe), ao orgulho da mãe (ou do pai), passando por problemas actuais mais alargados como a má conjuntura económica. No olho do furação, há parte de uma geração à deriva, com o futuro comprometido.

 F. é vendedeira e a flor da idade já passou, mas não levou com ela a sua garra. Trabalha de sol a sol, para garantir o único sustento de uma casa de seis: ela e mais cinco filhos, quatro dos quais menores. Dos três progenitores da sua prole, nada recebe. Um deles (e apenas um) durante os primeiros tempos pós-separação, quando tinha dinheiro ainda dava algum. Depois, quando ela engravidou de outro homem, deixou de o fazer. Mas, orgulhosa, F. garante que não precisa. Graças ao seu trabalho, em sua casa, ninguém passa fome.

“Deus me dê saúde, que o resto faço eu. Nunca precisei de ninguém”, diz de rosto alteado. Cinco filhos, três pais, nenhuma ajuda.

A realidade de F. e filhos é semelhante à de várias famílias. Em termos de percentagem de pais que não contribuem para o sustento dos filhos, não encontramos dados concretos. Mas o Censo 2010 apontava que mais de metade das crianças vive sem o pai (53,3%). E conhecendo um pouco da realidade cabo-verdiana, é fácil presumir que que uma elevada percentagem também não terá nenhum apoio, sequer financeiro, por parte do progenitor.

Basta ir a uma escola para perceber a dimensão deste problema. Na Escola Secundária Pedro Gomes (Praia), por exemplo, estudam cerca de 1600 alunos e “o grosso dos alunos não tem apoio dos pais. Podemos constatar isso no acto da estipulação das propinas”, observa Sandra Querido, Responsável pelos Assuntos Sociais e Comunitários da Pedro Gomes.

Quando são analisados os documentos, verifica-se pois que não têm esse apoio e mais: “muitos nem sabem onde o pai anda, o que faz, se trabalha ou não”.

 Quando C. engravidou, o pai do seu filho disse que o não era. Tinha sido o seu primeiro amor, e único homem até então. Ficou tão magoada que, mesmo quando o ex-namorado se arrependeu da sua atitude  - e cedeu em perfilhar o filho – nunca pediu pensão alguma. Diz que com o que ganha como empregada doméstica (12 contos brutos) e com a ajuda que recebe da família- principalmente da mãe emigrada, não precisa. Recusa-se mesmo.

Há muitas mulheres que, embora precisem, por orgulho, nada exigem. Nem todos são como  C., que recusa, simplesmente não o pedem.

Também aos serviços de acção social da Pedro Gomes chegam mães a garantir que o pai não contribui com nada. E orgulhosamente respondem: “não vou correr atrás”.

Há o orgulho das mães, mas de facto elas não deveriam ter de “correr atrás” daquilo a que os seus filhos têm direito.

Mentalidades que é preciso mudar são, na realidade, o pior problema aqui. Ciúmes, rancor, e uma gama de sentimentos negativos semelhantes, sobrepõe-se ao amor ao filho. Ensombra-o. Da parte dos pais há, por exemplo, a ideia de que se pagar a alimentação do filho, a mãe, com a qual já não tem nenhum relacionamento, também vai comer. Com esse dinheiro vai ainda alimentar filhos de outros homens, caso ela os tenha. E é pior ainda quando ela já arranjou outro companheiro. Aí, ele estará a pagar para o outro homem também comer.

“Há essa mentalidade”, reconhece o magistrado Pedro Borges. Na curadoria de menores da Comarca da Praia, onde desempenhou funções de 2011 até ao fim do passado mês de Abril, ouviu várias afirmações dessas. “Mas depois de se analisar acaba por se chegar à conclusão de que isso não corresponde à verdade. Hoje temos um nível de vida que é extremamente caro. Aqui, com 1500 ou 5000 escudos ninguém consegue alimentar uma criança por mês, quanto mais alimentar outro homem,” aponta.

Depois, há outros entraves, completamente diferentes. Casos de pais, que apesar do seu amor pelos filhos vêem-se sem nada para lhes oferecer. Então, “não visitam os filhos porque não tem nada para dar. Ficam com vergonha”, conta o ex-curador de menores.

Temos falado essencialmente de mães. Isto porque o mais comum é que sejam elas a “ficar” com os filhos após separação, mas também há casos em que os filhos moram com os pais.

São mais raros mas há. Na Escola Pedro Gomes, em cerca de 1600 alunos, menos de 20 vivem só com o pai – todos os outros vivem com a mãe ou com os avós. E, da experiência desta professora, nesses casos, nenhuma mãe contribui. Além disso, por norma são casos que por detrás trazem problemas mais complexos do que a separação dos pais: conflitos da criança com a mãe, problemas da mãe, problemas comportamentais da criança.

“Há sempre um problema por detrás que leva a criança a ficar com o pai, pelo menos aqui no nosso meio”, reitera a professora.

Seja como for, o pai, quando tem a guarda do filho, tem também direito a receber a mesma pensão. O que acontece é que, por orgulho – e talvez devido aos estereótipos de masculinidade – o homem nunca exige à mãe que preste alimento. Não quer.

No meio disto tudo, esquece-se o fundamental. A pensão de alimentos é um direito da criança, um “direito fundamental e não está na disponibilidade da mãe ou do pai negar essa pensão”, relembra Pedro Borges.

 O panorama, em termos de pagamento da pensão de alimentos não é bom, reconhece o magistrado. Mas, embora haja pais que de facto, simplesmente, não querem pagar, muitas vezes não é essa a situação. O ex-curador acredita, aliás, que a maior parte dos pais assume ou quer assumir as suas responsabilidades com os filhos.

“É a conjuntura economia actual que muitas vezes obriga a que os pais não cumpram as suas obrigações. Porque, querendo ou não, tem afectado grandemente a situação dos pais em Cabo Verde”, analisa.

O desemprego tem vindo a subir, galopante. Áreas como a da construção civil viram os seus “postos de trabalho reduzidos consideravelmente”. Sem trabalho, não há salário, e sem salário não há dinheiro. As pensões ficam por pagar.

“ E a situação é para piorar. Várias vezes eu recebi mães, famílias, que não têm como suportar os filhos” e chegam ao desespero de pedir para que estas sejam entregues ao Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA).

Porém “institucionalizar crianças por causa de alimentos também não é solução”, observa.

Os problemas da economia também se reflectem na escola. Na Pedro Gomes, as propinas variam entre os cerca de 1200 escudos anuais e 18 mil escudos, dependendo do ciclo frequentado e dos rendimentos dos pais.

Quando não há declarações de rendimentos de uma das partes (e como referido, muitas vezes falta a do pai) é difícil estipular a propina. É ainda difícil saber se há uma tentativa de driblar o sistema, para não pagar ou não.

Mas esta escola conhece relativamente bem a realidade dos seus alunos. Esforça-se por isso, nomeadamente através das visitas ao domicílio. E nota um descarrilamento das condições económicas, que tem reflexo inclusive nas receitas da escola.

 “Pelo menos na nossa escola, a nível de emprego, cada vez é pior. Há pessoas que num ano apresentam o rendimento, mas este ano nem trabalho têm. A situação está mesmo má”, conta Sandra Querido.

A justiça, de olhos vendados, fica também de mãos atadas. Os pais deixam de pagar e as mães dirigem-se à curadoria de menores (ou procuradoria no caso de outras comarcas que não a da Praia). O pai declara: “estou desempregado, não tenho rendimentos”. O que fazer?

Toda esta situação desemboca, porém, em injustiça. Isto porque, se ao pais sem trabalho já não pode ser exigido apoio monetário, a mãe, também sem rendimentos, é obrigada a desenrascar-se para arranjar o pão dos filhos.

“As mães têm sido muito sofredoras, nessa parte”, lamenta Pedro Borges. “É extremamente difícil, e nós sentimos isso”.

 Na realidade, Cabo Verde sempre foi país de pais ausentes. Mas as mudanças em todo o tecido social criaram uma estrutura (ou falta dela) que não suporta esta ausência. Pedro Borges aponta, como um dos factores principais desta mudança, o êxodo rural. Nas cidades, os modos de subsistência são outros, e já não há um familiar por perto para olhar pela criança, quando a mãe está a trabalhar.

“E as crianças ficam desprotegidas”.

A mãe vai à luta. Faz-se à vida. Sai de manhã cedo de casa e chega à noite. Cansada, sem capacidade de diálogo ou de preocupação efectiva sobre a educação. Nada sabe do que os filhos fizeram na sua ausência. E essa ausência, considera o ex- curador de menores Pedro Borges, está intimamente ligada ao aumento da criminalidade juvenil.

Com mais rendimento – como o proporcionado pela pensão - eventualmente menos horas de trabalho seriam necessárias. Mais apoio poderia ser dado ou (pior mas válido) terceirizado em locais que não a escola.

Embora a parte económica seja importante, na realidade nem sequer parece ser a mais importante. A ausência da figura paterna a outros níveis é-o mais, concordam os entrevistados.

“A maior parte das crianças sente muito a falta do pai”, daquilo que “o dinheiro não compra”, considera Sandra Querido. Na educação dos filhos, então, é assombrosa essa falta de interesse paternal.

E, no geral, a ausência da figura paterna, na vida das crianças, tem reflexo no aproveitamento escolar. “Fizemos uma pesquisa dos alunos que têm um comportamento não  adequado e vimos que a  maioria não vive com o pai, vive só com a mãe”, que trabalha e passa o dia fora, aponta a professora.

“Alguns mostram essa falta que sentem, da forma mais errada que é com a indisciplina. E quando entram no caminho da indisciplina não têm aproveitamento escolar e acabam por engrossar a lista daqueles que depois abandonam a escola”, observa.

Abandonam os estudos. E depois? Alguns vão trabalhar. A nível de trabalho infantil, ainda segundo dados do Censo 2010, cerca de 63% dos menores que trabalham vivem sem o pai – a maioria portanto. Outros entram na delinquência e criminalidade.

E tudo “isto vai afectar as crianças no futuro”.  Sem estudos, sem orientação, futuro comprometido.

Mesmo os que continuam os estudos secundários têm depois mais dificuldades em prosseguir no ensino superior. Com sorte e alguma ajuda (a Pedro Gomes, por exemplo, já “tem estado a trabalhar no sentido de arranjar bolsas para os que têm boas notas”) talvez consigam. Mas geralmente têm de trabalhar. Muitos acabam por desistir.” Fim da transcrição.

 

 
Nota Final:

Repare bem, caro leitor, o que dizem as estatísticas (dados do Censo de 2010) sobre a composição da famiília cabo-verdiana. Mais de 53% (parece-me que a percentagem, infelizmente, é bem mais alta) das crianças, vivem sem a presença do pai em casa. Não conhecem, ou desconhecem por completo, esta figura tutelar tão importante e estruturadora em todos os níveis da socialização afectiva, educativa e organizadora da vida dela! No fundo, são etapas de vida completas e irreversivelmente queimadas! O pai “passa-lhe ao lado,” literalmente falando. Sem dela querer saber.

A mãe só, e portadora de muitos filhos, quase sempre de vários  progenitores. Outro drama que deve ser acautelado, prevenido e despistado na educação dos adolescentes e  dos jovens.

Resultado: crianças quase entregues a si próprias, ao “Deus dará” e que facilmente resvalam para a marginalidade, para a delinquência e para a criminalidade.

Torna-se premente encarar com muita seriedade o planeamento familiar e não permitir que seja “letra morta” entre nós.

Enfim, com tudo isto em presença, questiona-se: Que esperar do futuro de um país que apresenta esta (des)configuração familiar? Disfuncional, monoparental e desprovida de educação!... Que cidadania, quando numa parte significativa da população, a noção e a vivência de família nuclear se eclipsa, se apaga, não existe? Quando não se cuida da infância totalmente desvalida?

Enquanto esta vergonha social continuar a ensombrar a organização familiar e social destas ilhas, escusemo-nos de vãs glórias, de proclamar aos quatro ventos que estamos desenvolvidos, civilizados e quejandos... Não, assim não os seremos jamais! E não os seremos enquanto não se pegar na problemática da família e levá-la a sério. Colham-se, estudem-se e adaptem-se os bons exemplos de países que debelaram esta tragédia!

Desde há muito que se vem pedindo isso!

As ilhas Maurícias, para exemplo, e se não estou em erro, tratou este problema com alguma eficácia notável.

Já houve muitas oportunidades perdidas para nós. O que é lamentável. Mas nunca será demasiado tarde, para se procurarem e se tratarem as causas que neste particular, tão  gravemente afectam e interpelam a sociedade cabo-verdiana.

A UNICEF bem que podia assentar “arraiais” aqui. Eu sei e comprendo que considere o país  pequeno demais para nele criar um observatório, ou algo similar, e monotorizar expressamente este enorme drama, por que passa Cabo Verde. Mas o facto é que Cabo Verde precisa, necessita com muita urgência, de uma atenção muito grande, mas mesmo muito grande, por parte de organismos que cuidam da causa da Criança e da Família.

TEMPO DAS FRAMBOESAS

terça-feira, 19 de maio de 2015

 

 

 

Por este tempo de Maio, o da frutificação das framboesas, é quando mais me apercebo da existência de um pequeno “nicho ecológico” nas traseiras do meu prédio. É um vasto quintal anexado a uma antiga casa térrea, complexo que foi posto à venda mas ainda resistindo heroicamente à padronização do betão.

Esse quintal é um recanto onde os melros predominam entre outros seres alados que ali habitam. Da sua baixa vedação pendem  ramificações de framboesas silvestres, que se carregam de frutos maduros por alturas de Maio e Junho. Coisa rara nestes tempos, um repouso restaurador dos olhos e da mente ao fim de um dia de canseira ou de ócio inexplicavelmente desgastante.

 

O dono era um velhote de cabelo branco como a neve, que tinha nesse espaço um universo concentracionário, onde fazia a contabilidade diária das suas predilecções, dos seus devaneios e dos seus sonhos antigos. Chamava-se Pina, mas pouco ou nada eu conhecia da sua vida pessoal, senão o reflexo nos seus olhos das cores alegres da primavera. A idade já avançada não o tolhia de modo algum, cavava, semeava, regava, podava, quando não ficava horas seguidas a olhar, embevecido, para os pássaros, os seus e outros que ali pousam e trazem alvíssaras de outras terras. Apercebi-me de que esses animais não se intimidavam com aquela presença humana, antes pelo contrário pareciam cada vez mais atraídos para o lugar, certamente descobrindo encantamentos que escapam aos nossos sentidos. Os melros passaram a ser tantos que uma verdadeira orquestra ali se instalou com todos os aparatos, dando um espectáculo de sonho todas as primaveras.

 

Estacionava o meu carro ali perto, e sempre que calhava trocava com o senhor Pina  dois dedos de conversa de circunstância. Ninguém lhe dava a idade que tinha, tal a agilidade com que subia às árvores ou manejava a ferramenta agrícola. Mas ele tanto se punha em trajos de circunstância para aquele lugar de reencontro consigo próprio como se aperaltava com requintes mais burgueses para os seus momentos de vida social. Mas um dia verifiquei que o senhor Pina pareceu não me reconhecer quando lhe falei. Porém, os dias continuaram a fluir naquela rotina do homem feliz no seu recolhimento ecológico. Noutra ocasião, voltou a ter para comigo mais um procedimento incoerente, mostrando-se alheio ao fiozinho pessoal que eu também queria tecer naquele lugar com o meu espanto de citadino e o meu preito ao homem e à natureza. Depois desapareceu e não mais o voltei a ver.

 

Viria então a saber que lhe fora diagnosticada doença de Alzheimer e por isso internado num lar. Compreendi a razão por que me parecera que um qualquer invisível interruptor cortara a luz humana que iluminava aquele lugar. Não durou muito o seu internamento, pois a morte abreviou a injusta escuridão sentenciada a quem tanto amara a luz, a terra e os pássaros. Depois li num dos jornais da cidade, não me lembro já qual, um poema em que uma neta recordava e homenageava a natureza solar do avô, a sua simplicidade, a sua bondade e a sua ternura para com todos os seres do planeta. Nessa altura, conhecendo eu a razão e o sentido dos versos, perguntei-me se uma das nossas grandes angústias não é uma fugaz ilusão da intemporalidade em que a ambivalência das nossas sensações nos faz cair.

 

Para os melros não deve existir o princípio e o fim das coisas, assistem impávidos à contagem das nascentes e poentes que se sucedem. Continuam a embevecer-nos todos os anos com o seu canto pletórico, num palco já não enfeitado à maneira do senhor Pina, mas entregue à entropia a que pertencem os bichos e as plantas. Não posso dizer ao certo, mas é possível que eles sintam a falta do olhar manso e apaziguador daquele ser que se comportava com a mesma solícita naturalidade das oliveiras em que pousavam o seu cansaço. E vem a propósito recordar as seguintes palavras de Proust: “Quando mais nada subsistisse de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, – o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício da recordação”.

 

Quanto às framboesas, todos os anos, na época própria, elas pendem, sobranceiras e carregadas de viço, sobre a vedação que envolve o nicho. Antigamente, a minha mulher colhia uma mancheia delas quando ali passava entre o estacionamento do carro e a casa. Apenas para sentir  o afago da sua macieza e o deslumbre do seu vermelho cativante. Mas isso tinha mais gosto quando o senhor Pina reinava no lugar.

 

Ele hoje já não faz parte do nicho, mas é possível que lá esteja, pois a sua presença ou ausência na memória do lugar escapam à cartografia do simples olhar humano. Pertencem à dimensão incapturável do inconsciente, ali onde tudo é transferível  para a poesia.

 

 

Tomar,  Maio de 2015

 

Adriano Miranda Lima

 

 

A "Ideologia" e a leitura poética...

domingo, 17 de maio de 2015
Ora aí está um tema que há muito trago em mente para sobre ele me debruçar, um pouco.

O título foi-me sugerido por aquilo que entre nós aconteceu num passado recente, em que a “ideologia” conduziu a interpretação e a classificação de textos literários, com ênfase no estudo dos textos poéticos. E como resultado,  nasceu uma espécie de “modismo” sob forma maniqueísta de divisão, que colocavam de um lado os poetas  “militantes” e do outro lado, os poetas considerados “alienados,” ou quase isso...

Mas antes de continuar, atinemos em alguns significados do vocábulo ideologia que nos ajude a situá-lo no contexto histórico e social da época, aqui nas ilhas e, durante os primeiros anos da independência, tempos esses, carregados de tópicos, de sugestões e de exaltações, obrigatoriamente virados para a independência acabada de obter e para uma postura marxista/leninista, ou disso imitativa, ainda muito fresca.

Ora bem, é nesta ambiência, que se dá o estudo de textos poéticos no ensino secundário. 

Mas como antes dito, vamos ao significado de ideologia. Dos significados  retirados do Dicionário de Política (Dinalivro, 2004)  da palavra Ideologia, e entre  algumas informações e definições que o referido dicionário fornece, escolhi as que me pareceram mais próximas do conteúdo deste escrito. Assim, passo a   transcrevê-las: “...talvez não exista palavra na linguagem política, filosófica e sociológica com uma tal gama de significados e de frequência de emprego como a palavra Ideologia.”

Em termos de definição, seleccionei da mesma fonte a seguinte:

“O carácter da ideologia é atribuído a uma crença, a uma acção ou a um estilo político pela presença neles, de certos elementos típicos como o doutrinarismo, o dogmatismo, uma forte componente passional, etc... que foram diversamente definidos e organizados por vários autores». (Fim de transcrição).

Creio que foi um pouco  nesta acepção e desta visão que durante anos, padeceu o estudo liceal da Literatura cabo-verdiana e, particularmente, da sua poesia.

Esta “ideologia” alastrou-se com carácter epidémico, diria, a algumas disciplinas curriculares dos liceus em Cabo Verde, de que a História, tal como a Literatura, também não escapou. Estamos a falar de um largo período de tempo que teve início com a independência e com a alteração curricular, entendida de forma   natural, pois que  passou a incluir o estudo de textos dos nossos autores  que se estendeu, presumo, até o presente momento.

Na decorrência disso, surgiu a tal malfadada divisão entre os poetas,  “ideologicamente” vinculados a um tipo de poemas que glorificavam ou não, aquilo que se considerava, na época, revolucionário, combatente, contestatário e, por outro lado, a poesia sem marcas ideológicas, mas igualmente de carácter interventivo social, contestatário,  sem ser disso  explícito  nem tão pouco vinculativo.

Parecia que só aquele tipo de poesia - o primeiro -   era válido na poética cabo-verdiana.

A linguagem subtilizada,o protesto implícito, a intervenção social sugerida, o não-dito, mas subentendido, não foram então, tão procurados nas análises poéticas, como deveriam ter sido.

Exactamente! Os tais poetas apodados de evasionistas versus anti-evasionistas, foi o grande “chavão” que ensombrou gerações de estudantes do ensino secundário no estudo da poesia cabo-verdiana dos últimos quarenta anos, e que acabou por retirar parte da significativa grandeza e beleza da nossa poesia..

Recuando um pouco no tempo, esta doutrinação não explicitamente assumida, que começou a ser inculcada, a partir de 1975, ou um pouco antes, logo a seguir ao processo do 25 de Abril, fazia crer aos estudantes de Literatura cabo-verdiana dos Liceus, de que só deveriam considerar “boa” poesia, “bom” poeta aquela ou aquele que fosse “engajado” (termo então em moda) com a causa da revolução, da independência; aquele cuja  mensagem escrita estivesse dentro do molde que era exigido, da exaltação explícita do facto heróico, nacionalista, da resistência, ou similar.

Um pequeno exemplo que chega a ser caricatural, embora ilustrativo: Achavam alguns “ideólogos” da Literatura de então, que um poema como «Ressaca», de Osvaldo Alcântara, carregava um traço “menos” na perspectiva deles, em relação ao poema «Não vou para Pasárgada» de Ovídio Martins. Pasme-se! Porquê? Porque este último, fazia o protesto em directo. Logo, tinha na óptica desses mesmos “ideólogos” valor acrescentado para o edifício poético nacional.

A linguagem culta, multifacetada, plurissignificativa, metafórica, exarada na poesia e no poema «Ressaca»  de Osvaldo Alcântara poeticamente codificado, pois que escrito e publicado num tempo e num espaço sem liberdade, possivelmente não lhes chegava ao entendimento. Daí a catalogação de “evasionista,” tal como fizeram, aliás, com excelentes poemas de Jorge Barbosa.

Pois bem, a subtileza imagística, a plurissignificação das palavras escolhidas, a linguagem metafórica, a beleza rítmica, a musicalidade versatória, entre outros atributos que distinguem um bom texto poético, não eram tidos em plena valorização.

À posteriori, reflectindo sobre o fenómeno, concluo que este maniqueísmo  acabou por vingar e vincar na generalidade, levando muitos professores a uma certa abordagem “facilitista” e a uma análise reducionista do texto poético cabo-verdiano.

Interessante, é que surgiram teses literárias ufanosamente baseadas neste pseudo-pasárgada/anti-pasárgadismo, e modelos forçados do género, aliás, muito em moda ao tempo, e que serviam na análise comparada dos textos de alguns dos nossos melhores poetas.

Lembro-me de como repudiei  “ab initio” a divisão ideológica e redutora feita e que estava a ser tão prejudicial à nossa causa poética!

Dou graças por ter escapado, felizmente, dessa onda!

Hoje, passadas já algumas décadas, quando olho para trás, regozijo-me por não me ter deixado envolver nesta abordagem tão redutora dos nossos textos poéticos! E tão injusta para os nossos grandes poetas!

Trabalhava com os meus alunos dos anos terminais do Liceu, à partida, sem qualquer preconceito e, sobretudo, sem qualquer pré-juízo formado ao tratar poetas tão diferentes e tão importantes como: Osvaldo Alcântara, Gabriel Mariano, Mário Fonseca, Jorge Barbosa, Arménio Vieira, Eugénio Tavares, Ovídio Martins, Pedro Cardoso, Onésimo Silveira, Januário Leite, Pedro Corsino Azevedo, Manuel Lopes, José Lopes, Yolanda Morazzo, Osvaldo Osório, Aguinaldo Fonseca, Corsino Fortes, Terêncio Anahory, Daniel Filipe, entre muitos outros, que a minha memória neste momento não me permite elencar.

Para além da originalidade de cada um deles, valorizávamos-lhes sim, a riqueza poética, a mensagem contida e a especificidade de cada um dos seus textos. Por vezes, as similitudes e/ou as diferenças nos temas tratados, quando nós os comparávamos.  Um parêntese aqui, para dizer que este plural “nós” não é majestático, (a indicar a 1ª pessoa do singular) não, é real, pois que se tratava de um exercício feito na e em aula, envolvendo participativamente, os alunos e a professora.

Sempre pensei que caberia mais tarde, ao então aluno, portador de alguns estudos sobre a matéria, fazer a sua própria filtragem, a sua escolha e a sua selecção de autores e de textos que, para ele, melhor consagram ou consagraram a “poesis” cabo-verdiana, dentro de cada género. Desde o tipo  lírico/amoroso/mornista, romântico, passando pelo texto designado de poesia protestatória, de intervenção social, da epopeia/heróica, indo à poesia narrativa e dramatizada. Enfim, fazer a escolha do(s) poeta(s), “mais poeta” − permitam-me a graça − e o que produziu melhor poesia no seu tempo e não só. Mas também,  aquela que  chegou  à actualidade ainda poesia...

Voltando às aulas, é minha opinião, que quase todos os poetas estudados, e cada um a seu modo, no seu tempo, nas suas circunstâncias e com as suas motivações, tratou nos textos legados, a denominada “caboverdianidade” afinal, o traço identificativo e distintivo da poesia feita nestas ilhas, ao longo de séculos.

E foi assim, durante largos anos, o estudo da poesia cabo-verdiana nas escolas secundárias do país. Sob invólucro “ideológico” ou querendo parecer isso, limitou-se em muitos casos, a fruição plena do texto poético, pois o seu autor já vinha carimbado. Por outro lado, sobrevalorizou-se o chamado poeta de circunstância, do protesto imediato. Aquele cujos poemas estariam fatalmente circunscritos a um determinado momento histórico, sem garantia de perenidade da poesia neles inscrita.







domingo, 10 de maio de 2015

Aviso Aos Navegantes
Agradece-se ao Jornal que daqui retire qualquer texto, tenha a cortesia de mencionar a fonte: www.coral-vermelho.blogspot.com 
É apenas uma questão de ética. “Noblesse oblige!”

Em prol da Língua portugesa...

domingo, 3 de maio de 2015

“Água mole em pedra dura...” ao bom entendedor meia palavra apenas.

A Língua portuguesa é actualmente o elo mais fraco da cadeia linguística cabo-verdiana.

É triste e deprimente para a nossa cultura, observar como os predadores da riqueza linguística cabo-verdiana têm vindo a actuar, a fazer opinião, e infelizmente, a ganhar terreno.

Para mal dos nossos pecados são pouquíssimas as vozes que se levantam abertamente contra tal estado de coisas e assumidamente a favor da expansão, da oralidade e da permanência da nossa também, língua portuguesa.

 Por outro lado, atira-se aos quatro ventos que o que se pretende é o bilinguismo.  Puro engano!  Como tal será, ou seria, possível se nada, mas mesmo nada, se diz e se faz neste país, em prol da Língua portuguesa?

A questão linguística cabo-verdiana tornou-se num reduto, onde só entram  ou apenas estão autorizados a penetrar, por “motu próprio”, os ditos “especialistas” e as aspas aqui não se dirigem tanto à capacidade técnica dos mesmos, mas mais ao exclusivo no tratamento das línguas por eles pretendidos.

A questão linguística é muito mais abrangente; ela é pertença dos seus falantes. Deus nos livre e guarde!  - deixar esta transcendente questão, que é de todos os cidadãos cabo-verdianos, apenas nas mãos totalitárias de um punhado de linguistas, sociolínguistas e políticos, alguns de duvidosos gosto para uma actuação descomplexada.

 Existe, de facto, uma defesa exacerbada - sem muita razão de ser nos tempos que correm - do Crioulo, como se este não estivesse pujante e cheio de vitalidade na fala do cabo-verdiano. O que é necessário e urgente é a preservação e a expansão da nossa língua segunda e oficial, em todas as ilhas e sobretudo, nos meios que lhe são naturais, como a escola, a administração pública e a comunicação social.

O assunto já assumiu contornos de prós e de contras. Tal é a confusão que por aqui vai!!...

Os responsáveis lançam diplomas sobre diplomas, fazem encontros, sobre encontros, oficinas de trabalho, e conferências, e mais mesas redondas, eu sei lá!... nenhum é sobre a Língua portuguesa. Vai tudo na defesa (como se ainda estivessemos na posição de há 40 anos atrás!) do Crioulo e ninguém reflecte, ou quer reflectir, meditar, analisar sobre o que vem sucedendo ao português nestas ilhas tendo até em conta a comunidade linguística à escala global a que pertencemos.

 Estamos em 2015! Quatro décadas, duas ou mais gerações já nos separaram de 1975 (ano da independência)!

 Começa a ser fastidioso e saturador “bater” na tecla do antigo problema do não prestígio do Crioulo e da mais-valia do português entre nós. Este pressuposto, obviamente,  nunca existiu para a geração que tem hoje quarenta anos. A que cresceu,  viveu e ainda vive com a independência de Cabo Verde não pensa, nem pode pensar, assim, a não ser  em situações muito pontuais por influência de um ou outro, eventual encarregado de educação, naturalmente, mais velho. Afinal,  a  geração mais nova estava de “alma lavada”!

 O que a geração dos nossos filhos e netos, se apercebe e talvez deseje ver implantado, não à força, mas num fluir natural e evolutivo do mundo global em que estamos inseridos e do qual dependemos e interagimos, é o tal bilinguismo, já bastas vezes apregoado, mas que infelizmente tem sido mal construído, porque á custa do mal-dizer e do prejudicar a co-existência  do crioulo com a língua portuguesa.

 Meditemos sobre o modo como o processo tem vindo a ser conduzido.  Vejamos qual será o presente e o que virá no futuro da Língua portuguesa - nossa também e de pleno direito? Como usufruir, e bem, deste rico legado linguístico, histórico e cultural, a tal primeira língua que os pássaros, as rochas e o mar ouviram nestas ilhas? Que devir, entre nós desta riqueza de comunicação que tem tido um papel ímpar no desenvolvimento do país?

Há dias comentava (meio a brincar, meio a sério) com uma pessoa amiga de que no dia em que um Partido eleitoral nacional, apresentar no seu programa de governação, uma proposta de cuidar da Língua portuguesa nestas ilhas, de tentar recuperá-la e expandi-la, entre nós, a boa oralidade da nossa língua segunda e oficial; esse hipotético programa  de governação, terá o meu voto e os votos também, se calhar, da maioria silenciosa dos cidadãos cabo-verdianos a este respeito. Até faria diminuir a abstenção que vem conhecendo um crescendo, sem paralelo nas eleições de há  década e meia!

Infelizmente, com estas manobras de  configuração destrutiva, já  se conseguiu derrubar o último ambiente próprio e adequado da língua portuguesa em Cabo Verde que é a escolarização, o ensino, para muitos, a única oportunidade que significativa parte das criança e dos adolescentes destas ilhas, tinha para o contacto com a língua oficial do país!

Não devemos misturar os papéis que às duas línguas foram por nós, seus falantes, cometidos, num trabalho pacientemente elaborado há séculos. Sempre os soubemos distinguir e ao que parece isso tem contribuído e bem para o desenvolvimento do país. Por favor! Não concorram para o empobrecimento tecnológico, científico e cultural de gerações vindouras.

Tudo isto desestabiliza, vem perturbando seriamente e sobremaneira o ensino e a aprendizagem dos alunos.

Na minha opinião reiterada, as duas línguas nacionais têm papéis distintos no edifício  bilingue, pretensão bem-vinda, que o falante cabo-verdiano quer ver efectivado. Misturá-los e confundi-los será péssimo!

Um dado interessante: o Observatório da Língua portuguesa, para além de registar que este idioma é o que mais vem crescendo em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, nos últimos quarenta anos, sendo que no primeiro país mencionado – Angola –  a sua expansão é  exponencial  sendo já língua materna   de quase cem por cento dos nascidos em meios urbanos e no pós – independência; registou também que o Parlamento Europeu declarou recentemente, a Língua portuguesa como a terceira língua de comunicação europeia.

Ora se pensarmos que nos últimos anos, levas e mais levas de jovens cabo-verdianos saem do país em demanda de trabalho e de dignidade em Angola e em outros países de acolhimento e de língua portuguesa, isto para não falar que Portugal vinha registando estatisticamente, a comunidade cabo-verdiana, como a comunidade imigrada mais numerosa no seu seio, com forte crescimento depois da independência do Arquipélago e até sensivelmente, meados dos anos noventa do século XX, altura em que foi ultrapassada pela oriunda dos países do chamado Leste europeu; se adicionarmos a tudo isso o papel comunicativo que o português tem para esta nova geração de emigrantes  para a sua integração no meio de acolhimento, mais valor e cuidado estaríamos a atribuir à língua portuguesa no ensino em Cabo Verde.

Deixemos de pseudo-patriotices bacocas! Pensemos objectivamente, nos ganhos, nos benefícios que temos tido e que continuaremos a ter, se à Língua portuguesa for reconhecida o mérito incomensurável que tem tido no desenvolvimento a todos os níveis de Cabo Verde.