É sempre interessante,
apercebermo-nos na fala do nosso interlocutor, de situações de empréstimos
inter-variantes do crioulo, de uma para outra ilha. É o caso actual da grande
influência da fala da variante da ilha de Santiago no falante foguense
de menos de 40 anos.
Mas vamos por partes. Tudo me leva a
crer que um dos veículos de introdução desse fenómeno no Fogo, é sem dúvida a
comunicação social; outra será a grande proximidade, ligação, circulação e
comunicação constantes entre as duas ilhas vizinhas; e outra ainda, embora em
menor escala através de canções e de homílias da Igreja, no caso, a católica
que conheço bem. Exemplos desta última, tive-os eu recentemente - na curta
visita que fiz à minha Ilha - durante a missa de S. João, na Atalaia, nos Mosteiros.
As orações e as canções ditas pelo Padre e interpretadas pelo coro, foram
proferidas numa mistura, em que a variante de Santiago era figura marcante.
Ora bem, tudo conjugado, em se prestando atenção,
descobrir-se-ão nas construções frásicas, na entoação silábica, e mesmo no
léxico do falante foguense actual, e com o perfil etário acima descrito,
aquisições linguísticas já numerosas da ilha vizinha, maior e dominante.
Continuando, e para exemplificar o que venho
dizendo, a variante da ilha do Fogo, não tinha
e nem usava a palavra “tchota” (pardal), oriunda da fala santiaguense,
mas sim “tchintchirote” ou mesmo
“pardal” para se referir às pequenas e
barulhentas avezitas conhecidas por poisarem nas figueiras. Aliás, como diz a
bonita coladeira feita por Pedro Rodrigues: “Ó minina bu stâ sima tchintchirote
na figuera!...” ( Ò menina estás faladora, barulhenta!) Hoje, se calhar já é um
arcaísmo (?).
Igualmente, na fala da gente do Fogo,
não se dizia “xinti” ( do verbo “sentir”) mas sim “sinti” bem sibilado e bem silabado. Outro exemplo, é a expressão
muito usada hodiernamente, na variante de Santiago “... bu sta ódja?” (estás a
ver?...) dita numa só emissão de voz, e
que corresponde ao “pá” (em português) pois faz de suporte frequente na
transição de uma frase para a outra. Pois bem, a correspondente no Fogo seria,
hoje já não é: “bû s’tâ ô djâ?” tudo
muito bem silabado separadamente como é o timbre de emissão de voz, da variante
desta ilha.
Para os foguenses era o “fra”(“dizer”
em português) ex: “djam fra, dja sta frado!” (já disse, está dito!)
Actualmente, ouve-se na ilha do vulcão “djam fla...” importado de Santiago.
Sempre ouvi “normalmente” no Fogo,
“pá-pi-â” (“falar” em português), actualmente e na mesma ilha, já ouço com
muito mais frequência: “fála” monossilabicamente emitida vocalmente, à
maneira de Santiago.
Esta pequeníssima amostra, apenas uma
curiosidade, pretendeu ilustrar a já instalada influência da variante do
crioulo santiaguense, na fala foguense.
Na realidade, empréstimos linguísticos,
sempre os houve e continuam a existir na variante foguense, com destaque para
palavras inglesas, importadas dos
Estados Unidos via processo migratório, adaptadas e, por vezes,
“corrompidas”. Tanto assim é, que se entro numa loja no Fogo e peço “fralda
para bébé,” a jovem balconista (normalmente são mulheres que atendem nas lojas)
olhará para mim interrogativamente, pois não terá percebido o meu pedido. Mas
se digo: “... bendém um “daipa” (no original: “diaper” ( Em português: “venda-me
uma fralda”) ela imediatamente descodificará o produto pedido. E como este,
outros muitos exemplos de anglicismos, ou melhor, de americanismos, estão já e
há muito, incrustados no crioulo do Fogo.
Voltando ao início do propósito deste escrito,
se por um lado, isso é já um fenómeno inevitável, justificado e normal, por
outro lado, nota-se com alguma pena, o
desaparecimento, a perda de características diferenciadoras que faziam
e fazem a riqueza e a diversidade
linguística das variantes do nosso crioulo.
A cada ilha a sua variante bela e
única! Quando vou ao Fogo, gosto de ouvir a variante da ilha. Da mesma maneira,
quando visito a Brava, ou outra ilha. Cada uma, à sua maneira, exprime a
singularidade telúrica/ilhéu, e a riqueza de que somos feitos o que não anula a
pertença colectiva naquilo que fundamentalmente
nos identifica.
Termino, dizendo que também a tal “
aldeia global” dos tempos, em que
vivemos e à nossa escala, é também
uma realidade no nosso micro espaço,
inter-ilhas.