O “Pacto” e a Metamorfose do MpD

sexta-feira, 27 de julho de 2018

"O que preocupa não é o grito dos maus.
É o silêncio dos bons." (dispensa autoria)


Não posso verdadeiramente dizer que fui enganado quando votei em Março de 2016 no MpD. Não faltaram sinais que me aconselhavam a não acreditar que algo de novo e de bom ia realmente suceder. Ao falar destes sinais a um amigo, este esboçou um cínico sorriso e disse-me: Na nossa idade, meu caro Armindo, os únicos avisos verdadeiramente preocupantes são os que vêm do coração, do cólon, dos rins ou da próstata. Estes é que são importantes. Esbocei igualmente um sorriso de compreensão a mostrar-lhe que ainda estava vivo, e bem vivo e, displicentemente e em surdina, acrescentei: da sociedade e da comunidade política, também. E mesmo assim, não fiz caso e acreditei numa alternativa que tanto ansiava.
Na verdade, os sinais vinham de muito longe. Alguns, exigiam muita atenção e alguma reflexão para os identificar. É um processo demorado de “vingança”, pensado e planeado. Com algum exagero e subjectividade poderei datá-lo a partir da célebre noite de 13 de Janeiro de 1991 – gloriosa e triunfal para uns e humilhante e vergonhosa para outros. O povo tinha-se vingado de 15 anos de opressão e ditadura e na sua manifestação de rua tinha humilhado, com algum mau gosto e, por vezes, de forma grotesca, os seus protagonistas. Não me vou aqui e agora ater a uma reflexão prolongada que, seguramente daria elementos suficientes para um livro… para os politólogos e analistas políticos entre outros. Darei um grande salto e partirei dos indicadores mais próximos, i. e. aqueles que reacenderam a chama e deram forma à “vingança” – as presidenciais de 2001.
Quando os tribunais disseram, de forma clara e inequívoca, que o então inquilino do Palácio Presidencial era um “usurpador”, toda a gente esperava que da parte dele houvesse um gesto de dignidade e de elevação, renunciando de imediato ao mandato. Em vez disso, – estamos todos bem lembrados – depois de um longo silêncio, que possivelmente, teria sido de reflexão que o levara a pensar que essa atitude embora digna e elevada ditaria, a curto prazo, o fracasso total do seu plano e, eventualmente, o seu suicídio político, inverteu o ónus da lógica, dizendo – só o seu adversário estava em situação de o dizer – como única conhecida reacção, e feita no estrangeiro, que “não valia a pena chorar sobre o leite derramado”.
É certo que se esperava, depois do conhecimento desta usurpação “legal”, mas antidemocrática e indigna, que os partidos democráticos, designadamente o MpD e a UCID, desencadeassem uma campanha política de boicote aos actos de um presidente que se encontrava ilegitimamente no poder, de modo a forçá-lo a renunciar.
“A necessidade aguça o engenho!” costuma-se dizer.
Assim, ciente da situação incómoda em que se encontrava, e com a habilidade política que se lhe reconhece, o “inquilino” do Palácio Presidencial, engendra uma manobra de conquistar o partido mais forte da oposição por dentro, através da instalação paulatina de uma quinta-coluna enquanto por fora a artimanha tomava outra configuração: a de seduzir alguns dos mais importantes correligionários do MpD – precisamente aqueles que desprezou, maltratou e vilipendiou durante os 15 anos da sua governação – concedendo-lhes condecorações e outras distinções, obtendo deste modo, no mínimo, por parte deles, a sua legitimação no Palácio e o seu indispensável silêncio bem como uma plataforma para a sua recandidatura. E fê-lo de forma abrangente e indistinta com o firme propósito de diluir e confundir, na sua amálgama, algum eventual mérito que pudesse existir e ser individualizado, mantendo-se fiel às suas convicções de quem são, para ele, “os verdadeiros heróis nacionais”. É bom distinguir que houve gente – muito pouca, mas boa! – que se recusasse a entrar neste beija-mão, o que não obstou – porque insuficiente – que nos tornássemos todos cúmplices do maior embuste político verificado no nosso País, em tempo de democracia.
Não vou aqui referir da evidência desta quinta-coluna na direcção, grosso modo, e na bancada parlamentar do MpD. Um pequeno – não é preciso muito – exercício de memória, leva-nos também a inúmeras cumplicidades entre o então inquilino do Palácio do “Plateau” e alguns dos dirigentes do MpD criando um clima propício a um “conluio”, uma conspiração ou uma espécie de pacto.
Assim, pouco a pouco a cumplicidade entre o presidente do MpD e o inquilino do Palácio de “Plateau” ganhava forma travestida de “convivência institucional”, “cafés da manhã”, “passeios idílicos” na pedonal do Plateau, entre outras ocorrências celebratórias, bem apoiados por uma “entourage” de iluminados cristãos-novos e de alguns “velhos” que viam na aliança a elevação e a consolidação do seu estatuto económico-financeiro.
Embora esteja a saltar episódios e situações importantes para abreviar a análise, e sem querer debruçar sobre os assuntos em pormenor, é bom frisar que o “prémio” Mo Ibraim e a cisão provocada pelas candidaturas às eleições presidenciais no seio do PAICV “aparecem” de forma oportuna para dar continuidade e uma importante achega a estratégia.
O “pacto” celebrou-se, ao que parece na Cidade Velha, com o alarido contido – perdoem-me o oximoro – de alguns próceres da então oposição. A eleição de 2016 estava garantida! – gabavam-se eles. Os termos do suposto “pacto” eram discretamente divulgados: De um lado o apoio e a garantia de delfinato e do outro, como contrapartida, o silêncio e a impunidade política dos anos da ditadura e da usurpação e a promoção em figura pública de consenso nacional.
Com o tal “pacto”, a ser verdade, – e tudo leva a crer que é – o MpD revelava uma estranhíssima concepção da História e punha de lado a importância social do passado. Estranha, porque num momento em que os quilombos da história, os colonialismos, as ditaduras e outras excrescências do passado são lembrados e hiperbolizados para que não se repitam mais, o MpD promove o seu silêncio, com os seus protagonistas ainda vivos, e ignora a sua relevância social e política.
O MpD institucional passou a ter um chefe espiritual, na sombra, uma espécie de chairman que dita as políticas e a estratégia e um CEO – um executivo, que o preside formalmente, concretiza as directivas e serve de guardião fiel e resguardo a qualquer “ataque” às responsabilidades passadas do seu mentor.
Contudo, para dar forma e espírito ao “pacto” era preciso descolar com alguma subtileza do Partido. Daqui surge o célebre slogan: “O meu Partido é Cabo Verde!”. Poderia parecer uma metáfora. Mas não era. Era sim o seu distanciamento da própria organização política que presidia, numa atitude do mais primário populismo; o gesto de negar a sua condição de político partidário, de se despir de qualquer carga ideológica e se centrar no limbo da democracia política querendo assumir-se como aquele que não tem partido; que está acima deles. Era também, de certa forma, a negação de partidos políticos, na linha directa do seu mentor que em entrevista relativamente recente (Jornal Terra Nova – Julho de 2013) insinuara que o regime que liderou nunca fora uma ditadura e que “partido único era um preconceito”, num quadro que nos poderá conduzir à excelência de ausência de partidos, à moda da União Nacional do Estado Novo.
Chegaram as eleições e as expectativas confirmaram-se. O MpD é poder.
Aqui em Cabo Verde, como em quase todos os países democráticos, as eleições não se ganham. Perdem-se. É de La Palisse! Não foi este o diagnóstico que se fez. E sem uma profunda análise – paramétrica e global – sobre as causas da derrota do PAICV, proclamou-se triunfalmente um homem e não um partido como vencedor das eleições legislativas. Este, convencido intimamente ou por conveniência, faz crer aos seus correligionários de que o mérito não era dele mas fruto do “pacto” que havia feito, e trata de imediato de metamorfosear o seu partido à imagem e semelhança do seu mentor, do qual mimetiza o comportamento e absorve a ideologia, e tenta transformá-lo, no escrupuloso cumprimento do plano já referido,  em uma figura consensual – que nunca o foi (vide os resultados das eleições em que entrou) – alcandorando-o numa espécie de “pai da nação” através de um verdadeiro – ou artificioso – culto da personalidade. E tudo isto, mais o já referido estatuto de “pai da nação” concedido (imagine-se!) por este MpD ao “galardoado” do prémio Mo Ibraim, faz do MpD  uma espécie de outra facção do PAICV: proibido de falar dos 15 anos de ditadura – da falta de liberdade, da tortura, do delito de opinião, das prisões arbitrárias, da autorização de saída, da penalização do boato, da perda de nacionalidade e consequente direito de voto do emigrante, da reforma agrária, da propriedade privada, do monopartidarismo, dos símbolos e rituais não constitucionais tornados de Estado, etc. etc. – e, sobretudo, de “tocar” na figura do seu suposto mentor e guia.
Estou plenamente de acordo que tudo isto não deva ser uma arma de arremesso político, mas do mesmo modo que o seu debate e reconhecimento sejam absolutamente necessários e inadiáveis. Não estou a sugerir, à imagem da que existiu na África do Sul de Mandela, nenhuma “Comissão de Verdade e Reconciliação” que, parafraseando uma personagem do célebre livro de Lara Pawson – “Em Nome do Povo – O Massacre que Angola Silenciou” (Tinta da China, 2014) – só se poderá aplicar aos países de cultura protestante, pois só eles cultivam a confissão pública.
Diz, Rafael Chirbes no seu famoso livro “Na Margem” (Assírio & Alvim - 2015) que ”O dinheiro tem, entre outras incontáveis virtudes, uma qualidade detergente. [do verbo “detergir”] E múltiplas qualidades nutricionais.” Estará nisto a “metamorfose” do MpD? Ou foi a essência do “Pacto”? Que fez afastar dos centros de decisão os mais importantes militantes do Partido? Que faz mover uma acção tremendamente vingativa e persecutória a todos os militantes que pensem de maneira diferente? Ou é apenas a ganância pelo poder?
O que é evidente é o desvio gritante deste MpD, dos princípios, valores e fundamentos que sempre o nortearam e que estão na base da sua criação e da sua razão de existir.
Nunca fui militante, e tenho pelos políticos sérios e honestos, com espírito de missão, sentido de Estado e do interesse público o maior respeito e consideração pelo trabalho insubstituível que desempenham, por mim e para mim, ou pela minha indisponibilidade ou por falta de conhecimentos e competência para os fazer. Mesmo quando deles discordo. Mas, torna-se óbvio, sente-se no ar – não sou saudosista e acredito na juventude (com carácter!) – que “Um Novo 13 de Janeiro Precisa-se!


A. Ferreira

O INSUCESSO UNIVERSITÁRIO HOJE DA GRANDE MAIORIA DOS ALUNOS CABO-VERDIANOS EM PORTUGAL

quarta-feira, 25 de julho de 2018


Mas antes de entrar no assunto inscrito no título, vamos um pouco, ao para-texto, neste caso, do assunto em contexto.
Aqui há tempos fui visitar duas boas amigas recém-chegadas do Fogo e que se encontravam hospedadas numa residencial da cidade. Nisto, junta-se a nós um velho amigo delas - antigo Faroleiro, ou antigo responsável do farol do istmo, ou da ponta, onde se encontra o Seminário de São José, na cidade da Praia - há muito reformado, quem também as havia ido cumprimentar.
 Durante o agradável encontro, o que atraiu a minha atenção auditiva foi o facto daquele senhor, faroleiro, se expressar num correcto e escorreito português ao falar connosco. Afinal, ele possuía apenas a antiga 4ª classe da instrução primária. E com ufania a alardeava! No entanto, mantinha com naturalidade fluente e sem titubear, a conversação em língua portuguesa.
Dias passados, uma cunhada minha arquitecta, que está a trabalhar num projecto de novo cemitério para a ilha do Sal, contou-me que procurou para troca de impressões, o antigo responsável do cemitério de Santa Maria, ou melhor dito, também antigo coveiro. Surpreendida com o que escutou, disse-me ela: “Ondina, o senhor falou comigo num português correctíssimo! Que eu fiquei boquiaberta!”
 Reparem os dois casos ilustrados. Trata-se de antigos agentes da base, ou do escalão mais baixo da administração pública  cabo-verdiana, portadores da antiga 4ª Classe da Instrução Primária – Faroleiro e Coveiro .
Comparativamente, expressam-se muito melhor em língua portuguesa do que muitos dos actualíssimos alunos do 12º Ano do secundário.
Alguns, para exemplo, recentemente se me dirigiram na rua - a propósito de um peditório para actividades dos finalistas de determinada escola secundária urbana -  em crioulo, porque não sabiam expressar-se em português, mesmo eu falando com eles na língua portuguesa e dizendo-lhes que fora antiga professora e que ao menos comigo se expressassem em português; motivei-os para tal, até a propósito, de um deles com boa média, querer tentar, segundo ele, uma vaga para prosseguir estudos superiores em Portugal. 
Mas mesmo assim verifiquei que de entre eles, ainda que o tivesse tentado, não conseguiram, tiveram enorme dificuldade em manter o diálogo comigo em  português...
E são estes perfis de alunos que demandam os Politécnicos e as Universidades portuguesas! 
Depois não se admirem de os ir encontrar infelizmente, mais tarde em Portugal. Numa espécie de emigração clandestina, com vergonha de retornar ao país.
Ou então, a trabalhar como ajudantes de mecânicos, sem garantias, em  pequenas oficinas (encontrei nestas condições dois jovens, que tinham ido – com altas médias - para seguir curso de engenharia.  Mas por não terem nível capaz, nem de língua portuguesa, nem das cadeiras científicas específicas para prosseguir o curso que gostariam de fazer e, para o qual lhes fora concedidas vagas ou bolsas de mérito, acabaram assim... Triste! Não é?
Estamos a falar de alunos com o 12º ano do ensino e com altas classificações locais...
Que ninguém se admire da entrevista dada (recomendo a leitura) no Jornal Expresso das Ilhas das Ilhas, de 18 Julho de 2018, pelo Professor e Investigador Filipe Themudo Barata da Universidade de Évora, que sintetiza numa frase que nos devia interpelar, pais, professores e responsáveis da Educação: “os alunos que só sabem crioulo, o resultado é o isolamento” referia-se ele a uma das causa para os mal sucedidos alunos cabo-verdianos (o que já se tornou regra nos últimos anos e não excepções) que demandam formação superior em Portugal?

Infelizmente esta situação vem piorando e deteriorando-se a cada ano que passa, sem que sem veja qualquer medida para inverter esta autêntica catástrofe nacional que é a de permitir que alunos cabo-verdianos partam - sem estarem capacitados a escrever e a falar na nossa Língua oficial, a língua veicular do ensino - para as instituições académicas portuguesas que doravante passarão a frequentar com a finalidade de  preparar técnica e academicamente, o futuro deles e o de Cabo Verde.
Creio que no caso presente, podemos falar de um autêntico abandono escolar no nível universitário de muitos alunos cabo-verdianos; de uma autêntica e caótica situação vivida pelos estudantes, nas trocas constantes de cursos sem sucesso, porque sem bases na Língua portuguesa e agora também sem bases capazes, nas disciplinas científicas.

Atenção: estes factores e estas causas, com estragos profundos, não estão sendo  devidamente avaliados, contabilizados, nem económica, nem socialmente para os jovens e para estas pobres ilhas.

Afinal, só são “bem sucedidos” aqueles estudantes que prosseguem cursos post-secundários na Praia ou no Mindelo, e que curiosamente, são os que têm a média mínima, entenda-se: a mais baixa do 12º para o prosseguimento de estudos universitários. Desta leva, sairão os mestres e os doutores que vamos tendo no país. 
Imagine-se o nível científico e cultural!

Acontece que hoje em dia, e escolarmente falando, estamos cada vez mais mal preparados. 
Contava-me há dias escandalizada, uma antiga colega e amiga, avó, que se dirigiu à escola que a neta frequentou para obter informações sobre a educanda, qual não foi o seu espanto quando se apercebeu de que o professor de geografia não se expressava capazmente em português, o mesmo sucedia - espantem-se! - com a Directora pedagógica da dita escola. E ela que se apanhou a pensar: “coitada da minha neta a levar com professores destes!
Sucede também  que a neta da minha amiga, como a minha e como a de outros com  alguma literacia, se escutam na escola “mau português,” terão a possibilidade  de reverter a situação linguística, sem grandes prejuízos futuros, pois que ouvirão em casa, a língua veicular do ensino bem expressa. Conseguem arrepiar caminho atempadamente...
Agora, imaginem as centenas de alunos, sim, centenas de alunos, oriundos de famílias que não usam a língua portuguesa, só falam crioulo, e que mandam os filhos à escola, para também contactarem e aprenderem o português, para fazer o salto qualitativo social; o que será deles? Sim, meus senhores, qual o resultado que eles terão no processo ensino/aprendizagem? O que adquirirão em termos de entendimento científico, da leitura e da interpretação de livros, de aquisição de conceitos sociais, tecnológicos e outros sem o suporte da língua veicular, na sala de aula? 
Porque a “partida” de mau gosto que estão a fazer aos indefesos alunos – para estes, a escola é ainda fundamental e o principal meio de aquisição do saber -  é que os professores no activo (excepções salvaguardadas, mas que, infelizmente, não deixam de ser excepções) explicam-se e expressam-se muito mal em Língua portuguesa, ou não se expressam de todo, com graves reflexos no processo escolar, na transmissão dos conteúdos programáticos das disciplinas curiculares! Os livros, os manuais escolares, as perguntas nos testes de avaliação, estão escritos em língua portuguesa e ainda bem que assim é! Se os professores não os interpretarem com correcção, que conhecimentos transmitirão aos alunos?

Para nós, este fenómeno era impensável há três ou duas décadas e meia atrás. Ainda que aqui e ali existissem casos. Aliás, casos, sempre os houve, mas nunca com carácter tão generalizado e tão alarmante como actualmente.
Portanto, pi-o-ra-mos! Chamemos as coisas pelos nomes que merecem, sem adornos e sem subterfúgios eufemísticos.

O que estará a acontecer nas escolas destas ilhas, algumas delas, tão brilhantes que foram outrora? E até num passado relativamente recente?

Tenho pena sincera; causa-me uma dor real, verificar que centenas de adolescentes e de jovens cabo-verdianos – sobretudo os provenientes da larga faixa populacional mais vulnerável e cujos pais e família  ainda acreditam na escola - que terminam a etapa de 12 anos de escolarização (o mais longo ciclo de aprendizagem para muitos) demonstrarem uma chocante ignorância científica, uma terrível ignorância literária, pois que desprovidos  de capacidade de entendimento lógico e dedutivo, sem hábitos de leitura, sem exercitar a análise, entre outras insuficiências e incompetências que são - dever e obrigação - tarefas da escola colmatar, reverter e facultar-lhes pistas e instrumentos - ao longo do processo e das etapas de escolarização.

E finalizo, questionando: o que significa hoje - na segunda década do século XXI -  ter o 12º ano de escolaridade das escolas secundárias cabo-verdianas, nestas condições?...  semi-alfabetizados? É isso que o país está a produzir?! É isso que a família e a sociedade gostariam de ver e de ter?

Simplesmente chocante e revoltante!

Câmara Municipal da Praia: A Escola-Piloto da Governação

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Em 2013, mais precisamente a 6 de Julho, publiquei no “coral-vermelho.blgspot.com” um artigo intitulado “Para quê facilitar se pode complicar?”. Referia-me à mediocridade e à “perversidade” da nossa administração. Era um texto relativamente extenso em que, de entre outras ocorrências, contava a minha odisseia nos labirintos administrativos da Câmara Municipal da Praia.
Passados estes cinco anos, pensei que, com a crescente informatização dos Serviços, os melhoramentos seriam exponenciais e verifico, com algum desapontamento e muita, mas muita pena, que apenas são logarítmicos (o inverso do exponencial). Mal se sentem!  Mas não em tudo, felizmente, porque nos balcões, o tratamento é agora simpático e cordial e o Gabinete Técnico mais acessível, mas nem por isso com suficientes eficiências.
É só isso, que, convenhamos, é muito pouco! Algumas diligências tornaram-se absurdas e surrealistas!!! A lógica e a sensatez desapareceram para darem lugar às mal disfarçadas mesquinhez e ganância ou à manifesta incompetência.
É preciso ter-se sempre presente que a Administração Pública visa única e simplesmente trabalhar em defesa do interesse público bem como da salvaguarda dos direitos e interesses dos indivíduos que estão sob a sua tutela. E para isto os cidadãos contribuem, para além do cumprimento de outros deveres inerentes à cidadania, com os seus impostos e taxas.
Na defesa do interesse público está, obviamente, a defesa da natureza, do ambiente. E neste capítulo a administração da Câmara da Praia é completamente negligente e incapaz. Ou indiferente?! E não me estou a referir à polémica “calcetamento ou betão – betuminoso ou hidráulico – na pavimentação do espaço público urbano”. Um capítulo em que é balançado, sopesado, quando o é, o ambiente e o conforto, havendo, querendo, espaço para as duas situações, o que na CMP só tem um sentido. Não sou um fundamentalista do “ambiente”, mas estou, seguramente, muito longe de ser o seu inimigo como parece serem os Serviços Administrativos da Câmara Municipal da Praia com a sua utilização perdulária de papel.
Usei, neste texto, alguns adjectivos que poderão parecer desadequados para qualificar os procedimentos administrativos da CMP. Procurarei, em breves linhas, justificá-los. De entre muitas situações que podia apontar, escolhi apenas uma e sua decorrência, a que me é mais próxima e recente:
Ao submeter para apreciação e aprovação um projecto de remodelação de um rés-do-chão, a funcionária que simpaticamente me atendeu deu-me um formulário para preencher onde constava vários itens relativos ao projecto e à identificação do dono da obra e, no meu caso, do procurador. Preenchido o formulário, juntei-lhe a procuração e o Projecto e entreguei. A funcionária analisa o “dossier” e diz-me:
 Falta a Planta de Localização. Tem de entregar a Planta de Localização.
Tem uma, a que serviu de base para a elaboração do Projecto, na primeira página do Caderno que tem em mãos, disse-lhe de imediato. Olha para a cópia a cores e diz-me: Tem de ser original. E olhando mais demoradamente acrescenta: E actualizada. Perguntei: mas não são vocês que passam e actualizam a Planta de Localização?
− Sim. E prestimosamente se oferece para ajudar: O Senhor dê-me os seus dados, e eu dou-lhe um número para pagar na Tesouraria. Mas também vai precisar da certidão matricial para poder ter a Planta de Localização. É fácil! E depois “levanta-as” aqui.
Mas não era assim tão fácil… O pagamento permitia apenas o agendamento de uma visita técnica para efeitos de “elaboração” (nada tinha mudado!) da Planta de Localização cuja validade é de um ano, ignorando eu, o critério da aplicação deste parâmetro: Porquê um ano e não seis meses ou três anos?
Mas então retorqui: Isto é absurdo! Os Senhores pedirem-me um documento – um não, dois - que são vocês mesmo a passar? Não faz qualquer sentido! A actualização é uma responsabilidade totalmente vossa! Não é que não deva pagar os serviços… Mas os vossos arquivos devem estar sempre actualizados. E não por “encomenda” dos cidadãos.
− Mas tem que ser assim! respondeu-me a funcionária enquanto exibia um cândido sorriso.
Deu-me, num pedaço de papel, um número, que apresentei na Caixa que me passou um recibo (em papel) para permitir o tal agendamento do qual me escuso a comentar por respeito e consideração aos técnicos. Da certidão matricial também não falo porque seria repetir-me.
Com os documentos exigidos (tudo em papel − ignoram que o uso dele – o papel – consta dos itens do combate para a preservação da natureza, do ambiente) em meu poder, juntei-os ao Projecto e entreguei o processo.
A funcionária inventariando os documentos do processo, diz-me: Ainda falta a fotocópia do Bilhete de Identidade.
Aqui passei-me com tanto descabimento e com tanta inutilidade e repliquei: Fotocópia do Bilhete de Identidade não é documento! E ela, vendo o meu estado de indignação, como se para me aplacar a ira e se demarcar da aberração, respondeu-me esboçando um sorriso: Mas, é necessária!
– Para quê, perguntei eu. A sua exigência é uma prepotência da Câmara. Já tem os dados todos registados no formulário que preenchi e confirmados por si através do BI. O processo não vai para o Gabinete Técnico? Para que querem os técnicos a fotocópia do BI.? A confirmação dos dados pessoais por si, não é válida? Não confiam em si?... Ou terão que ver a cara do requerente para saber como hão-de avaliar o Projecto?
– Não sei… é exigida!
– O que deve ser exigido, avancei eu – é o pedido de autorização para fotocopiar o meu documento (pessoal e intransmissível) de identificação. É assim nas sociedades respeitadoras dos dados pessoais… E acrescentei: Se são vocês que precisam da fotocópia porque não a fazem vocês; aliás, não é assim que procedem as instituições bancárias? Eu autorizaria – mais calmo, achei espaço para brincar. E não a fazem aqui? Eu pago, concluí.
– Não, não fazemos aqui fotocópias. Tem que ser o senhor, lá fora. É perto. Aí a uns 500 metros encontra uma reprografia, disse-me querendo ser simpática.
Lá fui eu, mais uma vez, à procura de uma reprografia para gastar o meu precioso tempo e trazer mais um papel inútil porque dispensável.
Agora sim! – diz-me ela, com um sorriso triunfal nos lábios enquanto conferia, em voz alta, os documentos do processo: Certidão matricial; Planta de Localização (passadas pela própria Câmara!!!), fotocópia do BI e o Projecto. Está tudo!
– Então, quando é que eu terei uma resposta?
– Normalmente, se estiver tudo correcto, é uma semana. Venha daqui a uma semana!
Lá fui várias vezes, durante quase três semanas, depois de passada a primeira semana de prazo. E foi preciso a intervenção de um amigo meu – mesmo estando tudo em conformidade – que lá conhece gente, para que o assunto fosse resolvido.
E agora pergunto: Não é absurdo ou mesmo surrealista que uma instituição exija para a elaboração de um processo que lhe será entregue os documentos que ela própria produz? Será ganância, irracionalidade, desorganização ou incompetência?
Ainda uma outra pergunta: Não é, por mesquinhez, indolência ou vontade expressa de complicar, que uma instituição não faz uma fotocópia, – que diz precisar, não se sabe bem para quê – de um documento do qual tem (ou pode ter) todos os dados? e que não lhe custaria, caso a fizesse, mais do que uns escassíssimos 10 escudos?
A questão não pode ser apenas dinheiro, em que uma taxa única onde todos os serviços são incorporados numa estrutura única de custo seria uma solução simples e eficaz que evitaria o vergonhoso chico-espertismo ou a esperteza saloia que se apoia em absurdas e irracionais pedidos de documentos que a própria instituição passa. É também indolência, vontade expressa de complicar, algum sado-masoquismo à mistura, numa manifestação de indiferença perante o ambiente e de sadismo em relação ao munícipe obrigando-o a expedientes dispensáveis e sacrificando a natureza, o ambiente, com papéis desnecessários e inúteis. Os documentos internos, repito, devem estar disponíveis, pelo menos, na rede interna, no sistema… O que se passa é simplesmente ridículo! Não se informatiza para continuar com o espírito de FAIMO!
Mas que ninguém se admire ou estranhe! É assim que vai o País! A CMP é a escola-piloto da nossa governação. Em tudo…
Daí que a administração e a gestão da CMP são, de certa forma, a imagem canónica da governação do País. Um País que vem sendo administrado e governado por gente sem qualquer sentido de Estado e do interesse público. Gente que em vez de servir, serve-se… tentando fazer confundir o jurídico com o político; o amiguismo com a competência; o legal com o legítimo; o verdadeiro interesse público, com o interesse meramente pessoal no desempenho de funções públicas; a negociação com negociatas; o acordo com a cedência humilhante e suspeitosa; o servilismo e a subserviência com o respeito e a admiração; o silêncio com o consentimento e o conformismo; o útil com o fútil.
Desenganem-se!... Se a oposição faz de conta e abstém-se em assuntos cruciais e importantes tornando-se cúmplice; e esfrega as mãos de contente por ver as suas políticas mais polémicas realizadas, para depois fingir-se contra, fora dos órgãos do Estado e na Comunicação Social, ou então calar-se; nós estamos todos bem atentos e não embarcamos nessas viagens fantasiosas e deslumbrantes… Conhecemos-lhes os custos e mesmo os seus mais esconsos objectivos.

A.   Ferreira