terça-feira, 25 de maio de 2021

 

 

Dia de África

Hoje celebra-se mais uma efeméride.  As celebrações devem sempre levar-nos a evocar os aspectos e as realizações positivas. Mas, infelizmente, de positivos ficaram apenas a gesta das independências e as eventuais boas intenções dos chamados libertadores de África. A realidade posterior tem sido o desastre que ainda hoje se assiste.

Que contas de negregrura”? disse um dos pastores/personagens do «Auto de Mofina Mendes» do grande dramaturgo português Gil Vicente, séc. XVI, quando a protagonista, Mofina Mendes, apresentava ao amo, o resultado da não venda dos ovos na feira, pois que ela os havia deixado cair e quebrarem-se todos, durante a dança que fez na feira.

 Observação: na Língua portuguesa do século XVI, “contas de negregura” significavam: “más contas”. Esclarecido o aparente trocadilho e, teatro aparte, vamos à realidade africana actual, não sem antes questionar:

"Mutatis mutandi", serão estas as contas que os governos africanos apresentam hoje aos seus compatriotas, passados que são 58 anos sobre a criação da OUA e do Dia de África?

De acordo com as palavras do Filósofo moçambicano Severino Ngoenha sobre o Continente africano no século XXI; afirma ele que as independências não significaram desenvolvimento para os países independentes há mais de cinco décadas. E muito menos desenvolvimento e bem-estar para os seus povos. Acrescenta este pensador, que África regrediu em quase tudo. A economia não é redistributiva apenas contempla os seus governantes - logo, a corrupção grassa no meio dos governantes e de uns poucos que à volta deles gravitam – E eles constituem-se como autênticas “tribos económicas”.

Segundo, Ngoenha, “o único índice de desenvolvimento que África apresenta é na demografia”. Nesta parte, bate os recordes. Mas falta saúde e educação para este significativo “boom” demográfico africano.

 A chamada “africanidade ficou na idade infantil. Não somos respeitados, não nos fazemos respeitar. Vivemos do que nos dão os outros… até para sustentar o Orçamento do Estado! Esperamos pelas ajudas internacionais" pelas “sobras” dos outros…continua Severino Ngoenha.

Esta é a realidade da generalidade dos países de África de hoje. E a pandemia, infelizmente, pôs mais a nú as fragilidades (veja-se a espera das vacinas) deste Continente…

Eis um retrato honesto, rigoroso e severo do Continente africano, dos nossos dias, feito por uma das cabeças mais lúcidas e estudiosas do verdadeiro drama do Continente africano.

Espreitando agora um problema actualíssimo que mais não é do que uma verdadeira tragédia, interrogamo-nos:

Que dizer das centenas de jovens e de crianças que arriscam a própria vida em fuga, em barcaças ou, a nado, criando problemas complexos aos países forçados a acolher milhares de jovens africanos em busca do “eldorado” europeu? Que respostas para a maioria destes jovens que dizem sem titubear, que preferem “mendigar na Europa do que regressar e viver no país de origem”? Como explicar-lhes o sentimento de amor e de apego à terra de origem se se expressam desta maneira?...e quem lhes retira razão? Qual o futuro de África?

Infelizmente, há muito que me declarei afro-céptica. Pois, o que me é dado observar no tempo em que vivo, não me facultou oportunidade de ser outra coisa, pois que me sinto  desiludida e lograda quanto ao progresso de África.

Afinal, foram estes, os pensamentos que me ocorreram hoje, Dia de África, e que aqui deixo registados.

 

 

Por ocasião da Semana da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP 5/12 de Maio de 2021

sexta-feira, 7 de maio de 2021


  Escolhi e subordinei o meu tema, para a celebração da Lusofonia e da Cultura na CPLP,  às “inquietações” reflectidas na poesia de alguns poetas das ilhas de Cabo Verde, e, no caso em apreço, na poesia dos poetas mais emblemáticos, e que pertenceram à geração da «Claridade» movimento literário iniciado em 1936, na ilha de São Vicente, mais propriamente na cidade do Mindelo.

E foram diversas as “inquietações poéticas”. Mas as mais aprimoradas nestes poetas, foram a “inquietação marítima,” e a “inquietação social” bem definidas num pequeno/grande ensaio de Gabriel Mariano,(1928-2002) também ele, poeta  maior destas ilhas, e pertencente à geração bem posterior à da «Claridade». O ensaio é intitulado: «Osvaldo Alcântara – o Caçador de Heranças». – Ponto & Vírgula edições, 1991.

Ora bem, achei o ensaio extremamente interessante e elucidativo sobre estas duas inquietações. Daí, ter-me dele valido, para consubstanciar este meu escrito.

Mas antes ainda dos poetas da geração de «Claridade», tivemos  a  “inquietação amorosa” em que o exemplo mais acabado foi o poeta e famoso autor de belas mornas, Eugénio Tavares. Natural da mais pequena ilha habitada do Arquipélago de Cabo Verde, a ilha Brava. Eugénio Tavares, a quem muitas vezes chamámos de o Camões destas ilhas, poeta da última década do séc. XIX. Trata-se sem dúvida, do mais representativo poeta da “inquietação amorosa”.   É que Eugénio Tavares cantou o Amor de forma vocativa, clamativa, é sentimento sempre presente nas suas composições. Com grande frequência  E. T. apresentou o amor nos seus poemas, como fonte de grande sofrimento para o sujeito poético, o qual, é totalmente subjugado por este inquietante e perturbador sentimento. A sua lírica, foi disso reflexo.

Interessante é que, Eugénio Tavares considerou o amor maior do que o próprio Deus ,que é já de per se, imensurável. O exemplo mais ilustrativo disso encontra-se bem expresso na morna «Força de Cretcheu» em crioulo da Cabo Verde, Força do Amor, sendo o  vocábulo “cretcheu”, numa tradução aproximada,  de aquele ou daquela que se quer muito cre= querer tcheu= cheio, pleno, muito. Logo uma forma aglutinada do “querer muito”. Ora bem, o poeta sintetizou nesta composição, o seu entendimento sobre a grandeza do Amor, sobre os seus males, mas também sobre as delícias causadas pelo mesmo amor.

    Retomando o já referido trabalho de Gabriel Mariano, cujo título : «Osvaldo Alcântara - O Caçador de Heranças» foi buscado num poema homónimo de Osvaldo Alcântara.  Pois bem, Osvaldo Alcântara é o pseudónimo poético de Baltazar Lopes da Silva um dos mais renomados intelectuais e dos mais famosos homens das Letras cabo-verdianas do século XX. Autor do romance «Chiquinho», romance emblemático da geração do movimento literário «Claridade». No entender de Gabriel Mariano, Osvaldo Alcântara define-se como poeta «Caçador de Heranças» pois que, no seu poema homónimo, o sujeito poético justificou o facto de ter acompanhado o enterro de um capitão das ilhas, não foi por outro motivo, se não pelo facto de, ele, o sujeito poético, ser um “caçador de heranças,” ”Morreu hoje o capitão de um navio das ilhas.// Não foi porque ele era bom / e puxava afectuosamente o fumo do seu cigarro/ quando falava comigo/ que eu fui ao seu enterro. // Fui ao seu enterro porque sou caçador de heranças /e queria confessar a minha gratidão / pela riqueza que ele me deixou, / pela sua dimensão desmesurada do mundo / e pela sua incorporação no veleiro/ em que todos navegamos.” Heranças recolhidas, o poeta depois  as reelaborará e renovará  - aqui entendidas como metáfora de palavras sábias -  recebidas em vida do capitão de um navio das ilhas, e  que o poeta transformará em preocupações sociais que irão alimentar e sustentar  quase toda a sua poesia.

Assim, Osvaldo Alcântara ganhou o título de poeta da “inquietação social”, no dizer de Gabriel Mariano. Aquele  que se solidariza com o mais desprotegido dos seus semelhantes; que renuncia benesses em nome dessas «preocupações sociais»; que demonstra disponibilidade para seguir o trilho da “rebeldia e da libertação” do Homem nas suas várias e complexas dimensões. Poeta e guia disponível, Osvaldo Alcântara, reitera a disponibilidade para a luta no verso: «Tudo é estrela na minha prisão» do  poema «Deslumbramento», e através de duas figuras “prisão” e “estrela” que aqui ganham a um tempo, uma significação  antitética e uma aproximação oximora, o poeta alinha com os desprotegidos de sorte...

Ancorando-me de novo, no ensaio de Gabriel Mariano, ele definiu igualmente os poetas Jorge Barbosa (1902-1971) e Manuel Lopes,(1907-2005) como poetas de “inquietação marítima” e que a poesia destes dois autores, reflectiu as relações que o ilhéu cabo-verdiano estabeleceu com o mar. Ora o mar “a cinta que aperta” o ilhéu, ora o mar “convite para a terra-Longe”, ora ainda, o mar desassossegado e que intranquilizou o cabo-verdiano. Enfim, o mar nas suas várias expressões,  o mar dotado de sentimentos que o aproximam ou o afastam da empatia do Homem, este  que o considerou por vezes antropoformizado, como um seu semelhante. Estas seriam as características, as linhas de força dos poemas de Jorge Barbosa e de Manuel Lopes, no ensaio de Gabriel Mariano.

 E antes de finalizar este meu breve escrito em jeito de homenagem à Semana da Lusofonia e da Cultura na CPLP, direi que acredito que de algum modo, o mar destes poetas tem equivalência, embora diferente na abordagem, e naturalmente, na linha de que: “cada um é seus caminhos - pegando no belo verso do poema, “Impressão Digital” de António Gedeão (1906 -1997) mas é que encontramos equivalência no mar de que nos deu conta também o portentoso escritor português Virgílio Ferreira (1916-1996) “...da minha língua vê-se o mar, ouve-se os seus rumores(...) Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação  e que em Jorge Barbosa, essa “voz do Mar”, é assim sugerida: “(...) o Mar! / dentro de nós todos,/ no canto da Morna, / no corpo das raparigas morenas, / nas coxas ágeis das pretas / no desejo de viagens que fica em sonhos de muita gente!”

 Afinal, de forma interessante, também, outro conhecido poeta português, José Gomes Ferreira (1899-1985) ligou o mar à Língua portuguesa. Assim a expressou  na sua «Poesia VI» e nos versos seguintes:

“(...) gritei a minha descoberta (...)«o mar fala português»! // Claro que mentia/ pois já sabia / que bem lá no fundo do seu canto / onde Camões ouviu sirenas / e aves marinhas / o mar falava apenas / uma espécie de esperanto / com verbos de redes de espuma e substantivos de sardinhas //  Depois o mar transbordou da palavra (...) // (...) A palavra oceano / trazia outro rumor verde nos dentes.”

E termino com estes versos de José Gomes Ferreira, e a pensar que talvez, por via da simbologia do mar, e nas vozes dos nossos poetas e escritores, encontrámos também os caminhos que nos trouxeram à lusofonia, através das diversas e das ricas variantes da nossa Língua comum.

 

 

 

 

 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

 

Por achar com interesse para o Leitor do Coral Vermelho, tomei a liberdade – com a devida vénia à autora Sandra Duarte Tavares, Linguista portuguesa -  de publicar este conjunto de erros cometidos – com alguma frequência -  em português e, que como diz a autora: “ (...)mancham a nossa  imagem e podem fazer-nos perder, em poucos segundos um bom emprego (...)”

Aprende-se sempre. E isso é muito bom!

 

 

Sempre que cometemos um erro ortográfico ou gramatical, seja em contexto pessoal ou profissional, podemos ser alvo de troça ou discriminação por quem nos rodeia. Erros linguísticos como “tu fostes à reunião?”, “foi uma perca de tempo”, “houveram pessoas que faltaram”, “ninguém se absteu” não só mancham a nossa imagem, como também podem fazer-nos perder, em poucos segundos, um bom emprego, um bom negócio e até um relacionamento!

A competência linguística, associada ao domínio da comunicação oral e escrita, assume, inequivocamente, um valor sociocultural relevante, promovendo cada vez mais aceitação, credibilidade e prestígio social.

Vejamos, então, quais os 10 erros linguísticos que, do meu ponto de vista, podem manchar a nossa imagem pessoal profissional.

ERRO 1: p[ó]ssamos

Forma correta: possamos

As formas verbais da 1.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo são graves, ou seja, o acento tónico recai na penúltima sílaba: tenhamos, sejamos, possamos.

ERRO 2: a gente vamos

Forma correta: a gente vai

Na expressão a gente, o verbo deverá estar sempre no singular, em concordância com essa expressão.

ERRO 3: houveram pessoas

Forma correta: houve pessoas

Sempre que é verbo principal, o verbo haver só se conjuga na 3.ª pessoa do singular, porque é um verbo impessoal (há, houve, havia, haverá, haveriahaja…).

ERRO 4: ele interviu

Forma correta: ele interveio

O verbo intervir conjuga-se como o verbo que está na sua base – o verbo vir: ele veio; ele interveio.

ERRO 5: vocês ha dem

Forma correta: vocês hão de

O paradigma de conjugação do verbo haver no presente do indicativo é: eu hei de, tu hás de, ele há de, nós havemos de, vós haveis de, vocês / eles hão de.

ERRO 6: faria-o, se possível

Forma correta: fá-lo-ia, se possível

No futuro do indicativo e no condicional, os pronomes pessoais complemento (-me, -te, -o, -lhe…) colocam-se em posição mesoclítica, isto é, no meio do verbo, antes das terminações de tempo e pessoa.

ERRO 7: como deve de ser

Forma correta: como deve ser

Ao contrário do nome dever, o verbo dever não requer a presença da preposição de.

ERRO 8: à muito tempo, à 1 semana

Forma correta: há muito tempo, há uma semana

A forma verbal  (verbo haver) pode assumir um valor temporal, podendo ser substituída pela forma verbal faz: faz muito tempo, faz 1 semana. Tem um valor durativo no passado.

ERRO 9: tu fostes

Forma correta: tu foste

A forma verbal correspondente à 2.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo ir ou ser é foste. A forma verbal fostes corresponde à 2.ª pessoa do plural: vós fostes.

ERRO 10: Derivado a um vírus

Forma correta: Derivado de um vírus / devido a um vírus

A palavra derivado é acompanhada da preposição de (tal como o verbo derivar); a palavra devido é acompanhada da preposição a (tal como o verbo dever-se).

ERRO 11: Orgão 

Forma correta: órgão 

Esta palavra leva acento agudo sobre a vogal «o». As palavras graves terminadas em «ão», como sótão, órfão, bênção, são sempre escritas com acento gráfico, porque o seu acento tónico recai na penúltima sílaba. 

Importa referir que o til não é um acento gráfico, mas sim uma marca de nasalidade, indicando vogais nasais (ex. lã) ou ditongos nasais (ex. coração). Muitas vezes, este ditongo coincide com a sílaba tónica (como é o caso de paixão), porém, nalguns casos, pode não coincidir com o acento tónico, de que orégãos é exemplo.

ERRO 12: Rúbrica 

Forma correta: Rubrica 

A palavra rubrica tem o seu acento tónico na penúltima sílaba (bri) e escreve-se sem qualquer acento gráfico, seja qual for o seu significado: “assunto, apontamento, matéria”, “programa radiofónico ou televisivo” ou “assinatura abreviada”. 

Tendo a sua origem no latim rubrica, estava relacionada com o adjetivo rubrus (vermelho) e designava a terra ou argila vermelha que se usava para escrever os títulos dos livros antigos e dos manuscritos medievais. 

Deve, assim, usar-se a palavra grave rubrica para todas as aceções.

ERRO 13: Saiem 

Forma correta: Saem 

A forma verbal saem corresponde à 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo do verbo sair e grafa-se sem qualquer «i» entre a vogal «a» e a vogal «e». A inserção da vogal «i» ocorre na oralidade (e com implicação na escrita) com o objetivo de estabelecer a ligação entre as duas vogais em hiato (encontro de duas vogais que não formam ditongo). 

ERR0 14: Mau-estar

Forma correta: Mal-estar 

A palavra composta mal-estar é formada pelo advérbio mal e pelo nome estar. O seu antónimo é bem-estar. 

ERRO 15: Previlégio 

Forma correta: Privilégio 

A palavra privilégio escreve-se com «i» na primeira sílaba, pois provém do latim privilegiu. Essa vogal é frequentemente articulada como [e] devido a um processo fonológico designado dissimilação: um determinado som perde propriedades fonéticas que tem em comum com um som vizinho, diferenciando-se dele. 

ERRO 16: Alcoolémia

Forma correta: Alcoolemia 

A palavra alcoolemia pronuncia-se com «e» fechado e escreve-se sem qualquer acento gráfico. Na sua formação entra o elemento -emia, que é um radical de origem grega que 

exprime a ideia de sangue. Este elemento entra na composição de várias palavras, como anemia, leucemia, glicemia, toxicemia. Trata-se de palavras graves, cuja sílaba tónica é a penúltima (mi), pelo que não devem ser escritas com qualquer acento gráfico. 

ERRO 17: Ciclo vicioso 

Forma correta: Círculo vicioso 

O adjetivo vicioso está relacionado com o nome vício e entra na combinatória «círculo vicioso». Esta expressão designa uma sequência de acontecimentos ou situações que se repetem sucessivamente e se reiniciam, havendo um impasse na sua resolução. 

ERRO 18: Despoletar 

Forma correta: Espoletar / Desencadear 

O verbo despoletar é derivado por prefixação a partir do verbo espoletar. Provêm ambos da terminologia militar e passaram a fazer parte da linguagem corrente. O verbo espoletar, que significa originalmente “pôr a espoleta em, fazer deflagrar a granada”, passou a significar também “desencadear uma ação”. O verbo despoletar, por sua vez, tem o significado de ação contrária de espoletar (“tirar a espoleta a, travando ou impedindo o disparo de”) e passou, por força do uso linguístico, a substituir o verbo espoletar, veiculando o significado desse verbo: “deflagrar, desencadear uma ação, fazer surgir repentinamente”, com base no valor de reforço do prefixo des- (presente em palavras como desinquieto, destrocar, desandar). 

Ainda que tenha assumido esse significado, desaconselha-se o seu uso como sinónimo de desencadear em registo formal.

O que podemos fazer para eliminar de vez estes e outros erros que mancham a nossa imagem? Devemos ler muito (e bem!) para que sejamos expostos à palavra bem escrita. Tal como a leitura, a consulta de dicionários é também uma prática que deve ser regular no nosso dia a dia, sempre que tivermos alguma dúvida na grafia e significado de uma palavra.

Assim, se pretendemos projetar uma imagem pessoal e profissional credível, a nossa comunicação deve ser clara, relevante e, sobretudo, deve ter um elevado padrão de excelência linguística.

  

 erros portuguêsLíngua PortuguesaSandra Duarte Tavares

 


 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

 

 

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

Hoje, 5 de Maio, celebra-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa. A data foi criada, primeiro, como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a 20 de julho de 2009, por resolução da XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP, decorrida na cidade da Praia, Cabo Verde. O ano passado, em 2020, a Unesco elevou a Língua Portuguesa a Língua Mundial. 

Pois bem, 5 de Maio o Dia Mundial da Língua Portuguesa e da Cultura, pela CPLP, já é celebrada em 44 países, em redor do mundo..

 Porém, são oito os países onde se fala se escreve e se ensina  a Língua comum. A saber: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, integrantes da CPLP. Povos que a têm como Língua materna e/ou Língua oficial.

Convém acrescentar que a Guiné –Equatorial, país cujos habitantes não se exprimem em português, é actualmente membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Terá de fazer o seu caminho na senda da  integração da Língua portuguesa nos seus currículos escolares.

Mas anos após anos, vem aumentando a difusão da Língua portuguesa, numa procura interessada e alargada, de vários países do mundo que se aperceberam da importância e do valor global da nossa Língua comum. De entre os exemplos de maior procura da Língua portuguesa, situa-se a China, país, onde a leccionação do português está inserida em várias universidades.

Cabo Verde tem-na como Língua veicular do ensino e como Língua Oficial. É um facto. A Língua portuguesa é o veículo Linguístico  que  conforma  toda a documentação nacional escrita. A de ontem e a de hoje. É a nossa Língua de conhecimentos tecnológicos, científicos e literários. É também a nossa Língua de comunicação, ao lado do Crioulo que dela descende em larga medida e em permanência alimentado pela Língua comum, o já considerado, crioulo escolarizado, que é frequentemente veiculado oralmente na Comunicação social nacional, pelos técnicos e pelos quadros de diversas áreas do país.

 Para além de a Língua Portuguesa, ter sido a primeira Língua que ouviram os pássaros e as rochas destas ilhas atlânticas, aquando da chegada dos navegadores e os dos marinheiros portugueses a 1 de Maio de 1460, conforme os registos históricos elaborados e mais coevos, da descoberta das ilhas do Arquipélago de Cabo Verde.

Daí que saudamos com alegria e com afecto o  Dia 5 de Maio!

 Dia Mundial da nossa querida Língua!

 

 

 

sábado, 1 de maio de 2021

 

 

"Quando e por quem terá sido descoberto o arquipélago de Cabo Verde?"

Assim interroga Félix Monteiro,(1907-2002) nesta notável conferência, aqui transcrita e proferida a 1 de Maio de 1960, no salão nobre da Câmara Municipal da Praia, inserida nas comemorações do Meio Milénio do achamento das ilhas de Cabo Verde.

Leia caro leitor, e delicie-se com este verdadeiro labor de pesquisador probo e de estudioso empenhado, que foi Félix Monteiro, na consulta de  documentos, de crónicas e de registos históricos da época (séc.XV) e respeitantes à descoberta destas ilhas atlânticas.

 

 

O Achamento de Cabo Verde

Por Félix Monteiro[i]

Quando e por quem terá sido descoberto o arquipélago de Cabo Verde?

As fontes conhecidas não permitem chegar a conclusões seguras, nem quanto ao nome do navegador que primeiro aportou a estas ilhas, nem quanto à data do seu descobrimento, ou simples achamento.

Os documentos oficiais mais antigos que se referem ao arquipélago, as cartas régias de 3 de Dezembro de 1460, 19 de Setembro e 29 de Outubro de 1462, todas de doação ao Infante D. Fernando, irmão do rei D. Afonso V, testemunham porém que Santiago, Fogo, Maio,  Boa Vista e Sal foram descobertas pelo navegador genovês Antonio de Noli ainda em vida do Infante D. Henrique, portanto antes de 13 de Novembro de 1460, enquanto que as restantes o foram por Diogo Afonso, antes de 19 de Setembro de 1462, mas depois da morte de D. Henrique.

Estes dois navegadores foram, sem dúvida, na sua qualidade de descobridores do arquipélago, os primeiros capitães-donatários da ilha de Santiago, a qual, para o efeito, ficou dividida em duas capitanias: a de Alcatrazes, ao Norte, e a da Ribeira Grande, ao Sul.

Não se conhecem outros documentos oficiais coevos que possam levar a conclusões diferentes. Pelo contrário: ainda em 1497 Antonio de Noli, já então falecido, continuava sendo oficialmente considerado o descobridor da ilha de Santiago. Comprova-o a carta régia, de 8 de Abril desse ano, de doação condicional da capitania da Ribeira Grande a sua filha, e sucessora, Branca de Aguiar, em que se diz expressamente, a justificar a transmissão, que «o dito António foi o primeiro que a dita ilha achou e começou de povoar».

A capitania de Alcatrazes, por sua vez, e em parte pelas mesmas razões, passou, por morte de Diogo Afonso, primeiro para seu filho João, depois para o seu sobrinho Rodrigo.

Os referidos documentos não registam a data do descobrimento ou, em certos casos, simples achamento, mas, quanto aos meses e dias respectivos, tudo leva a crer, como aliás o admitem alguns escritores, que coincidem com os consagrados pela Igreja aos santos com cujos nomes foram baptizadas as ilhas.

Assim: Santiago, S. Filipe (hoje Fogo) e Maio teriam sido achadas, mas nem todas visitadas, no primeiro dia de Maio; S. Nicolau e Santa Luzia teriam sido descobertas nos dias 6 e 13 de Dezembro, enquanto que, a Santo Antão e S. Vicente, Diogo Afonso teria chegado nos dias 17 e 22 de Janeiro, respectivamente, sendo certo que as quatro seriam avistadas, se não no mesmo dia, pelo menos no princípio de Dezembro, dada a pequena distância a que ficam umas das outras.

As ilhas da Boa Vista e do Sal primeiro chamadas de S. Cristóvam e Lhana, talvez tenham sido achadas em 24 de Julho, na viagem de regresso do Continente Africano.

A carta de 3 de Dezembro de 1460, de doação das cinco ilhas cujo descobrimento veio a ser oficialmente atribuído a Antonio de Noli na de 19 de Setembro de 1462, contém informação de que as mesmas já haviam sido doadas, com todas as rendas, direitos e jurisdições, ao Infante D. Henrique, ignorando-se contudo, se chegou a ser lavrado o competente diploma de doação.

Por outro lado, julga-se saber que D. Henrique, em carta datada da Vila do Infante em 18 de Setembro de 1460, de que só se conhece uma cópia muito antiga, é certo, mas não coeva, doara a D. Afonso V a temporalidade das ilhas de Cabo Verde.

Daí admitir-se ser pouco provável que as ilhas só tenham sido descobertas em 1460, tanto mais que, a partir de 1444, com a ultrapassagem do cabo Verde, passaram a ser frequentes as viagens nos mares vizinhos do arquipélago.

 

Aventou-se mesmo a hipótese de uma das ilhas ter sido descoberta em 1445 pelo navegador Vicente Dias, que nesse ano tomou parte na Grande Expedição às ilhas de Arguim, comandada por Lançarote.

Reforça tal hipótese, se é que a não inspirou, o facto de o cartógrafo veneziano Andrea Bianco, que em 1448 passou por Lagos, a caminho da Inglaterra, ter representado, na carta que vinha preparando e ficou concluída nesse ano, uma ilha em parte semelhante, na sua configuração, à de Santiago, situada junto do Continente Africano, talvez a 500 milhas a sudoeste do cabo Verde.

Nessa carta se diz que a ilha é autêntica, naturalmente para não ser confundida com as ilhas lendárias do Atlântico – as Afortunadas, as Hespérides ou Gorgónidas, etc.

Provou-se mais tarde que a caravela de Vicente Dias ainda se encontrava junto do Senegal quando se desgarrou das restantes, e que só esteve separada do grupo durante um dia, tempo insuficiente para se aproximar do arquipélago de Cabo Verde a ponto de avistar qualquer das suas ilhas.

Sabe-se, no entanto, que algumas das caravelas da Grande Expedição de Lançarote fizeram o reconhecimento das ilhas próximas do cabo Verde, habitadas por jalofos. Notícia que, possivelmente, levou alguns escritores a afirmarem que as nossas ilhas, que distam cerca de 500 quilómetros desse cabo, já eram habitadas por jalofos quando foram descobertas pelos portugueses.

Outra hipótese que consta estar sendo analisada com todo o rigor da historiografia moderna, mas essa referente a viagens anteriores à era henriquina, é a da descoberta de Cabo Verde pelos árabes no século XII, seguida, no século XIV, de viagens de navegadores muçulmanos às ilhas do Sal e da Boa Vista, aonde iriam buscar sal.

Na verdade, pretende-se terem sido encontrados, no estrangeiro, documentos que parece levarem a essa conclusão, mas o certo é que até hoje não foram descobertos em Cabo Verde nenhuns vestígios arqueológicos que possam comprovar qualquer ocupação anterior à promovida pelos portugueses em 1461/1462.

O naturalista francês Auguste Chevalier, no entanto, consultou e registou o parecer de um orientalista que admite serem de origem rúnica, ou azenegue, as inscrições rupestres que fotografou no Penedo da Janela, na ilha de Santo Antão, e que julga serem anteriores à ocupação portuguesa.

Por outro lado, Teodoro Monod, da equipa de cientistas do Instituto Francês da África Negra, sustenta que na costa ocidental da África não há vestígios de navegação de alto mar anteriores ao século XV. O que, de certo modo, relativamente aos azenegues, é confirmado pelo testemunho de Cadamosto, segundo o qual «quando viram as primeiras velas, ou navios sobre o mar, creram que fossem pássaros grandes com asas brancas, que voassem».

Estas e outras hipóteses são todas relativamente recentes, visto que, até há cerca de cem anos, e desde a publicação do Relato das Viagens de Cadamosto, em 1507, portanto durante mais de três séculos, foi este navegador veneziano considerado o descobridor das ilhas de Cabo Verde. É que, no seu relato, Cadamosto afirma ter aportado às ilhas de Boa Vista e de Santiago no ano de 1456, o que só em 1844 veio a ser contestado, como veremos a seu tempo.

Outro navegador que também se intitulou de descobridor de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de Santiago, foi Diogo Gomes, a julgar pelo conteúdo de um manuscrito coevo descoberto na Biblioteca de Munich em 1868.

Nesse documento Valentim Fernandes fez constar de facto que a prioridade da descoberta das ilhas teria sido reivindicada por Diogo Gomes, de quem Martinho da Boémia diz ter ouvido o relato da viagem em que, regressando da costa africana a Portugal, acompanhado de António de Noli, «viram ilhas no mar».

Segundo Martinho da Boémia, Diogo Gomes teria contado a história desta maneira:

«Eu e António da Noli deixamos o porto de Zaia e navegamos dois dias e uma noite para Portugal e vimos algumas ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma daquelas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez António, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz e não vimos rastos de homens e chamamos a ilha de Santiago por ser descoberta no dia do santo… Depois fomos à ilha da Madeira e querendo ir para Portugal por causa do vento contrário fui parar às ilhas dos Açores, António da Noli esperou na ilha da Madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a Portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago que eu tinha descoberto e o rei lha deu, e ele a conservou até a sua morte».

Quando se teve conhecimento da existência desse manuscrito, de que o escritor Henry Major reproduziu alguns trechos no livro que escreveu sobre o Infante D. Henrique, julgou-se resolvido o problema da descoberta destas ilhas. Para muitos, confirmava-se que o arquipélago foi descoberto no primeiro dia de Maio de 1460, como se depreende das primeiras cartas de doação das ilhas, do mesmo passo que se provava ser falso o relato de Cadamosto na parte relativa a Cabo Verde.

Vários historiadores, porém, contestam hoje a reivindicação de Diogo Gomes, alegando que lhe seria fácil provar, na altura própria, terem sido ele e António de Noli, conjuntamente, os descobridores de Cabo Verde, e não apenas este, como se fez constar nos documentos oficiais.

Bastaria, para isso, invocar o testemunho da tripulação das caravelas respectivas. Para mais, dada a sua qualidade de português, e sendo pessoa da confiança do Infante D. Henrique, de quem havia sido moço de câmara, teria conseguido fazer rectificar a doação a favor de António de Noli, se é que este, no seu relato, omitiu o nome de Diogo Gomes.

O assunto tem apaixonado os historiadores contemporâneos, sendo, porém, mais numerosa a falange que contesta a reivindicação de Diogo Gomes.

Assim, enquanto que uns apontam a sua modéstia, a sua simplicidade e sobretudo o seu desinteresse, outros alegam que as capitanias de Santiago, por certo «mais fatigantes que rendosas», ao tempo, não o teriam tentado, motivo por que teria preferido, como recompensa, o almoxarifado de Sintra.

Também há os que, pura e simplesmente, consideram o relato respectivo cheio de inexactidões e falsidades.

Compreende-se, pois, que, no pedestal do monumento a Diogo Gomes, inaugurado nesta cidade em 1957, se tenha escrito prudentemente que este navegador foi um dos que primeiro visitaram estas ilhas.

Esse monumento, por mero acaso, foi implantado num miradouro sobranceiro à Calçada de acesso à cidade, a que possivelmente se deu o nome de Diogo Gomes quando este célebre navegador passou a ser considerado o descobridor de Cabo Verde. Na placa respectiva se diz que foi ele quem descobriu esta ilha, no primeiro dia de Maio de 1460.

Temos assim representada, na toponímia local, a controvérsia ainda reinante entre historiadores portugueses.

É curioso verificar-se que a incerteza dos nossos historiadores no que concerne à descoberta de Cabo Verde não é compartilhada pelos seus colegas italianos, que não hesitam em afirmar categoricamente que as ilhas foram descobertas em 1456 pelo navegador veneziano Aloísio Cadamosto. Coerentes com o seu ponto de vista, os italianos até comemoraram em 1956 o V centenário de Cabo Verde, a julgar pela notícia da publicação, pela Biblioteca Nacional Marciana de Veneza, entre outros, de um volume da sua colecção «Navegadores Venezianos Quatrocentistas e Quinhentistas».

Referindo-se a essa obra, o ilustre Secretário-Geral da Sociedade de Geografia de Lisboa esclareceu, no número de Outubro a Dezembro de 1957, do Boletim respectivo, que «desta feita – palavras textuais – trata-se de comemorar o V Centenário da Exploração Atlântica de Alvise da Mosto (Cadamosto), ou seja, no dizer, entre nós discutido, dos historiadores italianos, da Descoberta do Arquipélago de Cabo Verde por aquele notabilíssimo navegador seu compatriota».

Cadamosto, efectivamente, reivindicou para si a glória de ser o descobridor destas ilhas, mas o relato das suas viagens não pode, de forma alguma, ser tomado a sério na parte respeitante a Cabo Verde.

Vale a pena contar a história a começar do princípio, já que Cadamosto está sendo reabilitado afanosamente.



[i] In CABO VERDE – Boletim de Propaganda e Informação – Junho de 1960