O meu “post” para o Fogo…

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Pois é, passadas quase duas décadas, a última erupção foi em 1995, o “monstro sagrado” da ilha do Fogo despertou de novo. Isto é, “…nho Vulcão trazê sê spanto!” (...o senhor vulcão trouxe-nos o seu espanto) Como cantaram os versos da morna do falecido Enfermeiro Barreto, feita para a memória da grande erupção vulcânica de 1951.
Os foguenses já respiram mais aliviados, embora a situação dos desalojados ainda “corte o coração” pelas perdas materiais sofridas e pela mudança brusca de uma vida organizada numa pequena região, das mais férteis da ilha.
Infelizmente, houve danos materiais elevados – tudo é relativo – mas para muitas pessoas da Chã da Caldeiras o desastre soou como um quase “absoluto,” uma vez que perderam tudo o que ergueram para uma vida. E de entre as gentes daquela ilha, era das mais abonadas em termos da agricultura e da pastorícia uma vez que dadas as condições do solo, a natureza é aí mais pródiga do que noutras regiões da ilha. Os moradores cultivam duas vezes por ano, o que é quase milagre nestas ilhas secas. Têm gado e pasto garantido o ano todo. Quem observa aquele torrão queimado e escalvado, nem imagina que a agricultura e a pastorícia aí se dêem tão bem.
Interessante, volto a repetir, é que a gente da Chã das Caldeiras, mesmo a mais pobre, e relativamente à das outras ilhas, em igualdade de circunstâncias, não passa fome.
Creio não faltar à verdade, se disser que a generalidade dessas pessoas não está habituada a depender, a pedir e a ter privações demasiado básicas, por que agora estão a passar.
Daí que as autoridades não estejam a encontrar um “padrão” para lidar com o comportamento, aparentemente de “pobres e mal-agradecidos” daquela gente.
Trata-se de uma impaciência, não só gerada pela impotência perante uma catástrofe natural, como também oriunda de um certo padrão de vida, agora perdido.
Permanece até ao momento em que escrevo este “post” algum isolamento da ilha do Fogo, não só internamente, com algumas estradas queimadas, como também com o exterior.
A solidariedade internacional e nacional foi amplamente manifestada. Pena foi e é que as autoridades não souberam ou então não puderam (posso admitir) distribuir e acudir em tempo mais útil aos desalojados e necessitados, com as ajudas recebidas. Digo isso, pois fortes críticas se fizeram ouvir.
Outra coisa, já é tempo de nos esclarecermos, de que em muitas matérias não somos auto-suficientes, nem de longe, nem de perto. Não somos e mais do que nunca! Esta asserção é hoje global, mas para nós, põe-se com imensa e particular acuidade.
Assim sendo, são sempre bem-vindas as colaborações, as cooperações de fora das ilhas e sobretudo, de países amigos em circunstâncias adversas …
Enfim, de qualquer forma, graças devem ser dadas, pois não houve perdas humanas a lamentar.
A propósito da situação por que passa a ilha do Fogo, recebi – nos inícios deste mês – de uns amigos, um casal de profissionais da área vulcanológica, que cá estiveram connosco no Verão passado, uma mensagem que é também uma “memória” (agora já é) que conservaram dos lugares da Chã das Caldeiras por onde andaram. Por se tratar de um trecho interessante, pedi-lhes autorização para aqui transcrever a bonita descrição que fazem do que foi Portela e arredores: “Como devem imaginar todos os dias pensamos em vocês à medida que vamos acompanhando as noticias que nos chegam quase que hora a hora. Lembramo-nos logo das histórias que a Ondina nos contou de antigos episódios (51 e 95) como o que agora se repete em que a ameaça Mosteiros veio novamente a fazer-se sentir.
Como as noticias foram sendo muitas íamos "vigiando" o que se passava – alguns dos nossos amigos estiveram presentes nas equipas de acompanhamento da erupção.
Foi com tristeza, mas não com surpresa, que vimos a Portela ser engolida logo seguida da Bangaeira.
O museu que vimos em fase adiantada de construção, o hotel onde comemos um peixe delicioso, a cooperativa onde comprámos vinho e até a tasca do Montrond onde comprámos também o vinho doce que eles faziam, as igrejas – uma em frente da outra – e todas aquelas casas da povoação – tudo isso pagou o seu tributo à natureza.
Vá lá que não houve outros prejuízos para além dos económicos – o vulcão acabou por ser gentil – avisou e deu o alerta e foi manso na hora do maior aperto.” Fim de transcrição.
Para findar o escrito, expresso ao leitor, os votos de um novo ano melhor, com tranquilidade, paz e harmonia.



quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
 

O meu berço flutuante...

Eis acima o vapor «Guiné», o meu local de nascimento.
Mas vamos por partes. Os meus pais, e os manos mais velhos, partiram do Porto Grande de Mindelo numa cálida noite do mês de Agosto, rumo a Lisboa. Eu seguia na mesma viagem, só que bem aconchegada no ventre da minha progenitora.
Decorria o ano de 1946. De acordo com o narrado pelos meus pais, eles só contavam comigo  em terras lusas, já  desembarcados e instalados em Lisboa.
Surprendentemente, a 17 de Agosto e  em pleno mar alto, "na latitude norte vinte graus e cinquenta e um minutos e na longitude oeste de Greenwich,vinte e dois graus e um minuto" -transcrição do assento de registo a bordo - anunciei-me.
Houve algumas peripécias ocorridas durante a viagem. A tripulação não contava com nascimentos a bordo. O Comandante, de seu nome Ambrósio Pereira Ramalheira, para remediar a situação de toda inesperada,  decidiu "fechar" o salão do barco e transformá-lo em maternidade, instalando aí, mãe e filha.  Havia médico e enfermeiro no barco.
Aconteceu que os jovens que iam de férias ou, para estudos em Portugal, é que não gostaram nada da emergência. Entenda-se: era hábito haver bailes e festas no salão do barco, ao longo dos muitos dias em que decorriam as viagens Praia/Mindelo/ Funchal/Lisboa, e naquela viagem não puderam desfrutá-los.
Na ilha da Madeira, no porto do Funchal, o meu pai foi à terra comprar um enxoval para a bébé, pois segundo a minha mãe pensava comprar tudo em Lisboa. Logo, as minhas primeiras vestes foram madeirenses.

Bem, adiante, registada a bordo como mandavam as leis na época, a Companhia Colonial da Navegação, a que pertencia o barco, entregou aos meus pais um documento que dizia ter eu a partir daí, viagens gratuitas, a bordo do paquete portugês «Guiné». Infelizmente, nunca tal aconteceu, pois em 1949, naufragou o meu berço flutuante.

  P. S. Segue uma digitalização do meu Registo de nascimento.









Pequenos acasos em grandes vidas?...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014


Veio isto a propósito da recente atribuição do Prémio Nobel da Paz ao benemérito médico indiano, Kailash Satyarth, incansável activista pela causa do trabalho escravo infantil, e das crianças em risco na Índia.
Outra laureada com o mesmo galardão da Paz é a nossa conhecida Malala Yousafsi, uma adolescente extraordinária e fora de série, por quem tenho uma admiração enorme, que defende a educação de milhões de crianças sem escola. Dois rostos, que agitam afinal, uma grande bandeira – a integridade do ser infantil – que deveria ser a prioridade da chamada humanidade.
Pois bem, a historieta que a seguir narrarei tem a ver com o patrono dos prémios, Alfred Nobel.
Conta-se ou melhor, registaram os biógrafos de Alfred Nobel, famoso químico e inventor sueco (1833 – 1896) um facto assaz interessante e que transformou quase por completo a memória que a humanidade havia dele guardar.
Aconteceu que em 1888, faleceu o irmão mais velho de Alfred, Ludvig Nobel igualmente engenheiro químico, inventor e homem de negócios. No obituário que apareceu nos grandes jornais franceses, confundiram os manos e deram como falecido, o mais famoso deles, Alfred Nobel.
Um dos jornais mais lidos em França, trazia inclusivamente, em grande cabeçalho a seguinte notícia: “Morreu o mercador da morte».
Alfred Nobel pôde ler o seu obituário em vida e rapidamente apercebeu-se de como ficaria conhecido para a posteridade, como o inventor de dinamite que na realidade foi.
Produto bem conhecido, que embora seja ou, tenha sido grande auxiliar em notáveis obras de engenharia, foi também utilizado em larga escala, em guerras para a destruição de vidas e de bens…
Daí que o seu inventor, tenha reflectido e pensado bem. A humanidade iria lembrar-se dele como o “mercador da morte” tal com preconizado no jornal francês…
Então resolveu criar a Fundação Nobel com a instituição de cinco prémios, a saber: Química, Física Medicina, Literatura e Paz Mundial.
Algo grandioso que começou a funcionar na realidade, a partir de 1900.
Hoje, Alfred Nobel é de facto mais conhecido pelo prémio Nobel, instituído por ele, do que como inventor do “famigerado” dinamite que tantas vidas e património destruiu nas guerras e nos conflitos mundiais de então …
Para finalizar o meu escrito, volto ao título: pequenos acasos em grandes vidas. Foi sorte dele ter lido em vida, (perdoem-me o aparente pleonasmo) a própria notícia da morte.