Como é tradicional nos parlamentos dos países democráticos, o ano parlamentar fecha-se sempre com o debate sobre o estado da Nação. E nessa esteira a agenda do nosso parlamento apontava como habitualmente para o encerramento do ano parlamentar o “Debate sobre o estado da Nação”. E em vez disso assistimos não a um debate mas ao verdadeiro Estado da Nação – uma bagunça pegada entre aqueles que são bem pagos (à nossa escala) para representar a Nação; um misto de uma verdadeira feira das vaidades e um mercado de peixe.
Não houve debate. O que assistimos foi um verdadeiro retrato do estado da Nação. Entre gritos histéricos de determinados protagonistas e a generalidade de acusações pessoais mútuas entre deputados entre si e também com membros do governo, ficamos a saber como está a Nação. Aquilo que o próprio presidente da Assembleia classificou de “uma vergonha”.
Gritar não é falar alto. E mesmo falar alto não significa ter razão. Alguns actores do nosso Parlamento e do Governo, mas sobretudo deste último que é useiro e vezeiro deste comportamento, deverão ter isso em conta sob pena de, quiçá sem se darem conta, nos tratar de diminuídos mentais. Sabemos perfeitamente distinguir!
O PM apresentou realizações enquanto a oposição exigia aquilo que é o sinal de boa governação. Realizações que tenham redundado no bem-estar e na melhoria da qualidade de vida da Nação no seu todo.
Na verdade, realizações não são, de per se, sinal de boa governação. Boa governação significa: Igualdade e facilidade em acessibilidades; mais e melhor saúde; mais e melhor educação; mais e melhor habitação condigna; mais e melhor energia; mais e melhor saneamento (água e esgoto), entre outros. Tudo o resto são meios para atingir esse desiderato.
Atente-se ao caso de Portugal, o mais próximo país europeu e vizinho paradigmático: Tem a maior e a melhor rede de auto-estradas per capita da Europa; um dos mais generosos “Serviço Nacional de Saúde” também da Europa, o que pode significar do mundo; e uma vasta rede de escolas públicas.
No entanto veja-se como são classificadas as governações que criaram e mantiveram essas infra-estruturas e serviços. Hoje fecham-se serviços de urgência, centros de saúde, escolas públicas, empresas públicas e outras instituições, sinais, inequívocos, de grandes realizações de outrora mas também, inquestionáveis, de má governação que a crise apenas revelou.
É tempo de se assumir com humildade os erros que se vêm cometendo na governação do País. Ponderar seriamente sobre as críticas da oposição e procurar fazer a triagem entre a eventual demagogia e a realidade.
Quando a oposição diz que ao longo dos últimos 11 anos gastaram-se 400 000 000 000$00 (quatrocentos mil milhões de escudos - CVE) o PM não pode responder da forma como o fez, demagógica e populista, afirmando que seria falar de todas as infra-estruturas e equipamentos sociais construídos, de todos os serviços montados etc. etc. Não, nada disso! Era apenas tempo de apresentar os verdadeiros impactos dessas realizações na vida de toda a Nação através de indicadores de bem-estar que apresentem alguma sustentabilidade. E isto ele não o fez nem o podia fazer. Não se estava a falar de corrupção que é apenas uma vertente, mas sim de boa governação, da sua eficiência e eficácia.
Quando a oposição apresenta dados estatísticos, de observatórios internacionais que expressam designadamente que:
- O nosso país ocupa a antepenúltima posição (140º) de entre todos os 142 países avaliados, em matéria de défice orçamental relativamente ao PIB;
- Cabo Verde está entre os países com maior dívida pública relativamente ao PIB, ocupando a posição 123ª entre os 142 países avaliados.
- Cabo Verde ocupa a centésima décima nona (119ª) posição entre 142 países cuja competitividade foi avaliada.
- Entre 142 países avaliados, Cabo Verde ocupa a centésima trigésima primeira posição (131º) no que respeita a qualidade do fornecimento de energia eléctrica.
- Cabo Verde está quase na cauda – 124º lugar – dos 142 países avaliados, em matéria de taxa líquida de escolarização primária.
Perante esses dados, não contestados, não pode haver da parte do Governo, espaço para triunfalismos bacocos. Há que pensar neles com seriedade porque é o futuro das próximas gerações que está em causa. Admiti-los para os combater; fazê-los inflectir com adequadas medidas de política e não fazer de conta e olhar com arrogância e desprezo para o lado.
A crise é global e não estamos imunes porque somos ainda uma economia muito frágil e muito dependente. É tempo de dizer a verdade aos cabo-verdianos. Que a situação é séria e vai exigir sacrifícios.
AFerreira