"O que preocupa não é o grito dos maus.
É o silêncio dos bons." (dispensa autoria)
Não posso verdadeiramente dizer que fui
enganado quando votei em Março de 2016 no MpD. Não faltaram sinais que me
aconselhavam a não acreditar que algo de novo e de bom ia realmente suceder. Ao
falar destes sinais a um amigo, este esboçou um cínico sorriso e disse-me: Na nossa
idade, meu caro Armindo, os únicos avisos verdadeiramente preocupantes são os
que vêm do coração, do cólon, dos rins ou da próstata. Estes é que são
importantes. Esbocei igualmente um sorriso de compreensão a mostrar-lhe que
ainda estava vivo, e bem vivo e, displicentemente e em surdina, acrescentei: da
sociedade e da comunidade política, também. E mesmo assim, não fiz caso e
acreditei numa alternativa que tanto ansiava.
Na verdade, os sinais vinham de muito longe. Alguns,
exigiam muita atenção e alguma reflexão para os identificar. É um processo
demorado de “vingança”, pensado e planeado. Com algum exagero e subjectividade
poderei datá-lo a partir da célebre noite de 13 de Janeiro de 1991 – gloriosa e
triunfal para uns e humilhante e vergonhosa para outros. O povo tinha-se
vingado de 15 anos de opressão e ditadura e na sua manifestação de rua tinha
humilhado, com algum mau gosto e, por vezes, de forma grotesca, os seus
protagonistas. Não me vou aqui e agora ater a uma reflexão prolongada que,
seguramente daria elementos suficientes para um livro… para os politólogos e
analistas políticos entre outros. Darei um grande salto e partirei dos
indicadores mais próximos, i. e. aqueles que reacenderam a chama e deram forma
à “vingança” – as presidenciais de 2001.
Quando os tribunais disseram, de forma clara
e inequívoca, que o então inquilino do Palácio Presidencial era um “usurpador”,
toda a gente esperava que da parte dele houvesse um gesto de dignidade e de
elevação, renunciando de imediato ao mandato. Em vez disso, – estamos todos bem
lembrados – depois de um longo silêncio, que possivelmente, teria sido de
reflexão que o levara a pensar que essa atitude embora digna e elevada ditaria,
a curto prazo, o fracasso total do seu plano e, eventualmente, o seu suicídio
político, inverteu o ónus da lógica, dizendo – só o seu adversário estava em
situação de o dizer – como única conhecida reacção, e feita no estrangeiro, que
“não valia a pena chorar sobre o leite derramado”.
É certo que se esperava, depois do
conhecimento desta usurpação “legal”, mas antidemocrática e indigna, que os
partidos democráticos, designadamente o MpD e a UCID, desencadeassem uma
campanha política de boicote aos actos de um presidente que se encontrava
ilegitimamente no poder, de modo a forçá-lo a renunciar.
“A necessidade aguça o engenho!” costuma-se
dizer.
Assim, ciente da situação incómoda em que se
encontrava, e com a habilidade política que se lhe reconhece, o “inquilino” do
Palácio Presidencial, engendra uma manobra de conquistar o partido mais forte
da oposição por dentro, através da instalação paulatina de uma quinta-coluna
enquanto por fora a artimanha tomava outra configuração: a de seduzir alguns
dos mais importantes correligionários do MpD – precisamente aqueles que
desprezou, maltratou e vilipendiou durante os 15 anos da sua governação –
concedendo-lhes condecorações e outras distinções, obtendo deste modo, no
mínimo, por parte deles, a sua legitimação no Palácio e o seu indispensável
silêncio bem como uma plataforma para a sua recandidatura. E fê-lo de forma
abrangente e indistinta com o firme propósito de diluir e confundir, na sua
amálgama, algum eventual mérito que pudesse existir e ser individualizado,
mantendo-se fiel às suas convicções de quem são, para ele, “os verdadeiros
heróis nacionais”. É bom distinguir que houve gente – muito pouca, mas boa! – que
se recusasse a entrar neste beija-mão, o que não obstou – porque insuficiente –
que nos tornássemos todos cúmplices do maior embuste político verificado no
nosso País, em tempo de democracia.
Não vou aqui referir da evidência desta
quinta-coluna na direcção, grosso modo,
e na bancada parlamentar do MpD. Um pequeno – não é preciso muito – exercício
de memória, leva-nos também a inúmeras cumplicidades entre o então inquilino do
Palácio do “Plateau” e alguns dos dirigentes do MpD criando um clima propício a
um “conluio”, uma conspiração ou uma espécie
de pacto.
Assim, pouco a pouco a cumplicidade entre o
presidente do MpD e o inquilino do Palácio de “Plateau” ganhava forma travestida
de “convivência institucional”, “cafés da manhã”, “passeios idílicos” na
pedonal do Plateau, entre outras ocorrências celebratórias, bem apoiados por
uma “entourage” de iluminados cristãos-novos e de alguns “velhos” que viam na
aliança a elevação e a consolidação do seu estatuto económico-financeiro.
Embora esteja a saltar episódios e situações
importantes para abreviar a análise, e sem querer debruçar sobre os assuntos em
pormenor, é bom frisar que o “prémio” Mo Ibraim e a cisão provocada pelas
candidaturas às eleições presidenciais no seio do PAICV “aparecem” de forma
oportuna para dar continuidade e uma importante achega a estratégia.
O “pacto” celebrou-se, ao que parece na
Cidade Velha, com o alarido contido – perdoem-me o oximoro – de alguns próceres
da então oposição. A eleição de 2016 estava garantida! – gabavam-se eles. Os
termos do suposto “pacto” eram discretamente divulgados: De um lado o apoio e a
garantia de delfinato e do outro, como contrapartida, o silêncio e a impunidade
política dos anos da ditadura e da usurpação e a promoção em figura pública de
consenso nacional.
Com o tal “pacto”, a ser verdade, – e tudo
leva a crer que é – o MpD revelava uma estranhíssima concepção da História e
punha de lado a importância social do passado. Estranha, porque num momento em
que os quilombos da história, os colonialismos, as ditaduras e outras
excrescências do passado são lembrados e hiperbolizados para que não se repitam
mais, o MpD promove o seu silêncio, com os seus protagonistas ainda vivos, e
ignora a sua relevância social e política.
O MpD institucional passou a ter um chefe
espiritual, na sombra, uma espécie de chairman
que dita as políticas e a estratégia e um CEO – um executivo, que o preside
formalmente, concretiza as directivas e serve de guardião fiel e resguardo a
qualquer “ataque” às responsabilidades passadas do seu mentor.
Contudo, para dar forma e espírito ao “pacto”
era preciso descolar com alguma subtileza do Partido. Daqui surge o célebre
slogan: “O meu Partido é Cabo Verde!”. Poderia parecer uma metáfora. Mas não
era. Era sim o seu distanciamento da própria organização política que presidia,
numa atitude do mais primário populismo; o gesto de negar a sua condição de
político partidário, de se despir de qualquer carga ideológica e se centrar no
limbo da democracia política querendo assumir-se como aquele que não tem
partido; que está acima deles. Era também, de certa forma, a negação de
partidos políticos, na linha directa do seu mentor que em entrevista
relativamente recente (Jornal Terra Nova – Julho de 2013) insinuara que o
regime que liderou nunca fora uma ditadura e que “partido único era um preconceito”,
num quadro que nos poderá conduzir à excelência de ausência de partidos, à moda
da União Nacional do Estado Novo.
Chegaram as eleições e as expectativas
confirmaram-se. O MpD é poder.
Aqui em Cabo Verde, como em quase todos os
países democráticos, as eleições não se ganham. Perdem-se. É de La Palisse! Não
foi este o diagnóstico que se fez. E sem uma profunda análise – paramétrica e global
– sobre as causas da derrota do PAICV, proclamou-se triunfalmente um homem e
não um partido como vencedor das eleições legislativas. Este, convencido intimamente
ou por conveniência, faz crer aos seus correligionários de que o mérito não era
dele mas fruto do “pacto” que havia feito, e trata de imediato de metamorfosear
o seu partido à imagem e semelhança do seu mentor, do qual mimetiza o
comportamento e absorve a ideologia, e tenta transformá-lo, no escrupuloso
cumprimento do plano já referido, em uma
figura consensual – que nunca o foi (vide os resultados das eleições em que
entrou) – alcandorando-o numa espécie de “pai da nação” através de um
verdadeiro – ou artificioso – culto da personalidade. E tudo isto, mais o já
referido estatuto de “pai da nação” concedido (imagine-se!) por este MpD ao
“galardoado” do prémio Mo Ibraim, faz do MpD uma espécie de outra facção do PAICV: proibido
de falar dos 15 anos de ditadura – da falta de liberdade, da tortura, do delito
de opinião, das prisões arbitrárias, da autorização de saída, da penalização do
boato, da perda de nacionalidade e consequente direito de voto do emigrante, da
reforma agrária, da propriedade privada, do monopartidarismo, dos símbolos e
rituais não constitucionais tornados de Estado, etc. etc. – e, sobretudo, de
“tocar” na figura do seu suposto mentor e guia.
Estou plenamente de acordo que tudo isto não
deva ser uma arma de arremesso político, mas do mesmo modo que o seu debate e
reconhecimento sejam absolutamente necessários e inadiáveis. Não estou a sugerir,
à imagem da que existiu na África do Sul de Mandela, nenhuma “Comissão de Verdade
e Reconciliação” que, parafraseando uma personagem do célebre livro de Lara
Pawson – “Em Nome do Povo – O Massacre que Angola Silenciou” (Tinta da China,
2014) – só se poderá aplicar aos países de cultura protestante, pois só eles cultivam
a confissão pública.
Diz, Rafael Chirbes no seu famoso livro “Na
Margem” (Assírio & Alvim - 2015) que ”O
dinheiro tem, entre outras incontáveis virtudes, uma qualidade detergente.
[do verbo “detergir”] E múltiplas
qualidades nutricionais.” Estará nisto a “metamorfose” do MpD? Ou foi a
essência do “Pacto”? Que fez afastar dos centros de decisão os mais importantes
militantes do Partido? Que faz mover uma acção tremendamente vingativa e
persecutória a todos os militantes que pensem de maneira diferente? Ou é apenas
a ganância pelo poder?
O que é evidente é o desvio gritante deste
MpD, dos princípios, valores e fundamentos que sempre o nortearam e que estão
na base da sua criação e da sua razão de existir.
Nunca fui militante, e tenho pelos políticos sérios
e honestos, com espírito de missão, sentido de Estado e do interesse público o
maior respeito e consideração pelo trabalho insubstituível que desempenham, por
mim e para mim, ou pela minha indisponibilidade ou por falta de conhecimentos e
competência para os fazer. Mesmo quando deles discordo. Mas, torna-se óbvio, sente-se
no ar – não sou saudosista e acredito na juventude (com carácter!) – que “Um Novo 13 de Janeiro Precisa-se!”
A. Ferreira