António Pedro no traçado de “Atlântida” e de “Claridade"? - A poesia cabo-verdiana nos finais da 2ª década do séc.XX -

sexta-feira, 12 de abril de 2019



O título acima, poderá fazer pensar em algo mais do que aquilo que realmente pretende  transmitir o texto que se segue.
Antes de mais, esclarecer o leitor que este escrito foi-me sugerido pela leitura do artigo de Manuel Brito-Semedo, “Porto Memória,” evocativo dos “90 anos de Diário de António Pedro”  (1902-1966)  e publicado no Jornal «Expresso das Ilhas»  de 10 de Abril do ano em curso.
Afinal, António Pedro participou ou não, teve ou não influência, na efervescência do modernismo literário que então se vivia nas Ilhas? .... Parece que sim, mas ao que disso restou, permitiu-nos aquilatar que as suas ideias literárias, o seu surrealismo, a forma como encarava e praticava exercícios poéticos - fundados na escrita automática, herdada da escola francesa, mais tarde  transposta para a poesia portuguesa nos anos vinte do século passado - não terão sido tão bem aceites, para a estruturação da modernidade poética das ilhas,  projectada pelos seus pares cabo-verdianos.
Historicamente, Praia e Mindelo foram os palcos da configuração, dessa profunda alteração dos cânones literários islenhos. À primeira urbe, coube a modelação do projecto (que disso não passou)  «Atlântida» sob condução de Jaime Figueiredo e à segunda cidade, caberia o palco do programa de «Claridade» com os autores Baltazar Lopes da Silva, Manuel Lopes, Jorge Barbosa, entre outros fundadores entusiastas.
 Pois bem, Brito-Semedo, no artigo aqui já  aludido, e citando Félix Monteiro, expressou bem a forma como o “Diário” de António Pedro, publicado em 1929, pela Imprensa Nacional, foi recebido em Mindelo. “...rasgado simbolicamente em auto-de-fé, por um grupo...remetendo ao autor, pelo correio, os despojos da sua intolerância.”
António Pedro da Costa, nasceu na cidade da Praia em 1902, filho de pai português e de mãe inglesa. A família Costa era conhecida e abastada em Santiago.
De acordo com Manuel Ferreira, António Pedro, criança ainda foi para Portugal, onde fez os seus estudos, chegando a frequentar a Faculdade de Letras de Lisboa. Activista cultural, homem de teatro, foi também Locutor da B.B. C.
Aos 19 anos de idade, volta à Praia, sua cidade natal, numa espécie de redescoberta da ilha de Santiago.
 Seguindo-lhe os passos, ei-lo de novo, em 1929, de visita à ilha de Santiago.  Nessa altura, António Pedro frequenta a roda de amigos cultos que se reúne em  tertúlias na Praça Alexandre Albuquerque, na cidade da Praia, os então jovens poetas e críticos, nomeadamente, Jaime de Figueiredo, Jorge Barbosa, José Osório de Oliveira, (este último, metropolitano, na terminologia da época) entre outros. E quase todos possuídos por um desejo comum: o da renovação estilística e temática da Literatura cabo-verdiana. O que acabaria por finalmente acontecer, mais tarde, com a movimentação literária dos autores em torno da revista «Claridade» em 1936.
Terá sido naquele ano (1929) que António Pedro deu a conhecer o seu modernismo poético (surrealismo) aos seus conterrâneos na Praia.
 De acordo com Manuel Ferreira: “...com o seu livro «Diário» se colocou no ponto de transição entre uma poesia de rotinice europeia... e a verdadeira poesia cabo-verdiana.” In  Reino de Caliban, 1974. Vol. I.
Com efeito, os  poemas de António Pedro, «Morna», «Paisagem»,  «Batuque» «Chuva» entre outros, distinguem-se pelo toque do surrealismo poético, que ele praticou de forma explícita, por um certo automatismo de escrita, um alheamento e afastamento emocionalmente conscientes dos objectos temáticos, sobre os quais, o poeta discorreu. Assim aconteceu  nos poemas acima mencionados. De se concluir, que terá sido na Praia, em Santiago, que António Pedro se inspirou e/ou terá escrito os seus mais emblemáticos versos.
Apesar disso, os mesmos poemas, não foram reconhecidos positivamente na temática das ilhas, preocupados e comprometidos como estavam os seus outros poetas e prosadores de então, com o realismo dos dramas vividos no Arquipélago, nomeadamente, os provocados pela seca e pela estiagem constantes. Numa palavra, o surrealismo não teria lugar à época, na poesia das ilhas.
Embora o texto aqui citado de Brito-Semedo, diga que Manuel Ferreira fez discípulo de António Pedro e numa certa linha, o poeta claridoso, Pedro Corsino de Azevedo. De facto, a construção do conhecido poema “Galinha Branca” pode sugerir isso...
Aqui chegados conviria fazer - ainda que de forma breve - uma retrospectiva das origens do Movimento Surrealista, nomeadamente na poesia e na pintura. Comummente aceite o seu surgimento em França, nos finais da primeira década do século XX (1916). A chamada “escrita automática ou, a exploração do inconsciente,” integrou poetas como André Breton e Louis Aragon, como os mais famosos, sem esquecer o seu fundador, o poeta romeno, Tristan Tzara, prontamente acolhido pelo grupo surrealista de Paris, a partir de 1919.
Assim, encontrámos na escrita dos seus cultores, para além da exploração do inconsciente, o aproveitamento do sonho e do sono hipnótico, imediatamente transpostos e representados sob forma poética, como “coincidências dos fenómenos do acaso.”
Igualmente, o chamado: “Humor negro” foi um dos temas explorados pelos surrealistas, na exacta dimensão de  um subversor da linguagem
Em Portugal, este movimento torna-se também conhecido e abraçado por alguns poetas, embora as polémicas em torno do seu interesse, do seu estilo e do seu conteúdo, fossem  também constantes.
O Surrealismo português, prolonga-se no tempo, quer na poesia e quer ainda na pintura. Percorre o século XX revestido de um “ar marginal,” o que não desgosta – aparentemente - os seus cultores e apreciadores. Distinguiremos: Mário Cesariny, Alexandre O’Neill, José Augusto França, Herbert Hélder, entre outros notáveis surrealistas portugueses.
Torna-se interessante verificar que António Pedro está registado como um dos surrealistas portugueses mais significativos do primeiro momento em que a chamada “escrita automática” se introduziu em Portugal.
E mais interessante se torna o facto para nós, quando a temática poética de António Pedro se revela transfigurada e recriada também das “coisas” das ilhas cabo-verdianas.
Num texto sobre o Surrealismo português, da autoria de Maria da Natividade Pires, ela afirma a determinada altura o seguinte:
            “Uma obra de António Pedro, “Apenas uma Narrativa”, publicada em 1947, será considerada o primeiro conjunto de textos surrealista-automático produzido em Portugal. António Pedro, já em 1936, aderira ao grupo surrealista inglês e publicara em Lisboa o “Manifesto do Dimensionismo.”
E para finalizar este escrito, reiterar que foi de todo oportuna esta evocação - por ocasião dos 90 anos (1929-2019) da publicação da livro  Diário” de António Pedro, obra de temática cabo-verdiana, formalmente de confecção surrealista - feita por Manuel Brito-Semedo, no texto recentemente publicado no «Expresso das Ilhas».







PALMAREJO – UMA FLORESTA DE BETÃO –

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Recentemente e numa manhã, ainda bem cedo, fui bruscamente sobressaltada, com o barulho ensurdecedor de uma serra mecânica, camarária, julguei eu, a desbastar, ou pior, a mutilar  a árvore mais frondosa da vizinhança e que já lá estava desde que vim para cá morar.  Duas décadas, para mais, já são passadas. Uma certa tristeza invadiu-me...
Porquê? Porque estava a ”incomodar” sua excelência o betão...
Faço-me entender, é que perto da minha moradia e defronte da árvore, está a ser edificado na encosta, um grotesco e monstruoso edifício, no local, que no plano urbanístico da zona, deviam ser plantadas árvores.
Pois bem, isto faz pensar: implantam casas lá onde deviam plantar árvores, e não se contentando com tal  feito, ainda por cima cortam uma árvore de sombra benfazeja, de efeitos naturalmente benéficos, e de onde a deviam deixar sossegada. No caso em foco, até existe um muro a separar a construção da árvore mutilada sob disfarce de poda, que é coisa outra!
Árvores, plantas, minha gente! fazem falta!
A nossa urbanização do Palmarejo de dia para dia mais parece uma floresta de betão sem qualquer ordenamento. Uma  autêntica “passarelle” de cimento armado, diga-se em abono da verdade,  de muito mau gosto e de grande falta de consideração pelos  moradores que pagam as suas contribuições.
 Não há um espaço verde! Um só que seja público!... E lá onde era para sê-lo, ao invés, surgem prédios, qual deles agora, o mais camafeu!
A impressão que o morador do Palmarejo tem é que as construções surgem do dia para a noite, em  inestéticas e  feias armações, quais cogumelos, altíssimos, com vários andares, desordenados, a ocupar tudo, a tapar qualquer expectativa, ou desejo de vista para o mar. Aparentemente, sem qualquer respeito pelo plano de construção e de ordenamento urbano, de uma zona  residencial  como esta, que seja dita, melhor sorte merecia.
Atenção: não estou e nem podia estar contra a construção de casas, mas que tudo fosse erguido no cumprimento dos planos e normas urbanísticos  existentes e não ao sabor de directivas avulsas sem qualquer respeito pela lei e pelo munícipe, visando talvez alguns pouco transparentes interesses imediatos?
Infelizmente, o resultado de tudo isto é que o ar do Palmarejo  está a tornar-se irrespirável, imprestável; não há circulação de ar, de vento;  o calor a aumentar de dia para dia; o micro clima da zona a alterar-se para pior (tal o aperto e a asfixia derivados das construções!). Sem espaços, sem “pulmões verdes.” sem qualquer ajardinamento.
Todos sabemos que o asfalto aumenta a temperatura, consequentemente, o calor é maior. Isto para além de impedir a infiltração das águas pluviais. Para que haja equilíbrio, torna-se necessário a plantação de árvores, e a criação de mais espaços, para a circulação do ar; ao contrário, o que vem sucedendo, são prédios e mais prédios  uns em cima dos outros.
Para a nossa pouca sorte, assim vai a actual urbanização do Palmarejo.
Pois bem, fica-se também com a impressão de que não há autoridade neste campo de acção. As construções já estão a chegar  à beira-mar. Já faltou mais para se instalarem sobre as arribas, dentro do mar...
E assim vamos nós...
Tudo isto somado, revela um completo desrespeito pelo Plano Urbanístico do Palmarejo, não tenho dúvidas.
A comunidade vivente do Palmarejo, os seus moradores revoltados, criticam em voz baixa, mas “à boca cheia” e aguardam por nova e diferente autoridade local, que tenha melhor visão nesta matéria e seja respeitadora da lei e dos munícipes.
Haja esperança por uma renovada, entendida e transparente ordem em matéria de ocupação do solo do Palmarejo, num futuro próximo!
Se até lá ainda sobrar algum palmo de solo...
Apetece-me oferecer – a quem necessita urgentemente de saber cuidar de zonas residenciais – um livrinho de leitura maravilhosa e com o modesto título de: «O Homem que Plantava Árvores» de Jean Giono, e que mostra como é enriquecedora a harmonia que deve haver entre as árvores, as plantas, as casas e os espaços, para o bem-estar dos seus habitantes e da natureza envolvente.