Proibição do Crioulo ou Recomendação do Português?

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Tenho seguido em conversa rigorosamente de café, no caso no “Nhô Eugénio” que frequento regularmente, – felizmente que há muito que deixei de ler artigos sobre o assunto – uma polémica à volta de uma eventual “proibição” de falar outra língua que não o português, na circunstância o crioulo, entre os alunos da Escola Portuguesa de Cabo Verde, pelo menos no espaço restrito da Escola. Não descortinei qualquer problema no assunto e fiquei deveras surpreendido com a dimensão da polémica. Daí, ou melhor, daqui a minha surpresa; e esta apoia-se nos pressupostos seguintes:

1.  1.Será que a medida tomada vai ao arrepio dos objectivos pedagógicos da Escola e, consequentemente, prejudicial aos alunos? Esta seria a minha preocupação primeira: Se os alunos são, de algum modo, prejudicados com a medida. Nessas discussões, alguém com conhecimentos nesta matéria, lembrou que o método que possivelmente usa a Escola Portuguesa no ensino do português, é o método vulgarmente chamado de “banho imersivo” dos alunos na aprendizagem de uma língua viva, segunda ou estrangeira, isto é, elimina-se à volta dela qualquer interferência de outra língua, ainda que seja a Língua nacional, para que o aprendente  possa interiorizar e automatizar no fim da aprendizagem a língua ensinada, no caso  em  foco,  a Língua portuguesa.

2.  2.Ter em conta que a Escola Portuguesa é, para Cabo Verde, um estabelecimento de ensino privado, com o seu programa e com objectivos bem definidos entre os quais, – não sei se expressos nos Estatutos, – o fomento e a promoção da Língua portuguesa. Deste modo só a frequenta quem quer, e aquele que o fizer terá de se cingir aos seus objectivos e métodos desde que os mesmos não sejam inconstitucionais ou contrários às leis do País. 

3. 3. Outrossim, a recomendação – trata-se de uma recomendação pedagógica e não de uma proibição, – há anos que vem sendo praticada pelos estudantes do “Les Alizés” com o francês e, neste caso, mais me parece que tenha havido uma ufania, uma vanglória, na apresentação deste procedimento da parte dos pais e encarregados de educação dos estudantes que frequentam esse estabelecimento de ensino francês do que uma condenação ou repúdio como agora acontece com o português. 

4.   4Que indivíduos da geração pós-independência – são eles os pais ou encarregados de educação dos alunos – a geração mais escolarizada e qualificada que Cabo Verde alguma vez já teve, sejam ainda, na era da globalização, reféns de um nacionalismo serôdio e em muitos aspectos retrógrado, que eu pensava ter ficado pela minha geração… 

5.  5. Pensar, depois de quase 50 anos de independência que se trata, ou poderia tratar-se, de uma retoma de práticas “coloniais” de um Portugal inquestionavelmente de Liberdade e Democracia, só pode resultar de uma ignorância total do Portugal de hoje, de um exercício de má-fé ou de falta de um mínimo de conhecimento do ensino de língua (segunda ou estrangeira) não materna ou de algum problema mais profundo muito mal resolvido.

6. 6. Isto quando muitos dos nossos mais acérrimos “nacionalistas” já têm duas ou três nacionalidades – uma delas, seguramente, portuguesa – que tanto negaram aos seus concidadãos que viviam na emigração.

7.  7. Ter sempre presente que se trata de uma Escola Portuguesa!!! Não uma Escola Pública cabo-verdiana. Uma Escola orientada prioritariamente para os portugueses que vivem na emigração e para a promoção da Língua portuguesa. A sua escolha, por parte de cabo-verdianos não é obrigatória nem imperativa. Ou não seria assim, se a Escola fosse na Arábia Saudita, no Quénia ou no Senegal?

Não se compreende a polémica e a sanha que sucedem com o ensino da língua portuguesa em Cabo Verde. Se calhar, é por este acantonamento, que no Brasil, um país de língua portuguesa, se exige ao estudante cabo-verdiano a prova do domínio da língua portuguesa e que em Portugal muitos conterrâneos são preteridos na procura de empregos em relação a outros da CPLP. Conheço vários casos confessos. 

Mas, o mais interessante de tudo isto é que os mais exacerbados polemistas são todos indivíduos que bem dominam – e, muitos vivem, ou já viveram, quase que exclusivamente desse domínio, – a língua portuguesa.  Pode não ser intencional, mas resulta seguramente num método muito eficaz para reduzir drasticamente ou mesmo extinguir uma virtual (ou real) ameaça da concorrência.

O Governo bate palmas. A polémica vem mesmo a calhar: Enquanto se dissipam energias na discussão deste (não) assunto, esquecem-se os sérios e importantes problemas que o país enfrenta com a má qualidade do nosso ensino e com a oferta indigente da Escola pública nacional cuja contínua decadência constituiu uma das principais razões da instalação da Escola Portuguesa decorridos mais de 40 anos da Independência Nacional.

E, não há dúvidas que o êxito, o sucesso declarado e reconhecido da Escola Portuguesa de Cabo Verde - Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPCV-CELP) vem seguramente incomodando muita gente!...

É claro que não defendo que aqueles que não consideram a recomendação (ou mesmo “proibição” pedagógica) pertinente e benéfica que retirem os seus filhos ou educandos dessa Escola, mas sim, que promovam uma reflexão pedagógica sobre o assunto de onde resultem propostas alternativas, pelo menos, de igual eficácia. Seria uma reforma e, presumivelmente, a Escola agradeceria!!!

A.     Ferreira


Foi a brincar… o Carnaval?

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 



Na Quarta-feira de Cinzas, recebi uma mensagem da minha irmã mais nova, que me perguntava: “quando é que vestir de Mandinga no Carnaval, vai virar politicamente incorrecto?” (sic)

Por sinal, este assunto já mereceu um pequeno texto neste blog há já algum tempo.  Além disso, o escritor angolano Eduardo Agualusa já havia revelado também o seu espanto (leia-se: a sua indignação pelo facto).

Porém, podem trazer as justificações que quiserem, e acharem por bem, mas que não é correcto, já não é! Até, atendendo aos valores que mais tarde abraçámos e que dizem respeito à forma como hoje encaramos o Continente africano. Estamos em pleno século XXI os valores serão outros e o convívio com culturas e com povos diferentes deverão basear-se no respeito mútuo.

Na minha opinião, ao se proceder assim pelo Carnaval, poderá revelar e significar uma grande falta de respeito por uma etnia populosa, um grupo humano, transnacional que vive na Guiné-Bissau, na Guiné-Conacri, no Níger, no Senegal, no Mali, no Burkina Fasso, entre outras regiões do Continente africano. E mais, alguns imigraram para Cabo Verde. Estão cá, vivem entre nós, em número assinalável, vêem e possivelmente, sentir-se-ão magoados por um grupo carnavalesco os caricaturar. Acham bem? Que gozemos connosco mesmos, com os das ilhas, até é bom, é salutar, e revela inteligência! Façam isso. Agora, coisa outra e bem diferente é “gozar” com uma comunidade estrangeira e que está ainda por cima, entre nós a viver imigrada nas ilhas.

Daí ter sido pertinente, a pergunta da minha irmã:  “Quando é que vestir de Mandinga no Carnaval, vai virar politicamente incorrecto?”

 Uma situação que também foi igualmente criticada - como já aqui referi - na frase bem achada de Agualusa que terá dito, algo aproximado, quando assistiu ao desfile dos blocos de Carnaval no Mindelo: “Negros, pintados de preto" e a troçar do mandinga? Já não me recordo exactamente das palavras proferidas pelo escritor, (Li-as num livro de Crónicas do escritor, intitulado «Paraíso e Outros Infernos» há já algum tempo) mas terá sido com esse sentido, a imagem por ele definido.

Bem sei que o não fazem conscientemente, por mal. Na realidade, em São Vicente, houve um facto, que levou ao aparecimento deste bloco carnavalesco.

Conta-se que na década de 40 do século XX, terá passado por Mindelo, a bordo de um dos barcos que à época fazia a carreira – Bissau – Praia – Mindelo – Funchal e Lisboa, um grupo de guineenses da etnia mandinga que viajava para Portugal, com a finalidade de ser apresentado naquela que foi a grande Exposição do “Mundo Português” em 1940 e que decorreu em Lisboa.

Ora bem, - vamos imaginar o que terá acontecido - os integrantes do grupo desembarcaram com a sua vestimenta tradicional e terão percorrido a cidade do Mindelo, alguém, um local, tê-los-á observado e terá tido a ideia de gozar com eles, naquele jeito que era bem mindelense de tudo, ou quase tudo caricaturar, mascarando pelo Carnaval um grupo. Acredito que na altura  deve ter tido muita piada.

Deste facto terá ficado a tradição de, anualmente, e durante os festejos carnavalescos, desfilar o bloco dos “Mandingas”, mas já é mais do que tempo de se atinar no significado disso, à luz da actualidade, ou seja, de se pensar que fazendo isso se pode estar a ofender uma comunidade viva.

Pois bem, todos sabemos que o Carnaval é uma festa para brincar, para se satirizar, troçando de factos do quotidiano, de assuntos sociais na moda, e de fazer galhofa com figuras políticas ou históricas, antigas e actuais e Mindelo sabe fazê-lo, para além dos belíssimos desfiles de foliões e das alegorias  a que já nos habituou  entre outras formas de brincar ao Rei Momo que é o Deus da sátira e do riso. Bem-haja o Carnaval!

 Mas passados 83 anos, e tendo em conta que Cabo Verde comunga hoje de outros valores e que possui um outro olhar sobre o Continente africano, não devia caricaturar - ainda que seja naquela toada de que “é Carnaval não se leva a mal” - uma comunidade, da qual, parte dela encontra-se imigrada neste Arquipélago.

Sei que é uma opinião, e que vale exactamente apenas isso. Outros, analisarão e abordarão o facto de maneira diferente.

 

 

 


Quem Guarda a Cidade?...

sábado, 18 de fevereiro de 2023

 

Sim, é isso mesmo o que me pergunto: Quem Guarda a Cidade? Quando não vejo “guarda” algum, leia-se polícia na rua, no Bairro, aquele polícia que se chamava antigamente,” polícia de giro,” (de ronda pelas ruas) e, ao invés disso, o que vejo mesmo – e creio que toda a gente a vê - é a impunidade do ladrão, do assaltante que manda na cidade da Praia.

Abro aqui um pequeno parêntesis para esclarecer que o que pretendi com o título que encima o texto, foi o de parafrasear a célebre parábola de Salomão, no versículo que diz mais ou menos isto: “Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” Qual a relação deste versículo com o conteúdo deste escrito? Mutatis mutandi e com o devido respeito à palavra bíblica e ao seu alcance que é outro e é religioso, diria que se fôssemos minimamente bem defendidos pela nossa Polícia, a cidade capital seria outra. Seria talvez, um pequeno paraíso para se viver…

 Mas ao contrário, o que vivenciamos nós, os residentes da cidade da Praia no dia-a-dia, denomina-se: Medo. Medo de sair à rua e ser assaltada à porta de casa ou, no virar de esquina; medo de estar em casa e os assaltantes entrarem, derrubando todas as defesas - grades, arame farpado, fechaduras, alarmes, câmaras, muros altos circundantes entre outras formas de defesa - a que fomos obrigados a acrescentar à nossa residência, estragando-lhe toda a estética – e que de segurança apenas nos dão uma ténue ilusão.

O medo habita na nossa mente. O medo tomou conta de nós e expressa-se em cada movimento que fazemos quer seja em casa, quer seja na rua.  É este, infelizmente, o quotidiano do residente da cidade.

Mas pior do que isso tudo, é a impressão com que se fica  de que o ladrão aqui na Praia, está e sente-se à-vontade nas ruas da cidade, pois que se considera “dono e senhor” delas. De facto, nós os residentes, suas vítimas, não vislumbramos polícia algum,quando somos assaltados. Aliás, só iremos ter o privilégio de os ver - os agentes - horas depois do roubo feito, de longa espera na polícia para materializar a queixa  e do bandido se ter banqueteado e rido à custa, não só da polícia que ele sabe  que nada descobre, mas também, de nós, os espoliados. E quando digo que nada descobre, falo com conhecimento de causa; a minha residência e a da minha filha juntas já foram assaltadas mais do que meia dúzia de vezes e a taxa de sucesso na procura do ladrão e dos objectos roubados, é zero. Nunca apareceu um singular objecto roubado. Reitero a afirmação, uma vez que apresento queixa formal todas as vezes, sem nunca ter falhado uma. Tenho ido à Esquadra, embora saiba de antemão de que não vai resultar em nada. A minha contribuição será apenas para a estatística. E espero que figure quando, um responsável governamental ou outrem, apresentar contas no Parlamento não diga que a criminalidade na Praia diminuiu. Não, ela não diminuiu. Bem pelo contrário a percepção que temos é que a onda de assaltos às pessoas e às casas vêm crescendo, dia após dia e com mais violência - leia-se o que sobre isso denuncia o Provedor da Praia, com uma frequência a todos os títulos indesejável. 

De facto, o que tem diminuído são as queixas (estatisticamente) uma vez que o processo policial conjugado com a expectativa de sucesso não é apenas um autêntico convite à desistência e ao silêncio, mas um forte apelo à inacção e à resignação da vítima.  Acresce-se a tudo isto o facto da vítima, a quem foram subtraídos objectos, alguns até de alto valor afectivo,  seja incomodada − o ladrão já gozou da sua “safra”, continua impune e seguro a farejar a próxima casa para assaltar - com uma intimação em termos violentos − sob ameaça de que se não comparecer na Procuradoria da Comarca, será detida, multada num valor que pode chegar a dezenas de contos −   para ser ouvida por um Procurador, no dia tal, às tantas horas. Bem sei que me dizem que se limitam a copiar os termos e a linguagem que vêm exarados no Código Penal. Mas convenhamos, tratar a vítima como um criminoso? Não haverá por aí um teor menos ameaçador e intimidante para quem já foi espoliado no seu património? …

Tudo isto em termos que mais sugerem de que o transgressor foi o queixoso e não quem violou a residência para roubar, é que cometeu um crime. Como escreveu o poeta Augusto Gil: “que quem já é pecador, sofra tormentos, enfim! //mas as crianças (neste caso, substituir “as crianças” por: vítimas dos roubos) Senhor porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim? (…)”

 E o ladrão? Será que a polícia o procurou? Onde pára ele? … os pertences a esta altura já não existem. Estarão seguramente nas mãos dos receptadores desconhecidos pela Polícia numa cidadezinha com a dimensão e a população da nossa Praia.

Ou não será isso, enviar os processos, contra desconhecidos para a Procuradoria, um estratagema para serem evitadas queixas sobre furtos e assaltos?

 Nos termos em que é feita a notificação judicial, é-se levado a assim pensar – redução estatística das queixas, iludindo e contrariando a realidade.

É neste quadro que se propala o desenvolvimento do turismo. Será mesmo que querem turistas a visitar-nos? Como? Se o cartão de visita mais visível ou o mais percepcionado que temos para lhes apresentar, são os meliantes que assolam a urbe num perfeito à-vontade?

E para terminar este pequeno desabafo de grande indignação, registar uma informação que não parece de todo, despiciente: a Procuradoria da Comarca da Praia, onde trabalham  cinco Procuradores, segundo ouvi dizer, cada um deles já tem à sua jurisdição cerca de 6 mil processos contra património, isto é, sobre roubos e assaltos a residências e outros locais da cidade. Ora, cerca de 6 mil processos neste início de ano ainda, já perfazem 30 mil. Soube também, que no ano passado, tiveram no final do ano, à volta de 43 mil processos contra património, roubos e assaltos nesta nossa urbe. Logo, tudo indica que a criminalidade não dá mostras de diminuir, pelo contrário, volto a repetir, está num crescendo desesperante para os moradores.