quarta-feira, 31 de março de 2021

 

Afro-cepticismo

Infelizmente, e a cada dia que passa aumenta o meu afro-pessimismo.

Aconteceu recentemente, numa conversa animada entre amigos, em que se falou naturalmente da situação actual, isto é, da pandemia que assola o mundo – covid19 - Veio à baila a questão das vacinas. E um dos amigos observou que todos os grandes Continentes: América, Ásia e Europa, já produziram  vacinas, para debelar o vírus. Excepto o Continente africano, onde grande parte dos países está dependente da ajuda internacional nesta matéria.

Uma vergonha!  Foi o comentário geral.

Se pensarmos, por exemplo, que a Nigéria, um grande país, cheio de recursos, independente desde 1960 – há sessenta anos - nada produziu neste particular. Compare-se a diferença  nesta matéria com a Índia, outro grande país, e que já é produtora de uma das vacinas contra o covid. Não quero aqui colocar a Àfrica do Sul que partiu como todos sabemos, de outro patamar de desenvolvimento.

África  está constantemente nas páginas do jornais e, regra geral, sempre por más notícias Por um lado, são as roubalheiras do erário e do património público pelos seus Presidentes e os seus altos Dirigentes, os quais, mercê disso, são no geral, os homens e/ou as mulheres mais ricas do planeta merecendo, não poucas vezes, honras nas páginas da revista «Forbes» ao lado ou, mesmo à frente de multimilionários da Europa, da Ásia, ou da América.

Por outro lado, são as estatísticas que nos informam que é neste Continente que  se encontra a população mais pobre do mundo, mais famélica, mais analfabeta, mais doente, com menos esperança de vida. Logo, é também no continente africano onde se encontra o maior número de países nada recomendáveis a forasteiros por serem zonas de alta insegurança. Para além disso, são os Golpes e contra-golpes de Estado...e por aí fora, segue-se um rosário de calamidades humanas a que se juntam também catástrofes naturais.

Estas últimas - não são  culpa dos humanos -  mas quando acontecem, os governos dos países atingidos, estendem logo a mão a pedinchar, por vezes sem um pingo de dignidade, à caridade internacional ocidental.

 Lembremo-nos do que se passou recentemente na Guiné Equatorial cujo Presidente da República está na lista dos homens mais ricos de África. A sua representação diplomática na Europa, iniciou ultimamente, um peditório para acudir às vítimas das explosões de paóis no país.  Um Peditório!? ...Onde pára a dignidade desses Estados?

Outra questão que deve interpelar a todos é a questão da emigração clandestina que parte do Continente africano, em demanda da Europa, pelo mar mediterrâneo, em condições infra-humanas. Enviam sem qualquer atenção ou responsabilidade crianças não acompanhadas. Assunto a que o Governo de origem, de onde partem as barcaças, sem quaisquer condições, nem quer tomar conhecimento, não presta sequer atenção e muito menos fazer alguma coisa para que o obste.

 Uma migração que já divide a Europa em “bons” e maus” acolhedores dos migrantes; que causa profunda clivagem social e humanitária, entre os habitantes  dos países de acolhimento em termos de aceitação e de rejeição desses imigrantes, entre outras situações dramáticas...

 Segundo afirmou Kamel Daoud, argelino, combatente por um Islão iluminista - retirado do “Blog”  «Bigorna» - “(...) a pergunta que devemos colocar a nós próprios não é: porque sou mal acolhido; mas é: porque parto? Porque deixo a minha terra?” Fim de transcrição.

Com efeito, se se equacionasse nessa perspectiva, “porque parto,” porque sou sou obrigado a deixar a minha terra? Que governos são esses que não olham para o bem estar da sua população e só governam a pensar em amealhar, para si próprios, ao invés de desenvolver o país?...

Talvez se devesse fazer - entre a comunidade pensante africana - uma abordagem deste tipo e assim nas urnas se punissem aqueles altos responsáveis africanos que fazem de conta que estas tragédias humanas não estão a acontecer nos seus países. Talvez assim, gerissem e governassem melhor...

Infelizmente, o subdesenvolvimento africano já ganhou foros de endémico.

Trata-se afinal, de uma grande indignidade, de uma enorme vergonha para os seus cidadãos, ter de pertencer e de viver em países independentes há mais de cinquenta anos e alguns deles, em pior estado do que quando a potência colonial os deixou (?)... 

Voltando à questão das vacinas, ei-los, os países africanos, quase todos, que já se perfilam para quê? Para pedir ajuda dos parceiros internacionais que lhos doem as vacinas. E o que estamos a presenciar? Que os países africanos vão ficando na “cauda” dos atendidos nesta pandemia, porque os governantes ficam à espera de “sobras”  ofertadas de vacinas.

Enfim! Sem comentários alongados.  Esta é a triste situação de quase todo o Continente africano.

Daí que a chamada de atenção  do nosso amigo, para a triste particularidade de África, como sendo o único grande continente que não produziu  até esta, qualquer tratamento ou vacina, para a covid-19, faça sentido e tenha sido pertinente porque nos fez a todos pensar nesta triste realidade do Continente menos desenvolvido do globo.

quarta-feira, 24 de março de 2021

 


De novo e sempre a propósito, uma análise de Nuno Pacheco, escritor e Jornalista, sobre duas, das ricas variantes da Língua portuguesa. No caso presente do texto, a variante de Portugal e a variante do Brasil, e de como o Acordo Ortográfico baralhou e causou estragos, sobretudo, na variante europeia da Língua portuguesa.


E assim, com a devida vénia ao Autor, aqui registámos para o leitor do «Coral Vermelho»  esta interessante abordagem de um tema que ainda lança imensa polémica.




Até o Spotify passou a “falar” português europeu

Nuno Pacheco

Nem de propósito. No mesmo dia em que era publicada a minha crónica anterior, dando conta da edição em Portugal de uma colecção do Snoopy em português do Brasil, sem qualquer aviso a explicar tal opção, chegava a notícia de que a plataforma de distribuição de música Spotify ia ter 36 novos idiomas, incluindo “oficialmente o Português Europeu”. Note-se que entre os 25 antes disponíveis o Spotify incluía o “Português do Brasil (Brazilian Portuguese)” mas também duas variantes do espanhol (“Spanish” e “International Spanish”) e duas do francês (“French” e “Canadian French”), acrescentando agora ao chinês nova variante, o “Simplified Chinese”. E assim somam quatro línguas com duas variantes cada, incluindo o “Portuguese for Portugal”!

Nada disto é estranho. Estranho é que se continue a insistir numa uniformização ortográfica do português, ignorando que, mesmo que tal fosse possível (e não é), de nada adiantaria face ao resto, ou seja, às diferenças naturais que cada cultura imprimiu ao uso, oral e escrito, do idioma comum. É curioso, por exemplo, que na citada edição do Snoopy (com as tiras traduzidas em português do Brasil), os textos introdutórios tenham um lote de palavras que, mesmo aplicando o malfadado Acordo Ortográfico de 1990, continuam diferentes cá e lá. Comecemos pelas que passaram a ser iguais na escrita: diretor, ótimo ou trajetória. E agora as outras: fato, contato (facto e contacto em Portugal), tênis, bebê, polêmica, platônica, fenômeno, icônicos (aqui diferentes na acentuação), dezesseis (dezasseis, na grafia portuguesa) ou características, aspecto, perspectiva e acepção, que eram iguais nos dois países, mas que o AO90 obrigou Portugal a alterar para caraterísticas, aspeto, perspetiva e aceção. Que belo serviço à unidade do idioma!

O cinema é outro exemplo de que, mesmo com reformas ortográficas, a distinção entre o uso do idioma em Portugal e no Brasil se mantém e manterá, saudavelmente, já que só assim ganham identidade em cada um dos países as dobragens ou legendagens de filmes estrangeiros. Já aqui se falou disto, no passado, com vários exemplos. Mas podemos fazer um outro exercício, usando dois vídeos de filmes com uma característica rara: dobragem (dublagem, no Brasil) em português brasileiro e legendas no português europeu pré-AO90.

Um deles é o DVD de 6 Dias, 7 Noites, de Ivan Reitman, comédia com Harrison Ford e Anna Heche. Ainda no genérico, na cena do jantar entre Frank e Robin, ouve-se este diálogo entre ambos: Ela: Será que dá pra dizer o que está tramando? Ele: É somente parte da surpresa. Ela: Não vai terminar tudo, vai? Ele: Nós não vamos terminar. Ela: Tá legal. Ele: Sabe o que é que eu quero? O que eu quero mesmo é incrementar o romance. E nas legendas lemos isto: Ela: O que andas a tramar? Ele: Faz tudo parte da surpresa. Ela: Queres acabar comigo? Ele: Nós não estamos a acabar. Pelo contrário, eu pretendo aumentar o romantismo das nossas vidas.” Já com a edição francesa em UHD-4K de Drácula, de Francis Ford Coppola, podemos fazer idêntico exercício. A dada altura, Renfield (Tom Waits) diz, na dobragem: Eu fiz tudo o que me pediu, Mestre. Mestre, eu estou aqui! Eu idolatro o Senhor! E nas legendas lemos: Fiz tudo o que pediste, Amo. Amo, estou aqui! Tenho-te venerado! Quando Jonathan (Keanu Reeves) e Mina (Winona Ryder) se encontram no jardim, trocam estas palavras: Ela: Jonathan, eu amo você. Ele: Eu amo você, Mina. E nas legendas: Ela: Jonathan, amo-te. Ele: E eu a ti, Mina.

O cinema é um exemplo de que, mesmo com reformas ortográficas, a distinção entre o uso do idioma em Portugal e no Brasil se mantém e manterá

O mesmo sentido, a mesma língua, mas dois mundos bem distintos nas expressões da fala. Aceitar isto é essencial para que nos entendamos nas nossas diferenças.

É o que fazem, para dar dois bons exemplos, editoras como a Tinta da China ou a Companhia das Letras. A primeira edita os livros de Ruy Castro sem mexer no original brasileiro, mas escrevendo as badanas em português europeu pré-AO90; o mesmo fazem as edições portuguesas da brasileira Companhia das Letras, mantendo intacta a escrita de Chico Buarque, cuja obra tem editado em Portugal.

E há ainda outro exemplo, digno de nota: no excelente Livros Que Tomam Partido (1968-1980), do investigador brasileiro Flamarion Maués, o editor português (Parsifal) não tocou na escrita do autor, em português do Brasil, mas manteve o português europeu pré-AO90 nos excertos (citados) de obras editadas em Portugal e nas “entrevistas e depoimentos prestados por fontes portuguesas”. Se todos agissem com tais escrúpulos, o “acordês” seria já escrita morta.



 Jornalista. “Público” de 18.03.2021

Candidaturas e Candidatos

sábado, 20 de março de 2021

 

Dentro de pouco menos de um mês teremos as eleições legislativas no País e cerca de seis meses depois, as presidenciais.

Assistimos a uma corrida desenfreada para lugares nas listas dos principais partidos – o pessoal a pôr-se em bicos dos pés.

É também uma oportunidade normalmente utilizada pelos líderes partidários para se desembaraçarem dos deputados incómodos – os que não dobraram a cerviz durante a legislatura a findar ou ousaram apontar com insistência outros caminhos.

Tudo isto porque os partidos políticos deixaram de ser instituições com um bem definido projecto de sociedade, com princípios e valores, uma plataforma do exercício da liberdade e da democracia  – pelo menos interna – onde impere, designadamente, o trabalho político e a meritocracia, para se transformarem numa associação com fortes indícios de autoritarismo em que o mais importante não é o mérito, a competência, o trabalho realizado, mas a fidelidade (não a exigível lealdade) ao líder e a expressão contida ou mesmo condicionada dos militantes.

Por outro lado, há, nestas ocasiões, um movimento de activistas de bem definidas áreas sociopolíticas que não conseguindo cativar um lugar no partido da sua simpatia e sedentos de protagonismo se oferecem, por vezes, com alguma jogada chantagista de permeio, a um outro partido de diferente ideologia programática ao “vender-se” como um grande e disputado quadro e, “comprado” com o rótulo de uma grande aquisição usando o eufemismo de “conquista”, ignorando de todo o seu pensamento político – se o tiver – e fazendo tábua rasa de todo o seu comportamento e posicionamento como cidadão e como activista.

A natureza de “movimento” esteve sempre na génese e na acção dos nossos dois maiores partidos. Um saco onde cabiam todos os pensamentos e todos os projectos de sociedade.

Enquanto o mais antigo cumprindo a sua tarefa, primeiro, de movimento, depois de movimento armado – absolutamente necessário aos objectivos que perseguia – já se afirmou, em tempo de democracia, como um autêntico partido, o mais novo, passados trinta e um anos após a sua fundação, não obstante o estatuto de partido que formalmente ostenta, ainda tem no seu comportamento e na sua dinâmica todas as características de movimento, o que lhe confere uma enorme permeabilidade e aberta porosidade dando lugar a infiltrações várias, descaracterizando-o com a afirmação de tendências – uma ou outra dominante – que lhe são espúrias.

É neste quadro de descaracterização e falta de identidade própria que um candidato às presidenciais que devia ser natural e apoiado antes da sua candidatura oficial é hoje ignorado pelo partido que fundou, e em seu benefício apenas um envergonhado comentário pessoal do líder desse partido de “bom ou excelente candidato” quando se esperava algo definitivo e conciso previamente anunciado como: “se ele se candidatar é óbvio que tem o apoio inequívoco do partido”. Isto não aconteceu e reflecte a essência de um movimento sem identidade que menospreza os seus próprios militantes. Um movimento que parece não saber de onde vem nem o que é, e, por isso, não pode saber para onde vai ou quer ir.

O facto de as candidaturas presidenciais serem de cidadania e apartidárias não significa que não possam ser apoiadas por forças políticas devidamente organizadas ou partidos políticos.

Quem não se lembra de há cerca de dez anos, sendo líder do movimento um dos actuais protocandidatos, um militante com currículo, porque fora Presidente da Assembleia Nacional, ter sido preterido em favor de um não militante, ou melhor, de um “militante” de uma outra organização política, pelo próprio partido através de uma absurda e descabida encenação?

A situação de então foi bem mais vergonhosa e absurda do que a actual que sugere que “quem com ferros fere com ferros será ferido”.  Esperemos todos que isto não passe de sugestão e que nunca mais volte a acontecer!...

E que não se tenha a peregrina ideia de “inventar” mais um candidato de “peso” e submetê-los de novo a eleições internas dividindo artificialmente o eleitorado.

Ainda está bem patente na memória de todos as consequências de dois proeminentes militantes de um mesmo partido disputarem o mesmo universo de eleitores!

Aprendamos sempre com os erros – nossos e dos outros!...

AF