UMA AGENDA POLÍTICA ESCONDIDA?

quinta-feira, 26 de maio de 2016
O político, sobretudo o do topo, é uma pessoa objectivamente imodesta. Ele tem que acreditar e ostentar publicamente a sua superioridade em relação ao adversário. Noblesse oblige! Fá-lo quase sempre em nome pessoal, não obstante usar o majestático. Ele é o maior, considera-se sem nunca o dizer. Os seus projectos de sociedade são os que melhor servem o País; o seu programa de governo – mesmo quando o não tenha – é aquele que melhor satisfaz os interesses da Nação; as suas ideias socio-políticas são as mais avançadas, progressistas e inovadoras; as suas tácticas e estratégias as mais bem concebidas. E tem que os exibir e torná-los convincentes, pelo menos no plano retórico. Ele – e toda a sua parafernália conceptual – é um produto para venda e como tal deve revestir-se de marketing e propaganda que o torna apetecível. Desta forma “todos” os dirigentes políticos de topo, com particular incidência nos líderes partidários são um pouco narcisistas, preocupados acentuadamente com o seu umbigo.

No seu exacerbado egotismo – passe o pleonasmo – o dirigente político de topo menospreza a equipa que o alcandorou ao lugar em que se encontra que considera algo secundário e negligenciável em razão do que pensa ser o seu prestígio e a sua imagem e dá-se ao desprimor de julgar que poderá dizer, directamente ou por interposta pessoa, o que entender e quando o quiser, que as suas palavras serão sempre aplaudidas e bem-recebidas. Esquece, muitas vezes, os valores fundamentais que devem orientar a sua conduta no grupo a que pertence; confunde eventual amizade pessoal com a conivência política sem questionar minimamente ou debruçar-se sobre a amizade de “última” hora; e estabelece o seu calendário pessoal, transferindo não só esta sua agenda pessoal mas também as suas amizades “políticas” como facto consumado para o partido ou grupo que lidera convencendo-o, normalmente, com alguma intrínseca ou, quiçá, artificial ingenuidade, de táctica de captação de votos adversários.

É nesta linha de ideias que podemos analisar duas declarações de governos diferentes e de efeitos também diferentes e que têm de comum apenas o facto de nos surpreender. Então vejamos:

Num País que tem o FMI aqui mesmo atrás da porta – com a nossa dívida pública (120% do PIB sem contar a das empresas públicas) e sem riquezas naturais para hipotecar não é preciso ser-se adivinho ou bruxo para o saber; que tem uma taxa efectiva de desemprego jovem de mais de 30%; que tem um sistema educativo (núcleo fundamental de qualquer desenvolvimento sustentável) anacrónico e desqualificado – vide o nível dos nossos licenciados que são incapazes de escrever ou articular correctamente uma ideia em português, língua em que foram alfabetizados e instruídos; que luta com um índice de pobreza acima dos 20%; que tem um sistema de saúde carente de organização, de equipamentos e de valências fundamentais não só para a sua população como para o desenvolvimento do seu sector de aposta – o turismo – e responder com eficiência aos custos inerentes à natureza arquipelágica do País; que tem empresas públicas em estado de falência técnica; que aguarda para 2017 um serviço da dívida que deve roçar os 35 milhões de euros; que cresceu muito, é um facto, mas que não se desenvolveu pois ainda não provou a sua viabilidade económica, a sua sustentabilidade (ser capaz de viver sem donativos); e que sabe, logicamente, que tem uma capacidade de endividamento absolutamente limitada.

Pois bem, é neste País e nestas circunstâncias que vem o Governo recém-empossado, que nem tinha sido investido de poderes governamentais, declarar, pela voz de um dos seus membros, que por sinal, me é simpático e muito considero, como preocupação melhorar as condições dos combatentes da liberdade da Pátria, de gente que recebe neste momento, no mínimo cerca de sete salários mínimos como subsídio sem contar os outros benefícios e que nem sequer está no desemprego. Ninguém duvida que por detrás da tão ufanosa quão despropositada e descabida declaração estará uma agenda política (que configura virtual amiguismo ou mesmo nepotismo) que os eleitores do MpD desconheciam (ou desconhecem) e que não votaram.

Esperemos todos que para além de se concordar ou não com mais benesses aos combatentes da liberdade da pátria, haja bom senso e discernimento para se pensar primeiro nos doze meses de salários anuais dos funcionários públicos e dos pensionistas do Estado entre preocupações sociais bem urgentes. Não se trata de saber se a declaração do ministro tem peso (impacto) ou não no Orçamento do Estado, mas do sinal que dá do seu significado na hierarquia das prioridades do Governo.

Com toda a franqueza, isto não pode ser agenda do MpD!

Um outro exemplo que mostra a assumpção de declarações insólitas de efeito contrário mas não menos surpreendentes é a feita pelo PM cessante quando confessou publicamente estar a Administração do Estado toda partidarizada. Mau grado ser uma verdade de La Palice, ao ser dita pelo próprio PM parece ter sido um objectivo planeado e atingido. “Ufanar-se” deste feito depois de 15 anos ininterruptos de governação (mentor e executante) não parece curial. Ninguém percebeu os motivos que estiveram subjacentes a tão bombástica como surpreendente declaração. Tem aspectos masoquistas como também sádicos. Por um lado, porque a partidarização do aparelho do Estado só constitui objectivo, porque é seu fundamento, num regime de Partido Único sendo em democracia uma desavergonhada e inadmissível perversão. Por isto não deve o seu feito – e o PM seguramente que o não espera – merecer aplauso de nenhum democrata.

Por outro lado, pode ser um sério aviso para o sucessor antevendo e deleitando-se, a priori, e com algum sadismo, as dificuldades que um novel PM terá em desmantelar um edifício que ele orgulhosamente erigiu.

De todo o modo foi um péssimo serviço que prestou ao País com a promoção do regresso “democrático” a um passado de má memória em que se tinha que jurar lealdade e fidelidade ao PAIGC e depois ao PAICV para ingressar na Administração do Estado.

Caminhamos seriamente para uma porta muito estreita. É preciso tomar consciência das manobras adversárias. A defesa do Partido único pode começar a ganhar forma e assumir-se com uma outra dimensão: a dos partidos da governação não serem mais do que duas facções ou correntes dentro de um mesmo “partido” como alguns, jocosamente, já o adiantam.
Impõe-se, pois, uma séria análise nosológica do funcionamento dos nossos partidos políticos incidindo sobre as cumplicidades e as promiscuidades.

Confesso que a apresentação no Parlamento do Programa do Governo bem como a sua defesa trouxeram-me alguma tranquilidade, ao caracterizar um MpD fiel aos seus princípios fundadores e ao estabelecer uma clara e nítida dicotomia de programas, de projectos de sociedade e de objectivos entre os dois partidos da governação inclusive no de assumpção inequívoca da cabo-verdianidade.

Creio, e aqui reside toda a minha esperança, que as bases do MpD e os seus deputados, estarão atentos e não aceitarão qualquer aliança espúria e oportunista feita do topo para a base bem à moda do ‘centralismo democrático’.

A. Ferreira

Bandalheira – a ponta do iceberg

segunda-feira, 16 de maio de 2016
O Governo cessante deixou um rasto de bandalheira com efeitos sem precedentes na história recente de Cabo Verde. Os trágicos acontecimentos que abalaram o País – embora resultado de uma acção hedionda levada a cabo por uma mente tresloucada – infelizmente puseram a nú a desordem e a desorganização do Estado a um preço muito elevado (vidas humanas) e triste não são mais do que a irresponsabilidade que grassa nas nossas instituições.  Refiro-me não só aos militares assassinados, mas sobretudo, aos civis…

A bandalheira prossegue o seu caminho também na polícia que para desviar a atenção sobre a sua inépcia publicamente denunciada na captura do confesso assassino (cerca de 30 minutos para percorrer escassas centenas de metros) anunciou (televisão) com pompa e circunstância uma montra de produtos receptados como se isto encobrisse a vergonha da sua ineficiência. Exposição que “nunca” (digo-o com pleno conhecimento de causa) existiu constituindo uma ingénua manobra de diversão utilizando os media cuja finalidade parecia apenas, camuflar a péssima imagem que sobre ela tem o grande público da sua ineficácia e incapacidade endógenas. Até os burocratas da polícia fazem esperar (eventualmente para provocar a desistência) horas – fala a experiência – para registar uma queixa que, seguramente, outra consequência não terá (e nem se espera – ao que chegamos!...) do que meramente estatística.

Um amigo meu dizia-me: Livra-te de ter um acidente com um táxi ou com um “Hiace”… E, “ingenuamente”, ripostei-lhe: Porquê? Porque a probabilidade da viatura pertencer a um polícia ou um seu familiar muitíssimo próximo é enorme e com ela, a probabilidade, vem também a possibilidade na mesma proporção de funcionar o corporativismo, respondeu-me ele. E acrescentou: Para um bom entendedor meia palavra basta!... Apenas sorri… Que mais podia fazer?

Mas a bandalheira não fica por aí. Muita gente conhecida minha fala-me da ineficiência total dos serviços de urgência da HAN da Praia, e muito recentemente uma pessoa bem identificada, disse-me que “entrou” na Urgência do Hospital “Agostinho Neto” às 13 horas e só foi atendida às 3 horas da manhã. Como não acredito na negligência do pessoal de serviço, terei que obviamente responsabilizar a organização, a gestão do Hospital e as políticas de saúde.

E quando os media anunciam que a IFH – uma instituição de sucesso nos governos do MpD – está tecnicamente falida e que a dívida do seu Projecto “Casa para Todos” – um autêntico elefante branco – perante as empreiteiras, só na imobilização dos equipamentos e os juros acumulados está calculada em 22 milhões de euros, fica-se apavorado com o desvario que tomou conta do Governo anterior.

Em termos gerais refira-se que não é nada invulgar, aliás, é mesmo muito frequente nas repartições sermos atendidos por alguém a comer um pastel, a mastigar qualquer coisa, a digitalizar o aparelho que tem na mão sem sequer dar conta da nossa presença, ou a dar prioridade a uma chamada privadíssima que somos obrigados a seguir, deixando-nos especados à espera; e depois, muito cândida e displicentemente e com a maior normalidade nos diz que o fulano que trata destes assuntos não está!... É melhor vir mais tarde, ou amanhã! O que nos leva a pensar: E se o homem (ou mulher) não vier nem amanhã, nem depois…

Mas que dizer da bagunça que grassa lá pelos TACV, cujo passivo ultrapassa os 11 milhões de contos (cerca de 100 milhões de euros); e pelos desalojados da Chã das Caldeiras; e pelas obras públicas em construção; e pelo aeroporto da Praia, sobretudo nos dias de voo para os EUA?

Os sinais desta bandalheira não são de hoje e não são pontuais. Que esperar de um governo que se reúne com marginais? Quem se atreve a andar por aí (na Praia) depois das 8 horas da noite?

Qual é a taxa de sucesso dos frequentes assaltos, furtos, roubos e outras ocorrências criminais enfrentados pela polícia, inclusive judiciária? O único sector eficiente é a de caça de multas por estacionamento ou por falta de “documentos” que parece orientada para (apenas) o cidadão comum, aquele que normalmente cumpre. Em 10 – 15 minutos está um reboque pronto a remover uma viatura mal estacionada. Nisto está todo o zelo de toda a corporação. Não cede um milímetro que seja. E ainda bem! Sempre serve para alguma coisa

Falo da Praia – uma cidadezinha de cerca de 120 mil habitantes, situada no extremo sul de uma ilha e consequentemente com fronteiras (zonas de fuga) extremamente fáceis de controlar.

Se calhar, como acontece com as multas de estacionamento ou outras “rodoviárias”, teremos que estabelecer um prémio chorudo para cada vez que um polícia apanha um assaltante, um ladrão ou um delinquente qualquer, desde que não seja o “indefeso” pé-descalço de uma rixa que é quem normalmente serve de cortina para inglês ver. Ou seja, sempre que haja sucesso na solução de um problema, isto é, que o polícia cumpra o seu dever.

Mas toda esta bandalheira que está à vista, e se sente, não deve passar da ponta do iceberg… O grosso está por vir, está imerso, escondido debaixo do tapete. Aguardemos pelas auditorias, que se impõem, do Governo.

Torna-se, pois, absolutamente necessário que o actual Governo tome consciência desta situação para não se edificar sobre ela. Estamos à deriva, sem governo, ou, o que é pior, desgovernados há, pelo menos, cinco anos.

As expectativas que impendem sobre este novo Governo são enormes embora todos saibamos que o caminho não seja fácil. A satisfação dessas expectativas vai exigir dele muita coragem e muita determinação para liquidar o enorme polvo com os tentáculos espalhados por todos os lados e desarticular a teia montada. Não poderá o Governo deixar-se intimidar, retrair-se, com ameaças de revanchismo, de perseguição bem ao gosto do PAICV para sustar a mudança.

Votamos, de forma inequívoca, muito nítida e transparente, na mudança! Queremos MUDANÇA! Mudança significa não só novas abordagens, novos comportamentos, como novas equipas, novos protagonistas. Portanto, mudança de paradigmas, de políticas, de postura, mas também de PESSOAS. Tudo a bem de Cabo Verde e dos cabo-verdianos.

Mas cuidado: O exercício do poder em democracia respeita uma certa liturgia que é o seu espelho, a sua imagem, e que, se não deve confundir-se nem com a arrogância, nem com o autoritarismo, não deve igualmente representar o populismo demagógico.

 A.Ferreira

OBJECTIVIDADE PRECISA-SE!

quarta-feira, 11 de maio de 2016

 - M. Odette Pinheiro

Ser um comentador político imparcial não deve ser nada fácil. Especialmente em meios pequenos, em que a todos se atribui um rótulo conforme as suas opiniões. Se se elogia alguém, é-se do partido A; mas se se critica este, já se passou para o partido B. Assim, coitado daquele que quiser ser justo, elogiando ou criticando os que o merecem, sem olhar à cor política. E já que os políticos são também seres falíveis e não perfeitos, ora há lugar para elogiar um, ora há lugar para elogiar o outro lado, acontecendo o mesmo com a crítica.

Espera-se de comentadores respeitáveis que tenham um mínimo de objectividade e mantenham uma certa distância emocional das forças da sua simpatia. É como as pinturas. Não as devemos examinar quase lhes colando o nariz: veremos só borrões sem sentido e sem beleza, até nos afastarmos para ver o todo e podermos apreciar a sua grandeza.

Infelizmente, comentadores há que nos habituaram a que uns sejam sempre a subir e outros sempre a descer. Semana após semana já sabíamos, de antemão, o teor dos artigos costumeiros. Havia sempre uma constante: os líderes elevados a deuses são extraordinários, mereciam ad eternum as rédeas do país, mesmo quando perderam o norte e passaram a viver num país de fantasia, anunciando fantasias ainda maiores para daqui a parcos 14 anos.

Mas esses eram sempre a subir! Entretanto, o outro lado, apresentavam-no como que fadado a estar agarrado aos erros dos anos 90, que é verdade que os houve, sem admitirem que o tempo possa mudar as pessoas e os partidos, o que é por demais evidente quando ouvimos os pronunciamentos actuais dos que estiveram à frente do partido único. Se estes mudaram tanto, por que não mudaria um partido que teve a sua estreia a seguir a um tempo de grande sufoco, de modo que, como o pêndulo, o movimento natural (embora não o desejado) seria ir de um extremo ao outro?

O que esperamos agora é que o pêndulo se mova mais ao centro, corrigido o seu trajecto pela análise dos erros passados, o que creio foi feito quando o então ex-líder reconheceu que houvera arrogância e outros problemas que haviam determinado a derrota; o que ainda não ouvimos dos que agora perderam.

Por enquanto, a derrota deve-se, alegadamente, à abstenção, ao desgaste, etc., etc., não à maneira como decorreu a última legislatura: a tentativa de deslumbrar o cabo-verdiano com cenários virtuais, qual roupa do rei que vai nu, a negação dos problemas, a megalomania, a opacidade nos negócios do Estado, o clientelismo demonstrado por histórias em primeira mão que todos conhecemos, os concursos para tapar a boca mas dar emprego a quem se quer, a arrogância em não responder às perguntas pertinentes e aos pedidos de prestação de contas, a gestão sem seguir prioridades bem definidas, endividando o país em coisas que não  dão retorno adequado nem atempado, o mau exemplo no pagamento de dívidas e satisfação de compromissos, o discurso balofo, como se os cidadãos fossem mentecaptos.

Não, senhor, a vitória não foi suada, a derrota é que foi. Nós que havíamos votado a mudança em 2001 já não podíamos esperar para conseguir outra mudança. E se essa foi merecida, esta foi também mais que merecida. A bem do equilíbrio. A bem da sanidade mental. A bem de uma lufada de ar fresco. A bem de uma esperança. A bem de não nos tomarem por parvos. A bem de termos as coisas nas proporções devidas.

Por isso, que os líderes tenham aprendido com esta nova e bendita alternância. Dum lado e doutro. Porque, caso contrário, o povo saberá decidir. Pode ser enganado por algum tempo, mas não eternamente. Porque já se viu que os governantes têm a tendência de começar bem, mas depois deixar que se infiltrem males que paulatinamente se vão tornando doenças, fazendo com que um bom começo tenha um fim nada auspicioso. Já aconteceu duas vezes. Ficámos, assim, com ciclos de avanço e retrocesso tanto da democracia como da prosperidade, em vez de progredirmos continuamente.

Nada podemos exigir dos comentadores. Felizmente vivemos num país onde há liberdade de opinião: a minha e a de todos os outros. Cada um pode escolher o seu deus; cada um pode ter o seu fanatismo político; cada um pode fazer os seus juízos de valor. Mas o conteúdo desses juízos mostra a muita, a pouca ou a nenhuma objectividade de alguns julgadores, a ponto de alguns deverem ser considerados propagandistas, mais do que analistas. E de propaganda estamos fartos. Agora merecíamos um descanso, pelo menos até à próxima campanha eleitoral, que não estará muito longe.

Assim, não se critique o líder vencedor por ter tirado uns dias de merecido descanso e certamente de reflexão distanciada, após a vitória. Nem se queira adivinhar e pontificar sobre o seu estado emocional, o que só Deus e o próprio podem avaliar. Nem se diga que por se ter afastado do cenário não está a reflectir ou a trabalhar do seu modo: especialmente quando quem isto sugere nunca criticou o outro líder quando em plenas funções passava o tempo a saltar de ilha para ilha (uma vez foram três ilhas num só dia!) e de município para município, a lançar primeiras-pedras, a inaugurar chafarizes e tudo que podia ser inaugurado, a distribuir kits às crianças, tudo o que ministros, secretários de Estado, directores ou até entidades locais podiam fazer, com vantagens e menos despesas – até de lugar para lugar, na diáspora – levando muitos a perguntar: quando é que ele tem tempo para pensar, coordenar e dirigir o país? Mas era sempre a subir…

São Vicente não teve ministros, ou só teve um que a maior parte nem sabia ser de lá. Mas nós que reivindicamos para São Vicente aquilo a que tem direito, também compreendemos que um elenco ministerial não pode ser escolhido com base em distribuições territoriais. O primeiro-ministro escolhe o seu elenco numa base de confiança e de reconhecimento de capacidades, o que exige que conheça os que designa ou tenha deles referências sólidas.

E já agora digo o mesmo quanto ao género. Não vale ter paridade a todo o custo, escolhendo ministras fraquinhas e deixando-as continuar quando dão mostras de não terem arcabouço para o cargo (o mesmo com certos ministros). Pastas ministeriais são assunto demasiado sério para se tolerar a falta de competência, ou para se escolher com base no género. Discriminação positiva, só se tudo o mais for igual!

À UCID, que não se deixe complexar por palavras de menosprezo. Nós que prezamos a democracia gostaríamos de ver a UCID com um grupo parlamentar, servindo de fiel de balança quando a arrogância duma maioria quiser impor o que não é bom, ou quando houver obstrução a impedir que se legisle a bem do povo e do país. Por isso, força, UCID, que o caminho ainda é longo. Mas para o percorrer, por favor, não cometam o erro que cometeram aquando do Estatuto dos Titulares dos Cargos Políticos. Já poderiam ter os vossos cinco ou mais deputados!

Uma última palavra para o novo Governo. A maioria que em vós votou tem os olhos postos no futuro, confiando que a seu tempo os compromissos serão satisfeitos. Sabemos que não será do pé para a mão. As tarefas são gigantescas e levarão tempo. Mas precisamos urgentemente de uma avaliação real da situação do país. Como estão, realmente, as nossas finanças? A não devolução do IUR dos anos passados (a despeito de se dizer que a casa ficou em ordem), as estradas que, no interior de Santiago, desde Setembro ainda não estão consertadas, fazem-nos pensar! Qual a situação real da TACV? O poço tem fundo? E o dinheiro da Chã das Caldeiras, está lá? Ou já foi “gasto” nas tais cestas básicas de 30 000 escudos? Etc., etc.

O país precisa de auditorias gerais e completas, para se avaliar o estado financeiro da Nação. Poderá haver esqueletos escondidos, ou lixo debaixo do tapete. Os últimos anos pareceram ser muito de fazer-de-conta. Precisamos conhecer o verdadeiro novo ponto de partida. Precisamos também de uma revisão dos contratos e nomeações dos últimos meses para avaliar se foram feitos por mérito, nepotismo, amiguismo ou partidarismo. Isto não é revanchismo, é bom senso. Um país com tantas fragilidades não se pode dar ao luxo de contratar sem ser na base da competência. Somente encaixar pessoas é absolutamente inaceitável!

Ao líder, desejamos sucesso a bem desta terra. E não se preocupe com os que parecem brincar, numa crítica mal disfarçada, por pedir a Deus que o livre da doença do poder. As Escrituras ensinam que se peça a Deus sabedoria, que é muito diferente de conhecimento. E se mais sabedoria tivesse havido no passado, muito melhor estaríamos. Que seja ouvida a sua oração e a de muitos que pedem a Deus por si e pelos seus colaboradores, por verdadeiro amor a Cabo Verde.
M. Odette Pinheiro

O TEATRO É UMA PAIXÃO – A VIDA É UMA EMOÇÃO

sexta-feira, 6 de maio de 2016
de Valdemar Pereira
 
Há livros que não podem, e nem devem, continuar na sombra.  São livros que devem estar na ribalta e com  projectores de farta luz, incindindo sobre eles.

Pois bem, «O Teatro é uma Paixão – A Vida é Uma Emoção» de Valdemar Pereira editado em 2010, é precisamente um desses livros! Merece escaparate bem visível, e leitura proveitosa.

Trata-se de um  documento rico e que nos traz de volta – numa prosa elegante  de fácil e escorreita leitura –  uma época da ilha de S.Vicente, da cidade do Mindelo, sem dúvida, a capital de então, do espectáculo e da cultura do Arquipélago.

São memórias escutadas umas, e  entusiásticamente participadas pelo autor, outras, de uma era que vem datada no livro. O autor situou-as  como compreendidas  entre meados dos anos trinta, e os anos 50 do século XX.
A partir dos anos 50, sobretudo, os eventos culturais, com especial destaque para os do Teatro,  e do desporto, descritos no livro, já foram vividos e testemunhados em directo pelo autor/narrador.
 
O livro compõe-se fundamentalmente de duas partes muito bem documentadas com textos do autor e fotografias já históricas de gente, de eventos e de espectáculos que marcaram a vida “rumorosa e variada” – no dizer do poeta Jorge Barbosa – ou seja, a vida cultural e desportiva da bela cidade portuária que era Mindelo dos anos 40 e 50 do século XX. As fotografias que acompanham os textos, já raras e valiosas, repito, retratam e transmitem-nos um tempo que foi profuso em acontecimentos endógenos, criados pelos próprios mindelenses e, intensamente vivido pelos seus participantes.
 
Li-o – o livro – com alguma inquieta curiosidade a princípio, que depois se transformou em interesse crescente de leitora que, com agrado, o seguiu até á última página.
 
Como acima disse, o livro pode ser dividido em duas partes, sendo a primeira a vida teatral de Valdemar Pereira, membro activo, actor/apresentador do grupo cénico do Grémio Castilho, na qual descreve as peças representadas, as peripécias vividas, por ele e seus companheiros de palco. Conseguimos visualizar, numa sinestesia empolgante, a cidade frenética, cheia de vida, cor e de movimento de então, em que gente ilustre e mais velha “acamaradava-se” no bom sentido, com os mais novos que demonstrassem talento e empenho. E era esse o caso. Assim temos poetas e dramaturgos, como Sérgio Frusoni, Gabriel Mariano, Jacinto Estrela, para além da figura tutelar de José Lopes, entre muitas outras figuras emblemáticas da cidade entre as quais, de músicos, de compositores e de desportistas, que Valdemar Pereira cita e que o leitor os percebe não só a circular pela cidade, mas também, no seu dia-a-dia, social e citadino.
 
De entre eles, o autor destacou naturalmente aqueles que ajudaram  mais directamente a erguer a cena do teatro de Castilho, não só pelas  peças escritas, pela música composta  expressamente para o Conjunto Cénico Castilhano, como também pelo  ânimo e encorajamento que davam aos jovens artistas que nele activa e generosamente participavam. O entusiasmo dos organizadores, dos actores, dos músicos e a notoriedade dos autores que escreviam as peças para o grupo teatral, tudo conjugado, redundou em grande sucesso que enchia a sala de público curioso e interessado, quando o grupo actuava. O facto é que o sucesso do Conjunto Cénico Castilhano foi tanto, que não se limitou a usar apenas a sala do seu Grémio; representou igualmente no famoso Eden-Park, que tantos e bons espectáculos acolhia na época. Disso tudo Valdemar Pereira nos dá conta no seu livro.
O interessante é que tudo começou com o grande desejo do autor em reerguer a equipa de futebol, outrora existente e de boa fama, no Grémio Castilho e que desaparecera quando o autor entra para a vida associativa do Grémio. Para levar a bom termo o intento, arregimentou alguns companheiros. Portanto, a criação do grupo cénico, serviu em primeiro lugar, para angariar fundos com os espectáculos subsequentes para reactivar a equipa de futebol do Castilho.
Mas o leitor vai compreendendo à medida que avança na leitura do livro de que o “bichinho” do teatro acabou por ganhar, cimentar vida própria e afectar de forma apaixonada os seus participantes.
 
Como já referi, esta obra fala-nos à memória e à emoção. As histórias são contadas de forma convincente, real e cheias de uma tal emoção que por vezes a sua escrita se entronca na prosa poética.
 
A atenção do leitor é chamada a verificar o simbolismo da estruturação da obra, em «Actos» – tal como se de um  teatro se tratasse – a vida afinal, é também um grande palco cheio de vicissitudes várias.
 
Passando agora aos capítulos em que a obra se divide, o leitor encontrará o «Acto I» com o sub-título «Iniciação ao Teatro Castilhano», abrangendo toda a actividade teatral, saraus/espectáculos, e grandes eventos desporitvos desenvolvidos por aquele grémio associativo e produzidos em Mindelo também por outras congéneres, (de que são exemplos os Grémios, ou Associações  «Amarante» e «Académica») entre 1948 e 1954.
 
De caminho e de permeio, temos uma série de informações importantes e altamente ilustrativas de como era a vida das gentes do burgo mindelense. As fotografias insertas no livro, documentam e complementam fartamente, a época descrita.
 Na mesma linha, «Acto II» Aqui agora, inicia-se a segunda parte do livro, com a  emigração do autor/narrador para Dakar.  Mudança de vida. O grande palco agora é em Dakar, no Senegal. Assim o intitulou: «Mudando o Cenário para Dakar». E daí conta-nos, não só o prosseguimento da actividade teatral que antes, em Mindelo, sob o signo dos «Clandestinos no Céu»  e dos «Clandestinos na Terra»  célebres peças marcantes para a grande e exitosa estreia e actuação do Conjunto Cénico Castilhano. «Clandestinos no Céu» de autoria de Gabriel Mariano – um dos nomes maiores da Literatura e cultura cabo-verdianas – que Valdemar Pereira havia encenado e dirigido como revista teatral, com os companheiros do Grémio Castilho, via-se agora  transposta para uma sala do Theâtre du Palais da capital senegalesa.  Apresentou na mesma sala, a opereta “Cuscujada,” de Sérgio Frusoni, “Guarda-Cabeça,” entre outras peças. Tudo isso feito com arte e muita dedicação que se percebem numa discreta descrição do livro.
Continuando, Dakar conhecia à época, uma numerosa e activa comunidade cabo-verdiana. E no livro, Valdemar Pereira faz a narração histórica e social, da vida da nossa comunidade naquelas paragens africanas, como também nos dá conta de como se movimentavam politicamente os “actores” (no Acto III) nos inícios da agitação política/partidária independentista para Cabo Verde e para a Guiné.  Em suma: dos vários movimentos políticos que na capital do Senegal, tumultuosamente, buscavam protagonismo. Vale a pena ler, pois Valdemar Pereira disso participou em directo, como espectador atento e interessado, dadas a sua condição de cabo-verdiano e as funções que desempenhava nos serviços diplomáticos de Portugal no Senegal.
Creio tratar-se de um registo histórico interessante e válido, da vida da comunidade cabo-verdiana no Senegal.
Os últimos capítulos do livro, são dedicados aos outros grupos cénicos que os houve em S. Vicente, e aos perfis dos poetas, dos músicos, dos cantores e dos artistas, distinguidos pelo autor, como seus preferidos. Igualmente, a parte final do livro reconta muitas histórias  reais da sua vida profissional e pessoal, sucedidas ao longo do tempo, e  dispersas por algumas partes do mundo, onde viveu. De caminho, algumas atribulações, como Valdemar Pereira tão bem, no-las descreve.
Para terminar este escrito, registo aqui uma sumaríssima apresentação do autor do livro «O Teatro é uma Paixão – A Vida é uma Emoção».
Valdemar Pereira nasceu em Mindelo, ilha de S. Vicente em 1933.  Aí cresceu, jogou futebol, fez teatro, e fez naturalmente, os seus estudos primários e secundários. Também é na sua cidade natal que teve o primeiro emprego, no antigo Telégrafo, onde o pai fora antes empregado.
 Emigra para o Senegal em meados dos anos 50. Em Dakar exerce a função de Secretário e de Vice-cônsul da representação diplomática portuguesa naquele país. Desenvolve grande actividade cultural e recreativa, junto da comunidade cabo-verdiana e portuguesa em Dakar.
 Mais tarde, transferido para Madagáscar, já nos anos 60, ocupa o mesmo posto nos serviços diplomáticos de Portugal. Sempre com louvor e reconhecimento pelo seu desempenho profissional. Foi fundador e Presidente por largo tempo, da Associação France/Portugal.
 
Actualmente aposentado, vive em França, na cidade de Tours.
Temos de agradecer a Valdemar Pereira, este nosso compatriota que não quis deixar no mal-afamado limbo do esquecimento, parte importante da história da então mais destacada cidade cultural cabo-verdiana, Mindelo. Famosa pelo seu porto e igualmente nomeada pelos seus artistas, escritores, poetas, músicos, actores.
Com efeito, a cidade do Miindelo teve uma época, de há muito lembrada saudosamente, naquela linha poética de Sérgio Frusoni: “sanvecente um tempo era sabe...”
Recomendo de todo a leitura desta obra.
 P. S - À guisa de informação, o livro «O Teatro é uma Paixão – A Vida é uma Emoção», encontra-se à venda em S. Vicente no «Coté Bazar» na Rua Senador Vera Cruz. Em Lisboa no «Etnia» cujo endereço electrónico é o seguinte: etnia@etnia.org.pt
Mesmo, mesmo para rematar, aviso ao putativo leitor  de que o produto da venda da obra destina-se “a fins de soladariedade para ajudar os «meninos de rua» da ilha de S. Vicente como se pode ler na contra-capa do livro.
quarta-feira, 4 de maio de 2016

Registo aqui uma oportuna informação historicamente verificada de Gilda Barbosa sobre o ascendente ilustre,Bartolomeu Vieira de Vasconcelos, sobre quem no artigo anterior, interroguei a razão da vinda dele do Reino para a ilha do Fogo.

Eis o esclarecimento:

 “(...) 

1-Bartolomeu Vieira de Vasconcelos era Capitão (os graus militares da altura não coincidem com os atuais), parece ter vindo de Lisboa e foi Capitão-mor do Fogo. Casou com Maria Teresa Barbosa Rebelo, já foguense e bisneta paterna do Capitão Amaro Monteiro Rebelo.

 

2-Amaro Monteiro de Rebelo, natural de Lisboa, Capitão (???) para o Fogo, onde casou com Maria Fidalga das Donas, já foguense, filha de Filipe Correia da Sllva, Capitão e de sua mulher Inês Barbosa de Andrade. Do Amaro Monteiro de Rebelo sairam os ramos Sacramento Monteiro e Monteiro de Macedo.

 

Quase todos os que vieram de Portugal foram enviados pelo Reino para ocuparem cargos na ilha ou simplesmente para viverem e povoarem.

 

3-João de Araújo Gomes, de onde vieram muitos ramos, era natural do Reino de Portugal, veio ao Fogo em 1784, residiu no Fogo e desempenhou vários cargos na Guiné Bissau e no Fogo. Com a autorização do Reino, foi o fundador da Cova da Figueira, onde construiu uma Igreja.

 

4-O apelido Barbosa é um dos mais antigos. O primeiro a usar o apelido foi D. Sancho Nunes Barbosa, filho do conde D. Nuno de Celanava. O apelido veio da Quinta de Barbosa, na Freguesia de S. Miguel das Rãs. Apoiavam D. Pedro contra D. Afonso, que ganhou na batalha de Aljubarrota. Depois, motivos políticos originaram a dispersão da família Barbosa que assim chegou também a Cabo Verde.

 

5-A família Vasconcellos é possivelmente originária do Reino de Leão. João Perre de Vasconcelos, neto de Martins Moniz, foi o primeiro a usar o apelido. Alguns passaram para a Madeira, onde casaram com os Medina, originário da Espanha, dando a família Medina e Vasconcelos, tendo Teodoro Felix de Medina Vasconcelos vindo para o Fogo com a esposa Ana Joaquina Rosa Santos.

 

6- Houve um que chegou ao Fogo, vindo do Reino, por ter havido um naufrágio no sítio de «Ruprera» e, em vez de seguirem para o Brasil como desejavam, aqui ficaram. Este era um Távora, que fugia das perseguições em Portugal, tendo suprimido o apelido ficou a chamar-se Marcelino José Lorge Henriques. Vinha acompanhado de um cavaleiro da casa real, José Cláudio Mendes Rosado e de sua esposa Isabel Caetana da Fonseca, naturais do Algarve. Marcelino viria a casar com uma filha deles, Maria do Monte Fortunata Mendes Rosado. Marcelino desempenhou o cargo de Capitão-Mor do Fogo e um dos filhos de José Cláudio, João Carlos Mendes Rosado foi o povoador da ilha de S. Vicente.

 
Aa origens não vieram só de Portugal mas também da Espanha: família Roiz; Nozolini e Rian, originários, respectivamente, da Itália e França, vindos de Tenerife, onde residiam na altura, Spencer, etc., etc..

 Depois dá uma série de combinações, através de casamentos. (...)

 (...)

com a amizade da

 Gilda

Carolino do Sacramento Monteiro

segunda-feira, 2 de maio de 2016


- Poeta foguense do século XIX -

Sobre este poeta foguense pouco sabemos. Deixo aqui ao leitor, alguns dados biográficos e notas informativas com interesse, que me foram gentilmente transmitidos, pela minha querida amiga e familiar, Gilda Marta Vasconcelos Barbosa, matemática de formação, intelectual  de grande probidade e isso reflecte-se na sua escrita. Guardiã do legado bibliográfico dos seus ilustres ascendentes. Co-fundadora - ao lado de Monique Widmer - da Casa da Memória, situada na cidade de São Filipe.

Entrando agora no tema que intitula este texto, começaremos por informar que  Carolino do Sacramento Monteiro, nasceu em S. Filipe,  na ilha do Fogo a 21 de Abril de 1866, filho de gente grada e de sobrado da cidade.

Em Lisboa, fez  os estudos superiores em Agronomia. Engenheiro Agrónomo, de profissão, trabalhou em Huíla, Angola.

Seguiu a linha anarquista. Não reconhecia instituições. Teve uma companheira de origem sul-africana, Martha Atleta Maria Akkerman, com quem teve quatro filhos.

A morte deve ter ocorrido em Lisboa, de regresso da sua estada profissional em Àfrica. Dos dados recolhidos faltou o registo do ano do seu passamento.

De acordo com Gilda Barbosa, um dos filhos do poeta, terá visitado a ilha do Fogo.

Nota interessante. O poeta Carolino do Sacramento Monteiro, partilha com Henrique Vieira de Vasconcelos, romancista, poeta e contista, o ascendente comum que veio de Lisboa para o Fogo - possivelmente no século XVII ou XVIII - Bartolomeu Vieira de Vasconcelos -  (Fidalgo? Eventualmente pertencente aos “banidos do reino”? Mandados para o Fogo,  por terem caído nas más graças de sua majestade?)  Não se sabe. O certo é ser ele o ascendente masculino, que se terá ligado com mulher do Fogo e que deixou boa descendência, sendo Carolino seu neto e Henrique seu bisneto.

Um breve parêntese para falar sobre Henrique de Vasconcelos. Este escritor Nasceu em S. Filipe, ilha do Fogo, em 1876 e faleceu em  Lisboa, Portugal em 1924. Licenciou-se em Direito, ple Universidade de Coimbra e foi Director–Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Representou Portugal em Legações e Missões diplomáticas, em vários países.

Tal como Carolino Monteiro, Henrique de Vasconcelos tem a sua origem na burguesia local, foguense, classe social que era formada por alguns altos funcionários públicos, proprietários, comerciantes e armadores locais e que esteve tradicioalmente bem assente na ilha, sobretudo na cidade de S. Filipe, como elite, terra-tenentes, e como chefia das instituições públicas da ilha, até ser intencionalmente desestruturada com a chegada dos novos senhores de Cabo Verde, em 1975.

 Retomando, Henrique de Vasconcelos. prosseguiu os estudos superiores em Portugal e aí se manteve, uma vez que fez carreira diplomática. Terá sido detentor de uma vasta biblioteca, pois foi um importante bibliófilo. Romancista, Contista e poeta. Autor de entre outras, das seguintes obras: «Flores cinzentas»  Coimbra, 1893. «Os Esotéricos» Lisboa, 1894 «A Harpa de Vanádio» poesia (Coimbra, 1894);«Amor Perfeito», poesia (Lisboa, 1895);«A mentira vital», conto (Coimbra, 1897); «Contos novos» contos (Lisboa, 1903); «Flirts» contos (Lisboa, 1905); Circe, poesia (Coimbra, 1908); e «Sangue das rosas», poesia (Lisboa, 1912) .

Fecho o parêntese e regresso ao poeta Carolino Monteiro, sujeito e protagonista do nosso texto de hoje.

Em mãos e a ser analisado, o  “4º livro” manuscrito, que o autor intitulou, na capa: «Poesias, 1887-1888-1889» Na folha de cobertura diz: “Lágrimas e Sorrisos” Lisboa, Junho de 1888. Assinado, Carolino Monteiro. São 70, o número de poemas que o volume contém.

 Constitui uma espécie de caderno, onde ele escrevia e guardava os poemas que ia publicando em diferentes periódicos, jornais e revistas., anotados em rodapé, do mesmo caderno/livro. Assim, o poeta cita, o jornal «Gazeta de Notícias»; a revista «Illustrado», «O Santareno», «Notícias do Norte» entre outros períodicos citados no livro em análise.

Ora bem, se existe um 4º livro, significa que três outros o precederam. Tanto assim é que Gilda Barbosa, me informou de que ela possui  também o 3º livro e só não mo enviou, dado o mau estado do volume e a já adiantada inelegibilidade dos textos, resultados de danos ao longo de 130 anos. Se tivermos em conta que os poemas redigidos tiveram início em1886. Por onde andarão já os dois primeiros livros?...

Atenção que todo este acervo de livros e de documentos, hoje bem conservados pela actual proprietária, a nossa Gilda Marta, só lhe chegaram às mãos como herdeira, após o passamento dos ascendentes que os possuíram originalmente.

Logo, muitos deles apresentam já os traços e as “traças” do tempo muito destruidores dos papéis.

De seguida transcrevo alguns poemas do livro 4º «Poesias» de Carolino Monteiro.

 Pois bem, o grande interesse destes textos residirá também na sua vetusta antiguidade,(perdoem-me a redundância) dentro da nossa Literatura.

  O poeta, Carolino Monteiro seguiu a linha da escola poética romântica portuguesa, naturalmente. Embora o romantismo português venha datado de cerca de 1770 (início) a 1865 (data da Questão Coimbrã, e que marca a entrada do Realismo na Litertura portuguesa) o romantismo conheceu várias fases ou períodos evolutivos ao longo do tempo. A escola romântica permaneceu muito mais tempo na poesia - para além da Questão Coimbrã, 1865 -  do que na prosa ficcionista.   

Assim, melhor colocariamos os poemas de Carolino Monteiro, como já moldados pelos cânones  ou, pela estética do Ultra-Romantismo. O «eu» lírico, destaca-se e apresenta-se na singularidade dos  seus sentimentos e das suas emoções.

Eis, pois, como o poeta se apresenta. Por sinal sob forma cómica, galhofeira e algo irónico com ele próprio. Usando trocadilhos, traça o seu auto-retrato. Mas, ao mesmo tempo, não se furta em nos dar conta dos seus sentimentos.

(...) Mas quem sou, perguntarão?

Parece-me até escusado fazer minha apresentação.

Sou conhecido no mercado

Sou o arroz, - o carolino,

Por sobrenome, Monteiro.

Sou maior, estudante e solteiro.

Não digo a minha morada

(não pensem que sou vadio)

Pois sou qual lua adorada

Que pelo espaço etéreo e frio

Vai mudando todos os meses.

Sou atacado muitas vezes

De grande bolha e mania

Faço ginástica e poesia,

e danço com toda gente.

(...) (quase ilegível, o verso, imediatamente a seguir pois que riscado.).

Tenho também geralmente por longo hábito fumar

Sou bom rapaz, não desfazendo

Alguém que me está escutando.

E oh! Que horror!

Tornando meus gargarejos

Em longas gargalhadas.

Não peço a ninguém beijos

Com receio de não mos darem...”

 

  Lisboa,Illustrado,14-3-1889.

 

A ironia e a fina graça aqui expressos neste excerto de um poema:

(...) “Eis-me aqui, pois, condenado

Ao maior sofrimento!

Disse que não me fez rogado,

pois não ouviu os meus lamentos.

V.excias. pedem que o Senhor Carolino recite

Uma poesia encantadora.

Ah! Não sei, juro minha Senhora,

Não sei recitar, acredite.

- É modéstia, ora vá, sim? –

O que há de fazer a gente

Quando os lábios carmisos

Pedem tão ardentemente?

Que força e que atrações

Não têm os nossos corações...

 

Levanto-me atrapalhado

Contrafeito e esquisito

Como um jovem namorado

Que nem sequer tem um dito

Um filão, um galanteio delicado

Para dizer à sua dama.

(...)

Vai servir pois de espantalho

De bobo e de ave (...)

Em pé no meio da sala

Ninguém fala...

Faz-se silêncio enfim.

Sei que lá por dentro

Todos se riem dos meus modos

E disfrutam-me calados.

Confesso: exponho-me aos sorrisos delicados...

Depois de fazer poesia sem graça e sem entoação

Recresce a ironia...”

1889. «Illustrado»

Para terminar o feixe irónico e trocista de que é feito também a poesia de C. Monteiro, segue  o poema, “Casamento”

Eu não caso contigo pelos teus olhos

pretos como o carvão,

nem tão pouco, pombinha idolatrada,

pelo teu santo e nobre coração.

Eu quero ser honesto e verdadeiro,

De abusar não pretendo da alma tua,

- Aí vai a verdade, nua e crua –

Caso contigo pelo teu dinheiro.”

Lisboa, Dezembro de 1887.

«Notícias do Norte»

Dos três poemas transcritos, o leitor apercebe-se - como  se de recorte dominante se tratasse nos  versos de Carolino Monteiro - desta forma de riso, de um certo gozo, e de auto-complacência irónica que o poeta faz de si próprio.   Continuamos a ter essa mesma atitude escarninha de si mesmo  e com relação por vezes a outrem, em outros poemas presentes no volume.

No meu entender, o poeta deixa subentendido com isso, um auto posicionamente inteligentemente assumido de que a sátira mais mordaz, mais contundente, ainda que dirigida a outro (s) destinatário(s), deve-se apresentar antes de mais, a retratar simbolicamente o «eu» do poeta.

 Antes de prosseguir com as transcrições dos poemas que escolhi para ilustrar o texto, faço notar ao leitor que tomei a liberdade de passar os versos, orignalmente escritos  na ortografia oitocentista, para a grafia actual (Claro, que em desacordo com o descaracterizador Acordo Ortográfico, em vigor).

Há também e com alguma intensidade, a faceta lírica propriamente dita, na poesia de Carolino Monteiro. O poema que a seguir se transcreve é disso ilustrativo.

       “ Amor romântico

 
Amo uma deusa de olhos deslumbrantes

de lábio de coral, formoso e breve

de tranças cetinosas, ondulantes

de lindos dentes, brancos como a neve.

 

Quando sorri, uma alegria amena

também me inunda o cálice da vida.

Mas se me foge esta visão serena

a minha alma anoitece constrangida.

 

É um bijou de graça e formosura

a sua boca fresca e pequenina,

quero sorver dos lábios a frescura

qual doida abelha em rosa purpurina.

 

Eu sou para ela, a noite fria, escura,

causo-lhe dó como quem pede esmola;

ela é para mim a aurora que fulgura

o bálsamo sagrado que consola!

 

Ela é qual rosa, vicejante e bela

que vive à luz e aos beijos da alvorada!

Eu, triste violeta tão singela,

apenas vivo à sombra do meu nada!

 

Se peço o aroma da mimosa crioula,

a casta luz do seu olhar bendito,

foge-me a visão casta e de granito.

……………………………………………………..

Eu sou qual planta que na sombra estiola!”

 

Lisboa, 24 de Março de 1887

In: «Santareno».

 
Caro leitor, termino este escrito, não sem antes dizer que gostaria de puder dar a conhecer mais outros poemas deste poeta pouco conhecido entre nós, e aqui afinal  deixou um bom número de poemas,  mas confesso que tenho alguma dificuldade em transcrevê-los com o rigor necessário e a certeza de que não estarei a adulterar o sentido dos versos, uma vez que estão manuscritos, com tinta antiga pela qual o tempo passou e desbotou. Uma caligrafia cuidada é certa, mas do seculo XIX e que tentei transcrever para a escrita actual. Espero que  este breve informe sobre o poeta Carolino do Sacramento Monteiro, seja aumentado e completado por outrem que disponha de mais dados.