Jogo Limpo

domingo, 31 de julho de 2011
1. Assistimos – aqueles que tiveram o privilégio de ter, no momento, energia eléctrica – na passada 4ª feira a mais um sensaborão “debate” televisivo sobre as presidenciais. Debate não, porque só em escassos momentos ele se esboçou, mas sim às respostas dos candidatos a determinadas questões. Com o devido respeito e consideração que nos merecem os jornalistas presentes questionamos seriamente o seu papel único – cronometristas. Nada mais fizeram do que dizer aos candidatos que o tempo havia esgotado. Mesmo acerca do tempo Aristides Lima estava completamente perdido e poucas vezes utilizou na íntegra os dois minutos e meio a que tinha direito e que devia saber, porque fruto do acordo entre eles. Os jornalistas não foram sequer capazes de centrar as respostas dos candidatos às questões levantadas (lidas). É o caso (não único), por exemplo, da resposta evasiva de Aristides Lima à pergunta crucial, directa e concisa formulada por um telespectador/internauta sobre a sua participação na reunião do Conselho Nacional do seu partido que elegeu Manuel Inocêncio.

2. A tentativa por parte de Jorge Carlos Fonseca (JCF) de animar o debate através de um “fait divers” – as declarações de José Maria Neves acerca da morte de Cabral – não me pareceu muito feliz, e foi pouco pertinente. Primeiro, porque se trata de uma mensagem directa e exclusivamente dirigida para o interior do PAICV com destinatário identificado; segundo, porque fora desse contexto, o assunto nada tem a ver com as presidenciais; terceiro, porque os pergaminhos – políticos, profissionais, intelectuais e de cidadania – de JCF não se coadunam com o recurso a argumentos e situações menos elevados e descontextualizados; por último, porque desta vez JMN não disse nenhuma inverdade.

3. Amílcar Cabral é uma figura da História Universal e não pertença, “amigo” ou “familiar” de quem quer que seja. E sob este ângulo, falar da morte de Cabral é, por exemplo, como falar da morte de John Kennedy, Patrice Lumumba, Olof Palm ou de outros homens famosos da História barbaramente assassinados. Haverá ao longo dos anos inúmeras teses sobre Amílcar Cabral e a sua Obra, que se diferenciam umas das outras por uma vírgula a mais ou a menos ou uma palavra diferente… Não compreendo a sanha que suscitaram as declarações de JMN.

4. A morte de Amílcar Cabral é tabu (ou trauma) para aqueles que a viveram directamente e não para o apuramento histórico onde o véu se vai desvendando tese após tese. De tal forma é tabu (ou trauma) que nem Aristides Pereira, companheiro e adjunto de Amílcar Cabral se atreveu a “contar” a sua verdade no seu livro endossando-a, imagine-se, ao cubano Óscar Oramas. Como se diz na Guiné: é segredo de barraca de fanado. Aliás, a morte de Amílcar Cabral é hoje, tido como monopólio intelectual de Óscar Oramas, Oleg Ignatiev e José Pedro Castanheira entre poucos outros, e, estranhamente, ninguém de Cabo Verde, da Guiné-Bissau ou do PAIGC não obstante os seus “historiadores” militantes.

5. Não é preciso ser Sherlock Holmes para saber que JMN desta vez até tem razão. Basta lembrar, na sequência da morte de A. Cabral, do número incalculável de “camaradas” que foram fuzilados ou barbaramente espancados até à morte para se inferir que o assunto era fundamentalmente interno. E não se circunscreveu aos assassinos materiais. Portanto dizer que derivam da falta de lealdade e que constitui uma traição é de La Palice. Aliás, é o próprio A. Cabral que numa profética premonição disse:

Se um dia eu for assassinado, sê-lo-ei, provavelmente por um homem do meu povo, do partido, talvez mesmo, da primeira hora.

6. E o que espanta é mais a reacção que veio da oposição. E, francamente, JMN tem aberto tantos flancos para atacar que não vejo necessidade nenhuma de o fazer por figuras gradas da oposição, neste que considero um falso facto político. E não acredito que a nossa classe política, nomeadamente a oposição, tenha sido impulsionada por mimetismo com o “caso Camarate” em Portugal que volta e meia abre processos, para proceder de forma pouco consentânea com a realidade do assassínio de A. Cabral. Ponhamos os pés no chão. Com problemas sérios na agenda do País, empolgar ou mesmo falar da morte de Amílcar Cabral nesta “altura do campeonato”, para além de uma citação histórica, é revelador de uma oposição sem rumo e sem ideias, com pouquíssima capacidade de avaliar o estado real em que nos encontramos e que se agarra a qualquer “fait divers” para simular que está activa e vigilante.

7. Amílcar Cabral foi assassinado em Conacry, há cerca de quatro décadas, e não em Cabo Verde… A sua morte é já, há bastantes anos, um caso de investigação histórica e não criminal. E pode ser referência de qualquer conversa política. Basta situá-lo no seu espaço e tempo para o saber. Pedir contas pela sua morte ou solicitar uma investigação criminal é de uma insensatez política confrangedora. Ou um grotesco farisaísmo. Dissipar energias trazendo a sua morte para o debate político fora do contexto meramente histórico e/ou ideológico é de uma ligeireza assustadora quando o País se confronta com inúmeros problemas graves e determinantes para a sua sobrevivência, bem-estar e futuro.

8. Penso que não devemos dissipar energia entrando na guerra dos outros quando precisamos dela para as nossas batalhas. Devemos escolher criteriosamente os alvos. Por exemplo, a nossa participação na Comissão Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas não é uma mais-valia a ostentar. Todos os países da CEDEAO já lá estiveram – da Gâmbia à Nigéria passando pela Guiné-Bissau, Serra Leoa ou Burkina Faso. Alguns até duas e três vezes e ninguém viu o prestigio que daí adveio a não ser para determinadas pessoas atingirem os seus fins.

9. Preocupante, e não tive ainda ecos sobre o devido tratamento do assunto, é o grito de alerta dado por Felisberto Vieira:”Só peço jogo limpo”. E di-lo quem tem autoridade para o fazer. Ele conhece muito bem os meandros e o funcionamento do seu partido. Tem sido “general de campanha” de todas as eleições ganhas pelo PAICV, designadamente, as duas últimas presidenciais de triste memória. Jorge Carlos Fonseca que se cuide. Eles conhecem-se e defendem-se. E até pode acontecer que da sua vigilância mútua JCF se beneficie, desenvencilhando-se da crónica “ingenuidade” do MpD neste particular.

10. Voltando ao “debate” não é a resposta àquelas questões que nos levaria a escolher os candidatos. As respostas não significam de per se capacidade, carácter, integridade e descomprometimento político para as cumprir. Temos que ir para além das simples declarações. Temos que analisar cada um dos intervenientes e situá-los. E dos três candidatos elegíveis – o Jack que me perdoe a franqueza – Jorge Carlos Fonseca é aquele que melhor se posiciona para um desempenho com contornos de maior isenção. Não é da oposição formal nem é da situação. E não tem com o Governo nem com o PM qualquer afinidade ou animosidade. Tem portanto distanciamento e posicionamento necessários para ser um bom árbitro e conhecimentos para intervenções cirúrgicas quando necessárias. Dos outros dois, Manuel Inocêncio de Sousa é completamente alinhado. É ele que o diz sem qualquer titubeio. É um candidato integrado no projecto hegemónico do seu partido. Quanto a Aristides Lima é sabido que tem uma guerrilha aberta com o PM. É a essência da sua candidatura. Não hesitou em cindir o seu partido para o benefício do seu projecto político pessoal sem sequer ter exaurido os mecanismos de recurso. Ninguém acredita que ele possa ser um factor de união do País tão necessário para os tempos difíceis que aí vêm. Num quadro absolutamente lógico, com ele na presidência, não é expectável um ambiente de estabilidade, o que seria mau até para a oposição. Contudo, os políticos são como os melões…

A. Ferreira

Carácter e Coerência precisam-se!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

"Para conhecermos os amigos
é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça.
No sucesso, verificamos a quantidade e,
na desgraça, a qualidade."

Confúcio



Com a mini, mas importante, revisão Constitucional verificada em Setembro de 1990 visando não a democracia propriamente dita – esta foi construída de facto pelo MpD e Mascarenhas Monteiro – mas a queda do artigo 4º para “abolir” o primado do Partido sobre o Estado mas mantendo substantivamente toda a ideologia e estruturas de poder autoritário, na plena convicção de que a “abertura” não passaria de formalidade para legitimar o poder instituído – tal a presunção – arrastou consigo a imprescindibilidade das eleições presidenciais serem um acto de cidadania, ao consagrar que a apresentação da candidatura presidencial seria da responsabilidade de um número de subscritores/cidadãos-eleitores e não de grupos políticos organizados quer sob a forma de partidos políticos quer sob a forma de outros grupos formalmente organizados ou associações.

Vou ser conciso e breve.

Em 1991, quando se candidataram à presidência da república, Aristides Pereira e Mascarenhas Monteiro, pessoas muito próximas deste último escusaram-se a apoiá-lo sustentando-se não nos perfis dos candidatos para o desempenho do cargo nem no interesse nacional mas na disciplina, lealdade e militância partidárias.

Com alguma dificuldade, mas talvez por pensar que não adiro a partidos políticos por disciplina, coerência e liberdade de consciência, acabei por compreender e aceitar, confesso, com muita relutância, a posição dessas pessoas. O que nunca consegui justificar é a agressividade, a ostentação do apoio ao outro candidato, e a ostensiva e desnecessária animosidade que algumas dessas pessoas então manifestaram. Registei tudo com muito desagrado e, em alguns casos, com grande estupefacção. O tempo passou e tudo acabou… A magnanimidade e a nobreza de carácter de Mascarenhas Monteiro vieram ao de cima e fizeram-no “passar uma esponja” sobre tudo, não obstante a força advinda da expressiva votação – mais de 70% dos votos.

Vinte anos volvidos, olho para a candidatura de Aristides Lima e vejo perfilados a seu lado, muitos, se não a maior parte, desses “amigos” de Mascarenhas Monteiro que na altura alegaram a disciplina, a lealdade e a solidariedade partidárias para o não apoiarem.

Mais tarde, em 1996, quando Mascarenhas Monteiro se submeteu sozinho ao veredicto popular, não porque assim o quisesse mas por cobardia do PAICV sob a liderança de Aristides Lima, este e o seu partido não só não deram qualquer orientação ou mesmo indicação de liberdade de voto – tenho autoridade para o afirmar uma vez que era o mandatário nacional de Mascarenhas Monteiro – como “declararam guerra” ao candidato único, tentando “boicotar” as eleições com a promoção de abstenção, fazendo “boca de urna” nesse sentido, organizando almoços gratuitos e outras actividades no dia da votação com o fito de diminuir a participação e a expressão dos votos assente na filosofia de que era “preciso fidelizar” os militantes. A questão presidencial era para o PAICV um assunto essencialmente partidário.

O que é muito estranho é que esses mesmos “amigos” de Mascarenhas Monteiro, hoje, continuando militantes do mesmo partido e até dirigentes, já não respeitam as orientações desse seu partido, nem se submetem às decisões do seu órgão máximo e, pior, até já dizem que as presidenciais nada têm a ver com os partidos. Eram homens maduros e responsáveis quando utilizaram os argumentos partidários para ostracizar politicamente Mascarenhas Monteiro e até, alguns deles ou quase todos, já tinham sido governantes, dirigentes e responsáveis políticos.

Onde estará a causa de uma rotação de 180 graus na argumentação justificativa? Onde estará a honestidade e a seriedade dos verdadeiros propósitos? Com toda a sinceridade não me atrevo a dizer que é oportunismo e falta de carácter. Ou que seja o cúmulo do fingimento e da hipocrisia política. O certo é que, são “dois pesos e duas medidas”. E não acredito que seja pelo envelhecimento, eventualmente, precoce das artérias!

De todo o modo é preciso ter memória muito curta para despudorada e desavergonhadamente assumir conscientemente tamanha incoerência. Ou então…

A.Ferreira

P.S.: Refira-se, tempestivamente, que, paradoxalmente, toda a campanha contra a candidatura de Mascarenhas Monteiro ao primeiro mandato (1991) assentou-se na sua cordata, pacífica, assumida, já então longínqua e transparente “dissidência” do PAIGC e foi conduzida pelo PAICV com a cumplicidade dos que ontem não o apoiaram com base em fidelidade e lealdade partidárias e hoje estão com ARL sem o mínimo respeito pelas orientações e decisões do seu partido. Haja Coerência e Viva o Carácter!
AF

VOTO EM BRANCO – UMA VIA PUNITIVA E DE RESGATE

domingo, 17 de julho de 2011
O tema do fornecimento da energia eléctrica na Praia é recorrente e não cansamos de o abordar. O que actualmente se passa na Praia com o fornecimento da energia eléctrica é absolutamente vergonhoso e já ultrapassou os limites da decência e da razão. Parece que estamos a pagar a soberba e a arrogância de tantas desdenhosas críticas à nossa vizinha irmã Guiné-Bissau.

E, seguramente, as nossas impassibilidade e abulia não são muito dignificantes para a nossa sociedade civil. Não é crível que uma população inteira da nossa cidade-capital e todas as suas organizações profissionais e da sociedade civil estejam tão amordaçadas e temerosas que não reajam de forma efectiva a esses apagões frequentes e aleatórios que põem em risco os seus patrimónios pessoais - electrodomésticos e outros aparelhos eléctricos e electrónicos - para além de condicionar toda a sua vida doméstica e profissional e de os privar da iluminação eléctrica durante a noite e, por vezes, por arrastamento também de água.

Toda a gente ainda se lembra da colérica e quase grotesca decisão do PM em expulsar os administradores portugueses da ELECTRA e mais tarde das negociações ingénuas para a renacionalização da Empresa. A EDP, a anterior proprietária da ELECTRA, é simplesmente uma das mais cotadas empresas do mundo na produção e distribuição de energia. Prescindimos dela como parceira com a exteriorização de um acto mais ideológico – óptica socialista – de um nacionalismo estreito e primário contra o mercado e o privado do que de gestão.

Hoje não temos bodes expiatórios para endossar a responsabilidade. E o PM − José Maria Neves − tem que a assumir por inteiro. Não foi bonito vê-lo endossar a culpa, para os gestores da ELECTRA. Foi uma vergonhosa e indesculpável desresponsabilização. Os dirigentes da ELECTRA perante esta prova de deslealdade, de abandono pela retirada pública do apoio deviam em bloco pedir a sua demissão. Não o fizeram. Cada cabeça sua sentença, diz o povo. Ao aceitarem silenciosos o endosso do PM assumiram eles também a responsabilidade de uma evidente e perniciosa má gestão com conhecidos reflexos não só nos resultados financeiros da empresa que todos suportamos como no péssimo serviço prestado aos clientes consumidores de que todos somos vítimas. Já não podem apresentar desculpas nem acusar o governo de não lhes dar os meios necessários à prossecução dos seus objectivos. Se a ELECTRA não fosse um monopólio do Estado há muito que tinha declarado falência e os seus gestores impedidos de exercer.

Afinal, o que os administradores portugueses pediram e que então lhes foi recusado e que foi objecto da indecorosa intervenção do PM já foi em boa parte consentido – a subida da tarifa em 20%. A outra parte – seguramente a mais importante porque representa uma fatia grande das eventuais receitas - o apoio do Governo para uma intervenção vigorosa no combate aos clandestinos, e “não pagantes” não foi ainda atendida devido a frouxidão do Governo, a sua incapacidade para tomar medidas correctas e necessárias de autoridade, aliás, em plena sintonia com o seu exacerbado populismo e demagogia. É um Governo que se mostra neste particular covarde, temeroso, desleixado e incapaz; que prefere recorrer às medidas cegas de criar uma taxa para a iluminação pública, como já se anuncia, no pressuposto que os nossos impostos não chegam para cobrir as suas obrigações quando é sabido que pagamos uma das mais altas tarifas do mundo do que abrir combate àqueles que prevaricam e o desafiam e provocam directamente. Paga o justo pelo pecador. Isto é, aqueles que cumprem com as suas obrigações. E são eles, e só eles, que a nova taxa quer castigar porque, ao que se diz, incidirá sobre o consumo.

A população já tomou consciência de que foi um grande erro ter dado ao PAICV um novo mandato – um direito a governar por mais cinco anos. Os erros corrigem-se. Não é possível nem aconselhável impedi-lo de cumprir o mandato. É anti-democrático. Mas felizmente ainda estamos a tempo de mostrar o nosso grande desagrado. Não só com simbólicas mas absolutamente necessárias manifestações de rua que denunciam os desmandos e mexem na imagem, mas também com actos de efeitos práticos e marcantes.

Todos aqueles que são senhores dos seus votos; que não têm compromissos partidários; que votam ou votaram PAICV nas legislativas, não votem agora nos candidatos presidenciais desse partido. Ambos – Aristides Lima e Manuel Inocêncio Sousa – são cúmplices activos deste Governo incompetente, falso, covarde e negligente. Devem ser punidos COM UM VOTO EM BRANCO. É a única resposta válida, uma advertência aos políticos desonestos, que servirá de exemplo e de alerta para as próximas eleições. Temos que mostrar a nossa maturidade política e usar a única verdadeira força que temos – o voto. Abstenção não é solução porque pode reflectir desinteresse e preguiça. Vamos às urnas e exerçamos o nosso direito de voto. Se o seu candidato não é Jorge Carlos Fonseca ou Joaquim Jaime Monteiro que nada têm a ver com a (des)governação do PAICV e não tiver o dever de disciplina partidária, vote em branco. Só assim será respeitado e o seu voto útil. É também uma via de resgate do nosso voto nas legislativas.

A.Ferreira

UM OLHAR SOBRE AS PRESIDENCIAIS

domingo, 10 de julho de 2011
1. Os candidatos presidenciais perfilam-se na «grelha de partida» para a sua arrancada final. O chamado “debate” que constituiu na realidade o tiro de partida esteve muito longe de satisfazer as expectativas apesar das diversas tentativas de Jorge Carlos Fonseca para o aquecer e o tornar mais interactivo. Foi morno, depressivo e pouco ou nada clarificador. Aliás, esclareceu porque é que os dois candidatos do PAICV evitam um frente-a-frente que até podia ocupar-lhes menos tempo do que o actual figurino. Para tal bastaria que cada frente-a-frente tivesse a duração de uma hora, o que daria para cada um dos candidatos um tempo global de três horas, menos uma hora do que o modelo estabelecido. Não se tratou pois de um problema de agenda como nos tentaram impingir fazendo pouco da nossa inteligência, mas de medo dos efeitos directos e colaterais – exposição da impreparação e revelação de verdades inconvenientes.

2. Aristides Lima engoliu a treta de “candidato da cidadania” e nem sequer esboçou uma defesa quando acossado principalmente por Jorge Carlos Fonseca mas também por Inocêncio de Sousa dizendo tratar-se de um assunto menor. Mas mostrou que domina bem a Constituição, o que era absolutamente expectável dada a sua formação académica e as últimas funções que desempenhou. Não domina tão bem os outros “dossier” e revelou que tem alguma reticência na coabitação pacífica com o Governo ao endossar a estabilidade política para outras instâncias sem afirmar com clareza o seu posicionamento. No geral não convenceu.

3. Inocêncio de Sousa, por sua vez, esteve igual a si próprio mostrando que é o candidato oficial do PAICV – partido no poder – ao qual declara lealdade em contraposição ao seu adversário de partido. Está virado para a facilitação do cumprimento do programa do Governo e colaboração na persecução das metas desenvolvimentistas estabelecidas pelo Governo e seu partido a este respeito. E dentro deste quadro não esteve mal – discreto, talvez de mais, e pragmático e directo na sua exposição. Domina menos bem a Constituição, o que não admira pois é engenheiro de profissão embora político de ocupação. Se for eleito precisará de bons conselheiros e tomada séria de conselhos nesta área para não cometer os erros graves do actual PR. Cá fica o aviso para eventuais indesculpáveis e inadmissíveis inconstitucionalidades.

4. Jorge Carlos Fonseca é aquele cuja preparação se mostrou a mais equilibrada dominando de igual modo os “dossier” das várias áreas de intervenção política – a do direito e cidadania, a social, a económica, a da segurança dos cidadãos e a da política externa. Isto sem se falar da Constituição da qual se diz co-autor. Disse também ser um candidato sintonizado com os valores defendidos pelo MpD, partido do qual tem apoio, acrescentou, que o orgulha, tendo lembrado, num nítido apelo ao voto da diáspora, que a múltipla nacionalidade e a potenciação da dignificação da nossa comunidade emigrada, descendentes incluídos, são frutos exclusivos da governação MpD. Relativamente à política externa, tem ideias claras e algo críticas mas exacerba o papel do PR. Ele não é MNE e deve conter-se ao papel do Presidente da República. Globalmente está bem preparado para o desempenho da função presidencial.

5. Quanto ao candidato Joaquim Jaime Monteiro revelou-se um acérrimo defensor do regime presidencialista. E as suas posições quanto à concepção dos poderes do Presidente são, no actual regime, de governante e não de Presidente da República. Por isso não se sintoniza com as competências da função presidencial definidas na Constituição. A menos que ele queira aproveitar a ocasião para fazer passar a mensagem da defesa do presidencialismo uma vez que não seria muito coerente da sua parte jurar uma Constituição com a qual, no essencial, não concorda. E não terá poderes nenhuns para a mudar.

6. A política externa é uma área muito sensível e importante para um país com as nossas fragilidades, natureza diaspórica e dimensão. A alusão à nossa participação no Conselho de Segurança, não me pareceu muito feliz. Foi uma questão na altura polémica; não justificou os investimentos feitos e arriscou a criar-nos pequenas fricções com a “superpower” da nossa sub-região, Nigéria, para além de termos perdido o financiamento de um projecto. Não nos esqueçamos também da nossa abstenção nas Nações Unidas, ainda na 1ª República, no caso da Líbia, apenas uma abstenção que nos valeu um “puxão de orelhas” e alguns importantes sacos de milho que os americanos deixaram de nos dar. E alguma suspeita muito remota das razões da saída do USAID de Cabo Verde. Recentemente temos vindo a observar a intervenção desastrosa, ao que se diz nos meios diplomáticos vexatória, do PR e seu principal ponta de lança na Côte d’Ivoire, no tratamento do diferendo Ouatara - Gbagbo confundindo uma eventual amizade e/ou tratamento pessoal privilegiado – Gbagbo foi o único PR a estar presente na investidura do nosso PR – com os interesses reais de Cabo Verde, quiçá por ter estado envolvido numa questão interna semelhante que, por razões muito mais fortes, só não teve um desfecho tão trágico como o de Côte d’Ivoire por alguma lucidez e sensatez de Carlos Veiga e por sermos um povo de brandos costumes. E esperemos que as recentes, inúteis e desnecessárias, declarações do PR sobre o TPI na emissão do mandado de captura de Khadafi não venham a beliscar a nossa imagem. Intervir e dinamizar sim, mas com profundo realismo, discrição, sentido de estado e muita sensatez.

7. Um assunto que vem sendo dito e repisado sobretudo pelos media dominados pela facção do PAICV afecta a Aristides Lima é que José Maria Neves (JMN) enganou-se ao escolher Manuel Inocêncio Sousa (MIS) como candidato a PR. Para já intriga ter-se “encomendado” uma “sondagem” desse teor. A quem interessa? Mas atente-se ao significado do enunciado. Para além de surrealista no contexto partidário, ele arrasta em si mesmo uma vergonha e um escândalo para a imagem e para o funcionamento das estruturas do PAICV. Então como é? Manuel Inocêncio Sousa foi escolhido por José Maria Neves tout court? Não houve umas eleições internas num universo de quase 100 pessoas, precisamente entre as politicamente mais autorizadas e qualificadas (Conselho Nacional) do PAICV, por sinal com regras elaboradas com a participação dos directamente interessados, das quais ele se saiu vencedor? Não estariam presentes membros das duas facções? Ou, já o disse anteriormente, o centralismo democrático inspirador e essência da doutrina marxista-leninista do PAIGC ainda prevalece mesmo depois de mais de duas décadas da queda do Muro de Berlim? Não há instâncias de recurso para as irregularidades? Deixemos de histórias e de tretas… Qualquer militante do PAICV que tenha um miligrama de vergonha e um neurónio que seja de consciência democrática não devia falar de escolha do JMN. Não foi uma nomeação do JMN mas deliberação do Conselho Nacional. E quando alguém não respeita a democracia interna do partido que garantias pode dar do respeito pela democracia instalada no País? Não há democracia sem democratas.

8. O que realmente existe é uma “guerra” de facções e não uma natural luta de tendências. Não discutem “nuances” de ideologia nem percursos alternativos mas sim assentos, influências, no poder. É o triunvirato liderado por JMN e o seu grupo vitorioso de “jovens turcos” contra todo o “parque jurássico” do PAICV que vendo na saída do actual PR, o seu líder e último sobrevivente no poder, uma retirada (reforma) política efectiva que, aproveitando a ambição pessoal de Aristides Lima, quer encontrar nele uma âncora, uma tábua de salvação depois do esforço fracassado do PR de colocar em instâncias de poder os seus homens de mão. Aristides Lima nunca avançaria se, presumivelmente, não tivesse o aval do actual PR e promessas de incentivos de vária ordem, designadamente financeiros, dele e de figuras gradas desse “parque jurássico” à sua volta e seus acólitos, todos alinhados e bem identificados. Talvez aqui sim, haja ou haverá uma relação de submissão ou de dívida de gratidão.

9. Não admira que o conhecido triunvirato liderado por JMN tenha uma estratégia de poder que exclua de forma selectiva os mais proeminentes membros da “velha guarda” do PAICV e seus acólitos. Poderá existir, ab initio ou mesmo a posteriori, entre os elementos deste triunvirato um compromisso que implique a conquista dos três lugares cimeiros da hierarquia do poder no quadro de uma relação de primus inter pares onde pontificam a lealdade e a confiança mútuas e não qualquer relação de subordinação ou de submissão como provam os seus percursos comuns solidários dentro do seu partido. Junte-se a irreverência perante a “velha guarda”. É isto que incomoda a outra facção – a perda de protagonismo e de influências na área do poder e a miragem de definitivamente não os conquistar pelo sentimento real de que a era do PAICV caminha inexoravelmente para o fim, o que poderá estar mais perto do que se pode imaginar.

10. Como se diz popularmente que “só não sente quem não se sente filho de boa gente” e, por isso pessoa alguma acredita que depois do 7 de Agosto – data das eleições presidenciais – não haverá no PAICV um Congresso Extraordinário clarificador qualquer que seja o desfecho das eleições. Internamente nada será como dantes independentemente daquilo que vier a ser publicamente declarado. JMN quererá pôr cobro à insubordinação no seio do seu partido corporizada pelo grupo que fez tábua rasa a uma deliberação do seu Conselho Nacional; clarificar o desafio à sua autoridade como presidente; conferir a sua legitimidade indirectamente posta em causa por algumas declarações de militantes; aferir as relações de confiança e de lealdade indispensáveis ao trabalho de equipa. Se passar a sua moção, nada poderá fazer contra os membros deputados porque estes pertencem a uma outra área do poder. E estes, por sua vez, manter-se-ão quedos e mudos com medo que o Governo caia e percam definitivamente os seus “tachos”. Mas para todos aqueles cujos lugares são escolha sua – do JMN – directa ou indirectamente, por uma questão de coerência e dignidade não devem esperar clemência ou condescendência e antecipar com o seu pedido de demissão ou de lugar à disposição. E tenho poucas dúvidas que JMN não será outra coisa senão Maquiavel travestido de Erasmo de Roterdão no seu esplendor. Noblesse oblige.
A. Ferreira

Recusa de Debates em Democracia?

terça-feira, 5 de julho de 2011

A democracia é uma forma superior de governo, porque
se baseia no respeito do homem como ser racional."

John F. Kennedy



Fiquei estupefacto ao ter conhecimento que os candidatos à presidência da República do meu país, com excepção de Jorge Carlos Fonseca, se escusaram a fazer um debate público entre eles, alegando razões de agenda.

Seja-me permitido achar ridícula e caricata tal atitude depois de mais vinte anos da queda do muro de Berlim e da instalação da democracia num País que também é classificado como de desenvolvimento médio.

Pelos vistos os nossos hábitos e a nossa cultura democráticos, não só não acompanharam o nosso desenvolvimento económico como também, em relação à democracia, não acompanharam a sua evolução no mundo. Ou melhor, a questão da democracia só é invocada para determinadas situações. Como estamos em ambiente das presidenciais, é o caso, p.e., do presidente eleito com votos dos mortos e ausentes para o qual a simples referência de Carlos Veiga ao facto, nos passados debates televisivos para as legislativas, foi classificada demagogicamente por José Maria Neves de gesto antidemocrático por, no seu entender, querer pôr em causa a decisão dos tribunais esquecendo ele, José Maria Neves, que Carlos Veiga também se baseava numa decisão dos tribunais e não em conjecturas. Mas o mais estranho dessa “eleição” jurídico-administrativa de um presidente é que o grande beneficiado, na sua função de mais alto magistrado da Nação nenhuma palavra disse de condenação desses actos comprovadamente fraudulentos, acomodando-se e escondendo-se atrás de um, usando um eufemismo, insensato, “não vale a pena chorar sobre o leite derramado”.

Mas voltando a recusa – e não escusa, como antes disse – a um debate nacional público entre os candidatos, quando nenhum deles se encontra instalado e quando todo o eleitorado precisa de esclarecimento para decidir, ela é um atestado de menoridade e de desprezo à inteligência de todos os cidadãos-eleitores. É achar que o nosso eleitorado decide para funções tão importantes como as de Presidente da República por “simpatia”, por arrastamento dos “partidos apoiantes” ou por “slogans” quase sempre ocos e vazios dos comícios onde proliferam os lugares-comuns e as diversas fantasias.
Não é inédito, mas a envolvente e as circunstâncias políticas hoje, são bem diferentes.

Posso até compreender, sem a justificar, a recusa do candidato Manuel Inocêncio Sousa, uma vez que se trata de uma candidatura assumidamente partidária, orientada exclusivamente para os militantes do seu partido e, portanto, com os parâmetros e objectivos programáticos bem definidos e um público-alvo já suficientemente “esclarecido”.

Todas as outras dizem-se da “cidadania” (leia-se “sociedade civil”), ao mesmo tempo que, volto a referir, excepção feita a Jorge Carlos Fonseca, viram costas aos anseios e expectativas dessa sociedade civil da qual reclamam o seu voto sem nada dar em troca, nem sequer submeter ao contraditório directo dos contendores o seu programa mínimo. De quê é que têm medo? Das suas próprias palavras e posições? Das suas ambiguidades e carência de ideias? Do confronto das ideias com a realidade dos factos? De os eleitores passarem a conhecer toda a intriga e a imensa malha tortuosa em que o PAICV está metido e a consequência óbvia de uma punição nas urnas aos seus dois candidatos?

O que se espera dos candidatos presidenciais, porque todos constitucionalmente da “cidadania”, é que tenham na sua agenda lugares vários para debates a dois e, pelo menos um, para todos em conjunto (neste caso específico a quatro) e não o inverso – secundarizar o debate e remetê-lo a um lugarzinho na agenda, se “houver tempo”.

Com a evolução das novas tecnologias de informação e comunicação, designadamente dos meios audiovisuais, os debates tornaram-se a essência, a pedra de toque das democracias modernas.

É ponto assente e já lugar-comum que o debate de ideias, constitui sempre o grau alto em ambiente democrático; é um ponto de chegada, de apuramento, de classificação do estado da democracia em qualquer país que se preze! E quem ainda não compreendeu isto não pode aspirar, em democracia, a um lugar politicamente elegível. Não está preparado para a democracia real e esconde-se, evitando submeter as suas ideias ao contraditório directo e em simultâneo no universo dos eleitores para que estes reflictam, comparem e decidam.

Confesso estar chocado e triste com essa recusa dos nossos candidatos à presidência da República em fazer um debate público. Isto é reduzir a democracia e empobrecer o processo de candidaturas presidenciais. Desta forma não me permitem ter opções claras sobre qual dos candidatos merece o meu voto e atiram-me inexoravelmente para as bandas de Jorge Carlos Fonseca ou do voto branco punitivo. Este, reconheço, poderia não ser justo para com aquele que mostrou uma atitude democrática e de respeito e consideração para os cidadãos eleitores. Não gostaria de decidir desta forma… E mantenho ainda alguma esperança embora remota e ténue que esta manifesta caboverdura será evitada. Ainda há tempo!...

A grande conclusão a que chego é que os nossos candidatos a cargos políticos, salvo honrosas excepções, têm a mentalidade e os procedimentos de funcionários e não de titulares de órgãos de soberania mesmo se já os tiverem exercido, como resquícios de uma doutrina e de uma prática interiorizadas.

E esta de não ter espaço na agenda, para a primazia da democracia – o debate – há mais de um mês da data das eleições “não lembra ao diabo”. Por favor, tenham um pouco de respeito pela nossa ignorância para que vos possamos igualmente respeitar.
A. Ferreira

Presidente e não Presidenta!... Assim é que é!

domingo, 3 de julho de 2011
Aqui há tempos assisti a um agradável e interessante documentário – “José e Pilar” sobre uma significativa parte da vida de José Saramago. E já algum tempo antes havia também escutado uma entrevista à Dilma Rousself – Presidente da República Federativa do Brasil – conduzida por Miguel Sousa Tavares, através de um dos canais televisivos portugueses.
Antes de continuar, devo explicar porque junto estes dois assuntos, aparentemente desconexos. Acontece que em ambos houve um ponto coincidente que acabou por ser de certa forma, um forte atropelo à nossa língua portuguesa com a utilização incorrecta e, por vezes, arrogante, do termo “presidenta”. E é sobre isto que vou tecer umas muito breves considerações.
Que Dilma Rousself, a Presidente da República Federativa do Brasil se auto-denomine ou queira ser chamada de “Presidenta” até posso relevar, aceitar e compreender pois que isso poderá revelar algum deslumbramento ou fulgor feminista da parte da senhora, o que até se justifica pelo facto de ter sido a primeira mulher (?) eleita Presidente da República no seu País.
Todavia, o que já não consigo relevar ou deixar passar, é que um escritor, jornalista e comentador do gabarito e da estirpe – aqui no sentido nobre do termo – de Miguel Sousa Tavares, (que em matéria de língua portuguesa até teve «berço de ouro», pois que filho da grande contista e sublime poeta ou poetisa, Sofia de Melo Breyner Andressen) se tenha deixado ir nessa “fita” (que me seja permitido este eventual à-vontade semântico) quando entrevistou a Presidente do Brasil, na sua passagem por Portugal e a tenha tratado durante a entrevista por «Presidenta». É que isso deve ter bulido e chocado com o conhecimento e a correcção que Miguel Sousa Tavares de certeza possui das regras da sua língua materna. E emprego aqui o verbo chocar, pois que o conhecido comentador, autor de «Equador» entre outros romances, e considerado entre os melhores que temos em matéria de ficção e de história contemporâneas – estaria certamente, deduzo, a “violentar-se” linguisticamente.
Mas mais, li também, na mesma altura, numa revista portuguesa, títulos de notícias sobre a visita da presidente do Brasil neste teor: «Mimos portugueses para a senhora “Presidenta”»
Na mesma linha, Pilar del Rio, jornalista espanhola – a amada companheira de José Saramago, o Prémio Nobel da Literatura portuguesa – actual Presidente da Fundação José Saramago sedeada em Portugal, mulher dinâmica e culta, não duvido, mas quem, numa atitude muito pouco civilizada e sem ligar o “desconfiométro” social, desatou a chamar “néscios” e “burros” a quem a tratasse por “Presidente” da Fundação José Saramago. E numa postura pouco recomendada, e que até reclamava alguma reserva intelectual, afirmava em tom agressivo e peremptório que era “Presidenta” e que se a palavra não existisse na língua portuguesa, por “machismo”, (pensou ela, se calhar…) passaria a partir daquele momento a existir. “Magister dixit!” E assim nascem Linguistas! Como se diz à moda do Porto: «Valha-nos Deus!»
Ora bem, vamos à língua portuguesa, a nossa língua que, como afirmaram e afirmam os seus mais famosos e ilustres utilizadores, (de entre eles José Saramago), artistas, poetas e homens de pensamento, “outra mais bela no mundo não há!” Assim ela deve ser para nós, os seus falantes.
Faço relembrar que para além de ser bela, ela tem regras, como qualquer outra língua viva, falada e escrita. Ela possui normas ditas gramaticais que lhe dão sustentabilidade e sobretudo lógica no seu tecido linguístico (passe alguma eventual redundância) para que a comunicação se faça sem os chamados “ruídos”, “ambiguidades” ou outras confusões.
Possivelmente, o que as duas senhoras desconhecem ou ignoram é que a maior parte dos substantivos e adjectivos, terminados em “e” na língua portuguesa, nem sequer é do género masculino. Ou é do género feminino, ou é comum de dois (que é um subgénero gramatical). Isto é, são termos que pertencem e podem ser usados, conforme o contexto, ora no género masculino, ora no género feminino. Logo, a nossa gramática não é tão monocromática como querem fazê-la parecer. Não, ela possui uma paleta de variantes e de cambiantes de géneros e de subgéneros nas famílias das palavras que permitem que o falante, mantendo-se dentro das normas, se expresse de uma forma rica e clara!
Fiz ao acaso, um brevíssimo apanhado de algumas das mais bonitas, e também das mais temíveis palavras terminadas em “e” da língua portuguesa, que julgo ser ilustrativo daquilo que venho afirmando.
Ei-las:
A Amizade, a Saúde, a Fonte, a Felicidade, a Honestidade, a Dignidade, a Hombridade, a Bondade, a Caridade, a Fidelidade, a Lealdade, a Majestade, a Efeméride, a Sensualidade e a Sexualidade. Assim também: a Falsidade, a Hostilidade, a Calamidade, a Malignidade, a Catástrofe, entre outras, e mais outras, de uma inesgotável listagem.
O interessante é que são mais raros, os registos gramaticais de palavras terminadas em “e” pertencentes ao género masculino. Uma mini listagem: Infante, Enxofre, Enxame e Cardume, são algumas delas.
Mas o mais significativo, em termos de quantidade e de regra gramatical da língua portuguesa, são os nomes (substantivos e adjectivos) terminados em “e” e que se usam tanto no feminino, como no masculino, o tal subgénero chamado, comum de dois.
Assim temos: o, a Presidente; o, a, Inteligente; o, a Ignorante; o, a Estudante; o, a Intérprete; o, a Emigrante; o, a Imigrante; o, a Cônjuge; o, a Herege, o, a Vidente, o, a Regente; o, a Paciente; o, a Pretendente, o, a Cliente, o, a Adolescente; o, a Elegante; o, a Prudente; o, a, Representante; o, a Ardente; o, a Chefe, entre vários outros exemplos que os limites deste texto não comportam.
Como vêm, ilustres Presidentes, a nossa gramática permite ao semantema que denomina a vossa actual função (Presidente) uma ambivalência em termos de género que o torna mais prestimoso e rico no seu uso e no seu significado.
Para além disso e antes de finalizar este breve escrito, gostaria de alertar às duas ilustres Presidentes que fiquem tranquilas porque não são as primeiras mulheres “presidentes” e nem serão as últimas. Antes delas existiram centenas se não milhares, nos países de Língua portuguesa. São as presidentes das câmaras, dos conselhos de administração, das fundações, das juntas de freguesia, dos institutos vários, das diversas comissões, das associações, entre presidentes mulheres de múltiplas outras instituições ou organizações privadas e públicas. Isto, assim dito, de forma genérica e sem qualquer esforço de memória. Não vejo pois razão alguma plausível para essas duas mulheres – já notáveis – rejeitarem ou se sentirem menos mulheres quando apelidadas de “presidente”.
E para terminar mesmo, daqui das ilhas de Cabo Verde vai uma Saúde! (sinónimo de saudação) à Língua Portuguesa!