Este
escrito, foi-me sugerido por uma imagem altamente desafiadora, transmitida nas
televisões portuguesas, aquando das manifestações ocorridas na Baixa lisboeta,
por morte do homem de origem cabo-verdiana, atingido infelizmente, mortalmente por um tiro
de polícia. Creio que no passado mês de Outubro, de 2024.
O que vi interpelou-me: uma mulher, que me pareceu
ser da ilha de Santiago, logo, cabo-verdiana, empunhando uma enorme bandeira de
Cabo Verde e com a cara-imagem de Amílcar Cabral na “T-shirt” que envergava.
Ela deliberadamente subiu uns degraus de uma estátua, ao longo da Avenida da
Liberdade em Lisboa, ficando bem alta em relação aos de mais participantes da
marcha, e com isso atraiu a atenção dos Repórteres e dos Fotógrafos aí
presentes, que a focaram de modo intenso. Teve o seu momento de glória, parecendo sentir-se pela postura o “centro” dos acontecimentos.
Ora
bem, imagem destacada que me interrogou da seguinte forma: Não seria esta imagem
um paradoxo? Uma espécie de contradição,
de contrassenso, envergar de forma ostensiva e exibicionista, estes símbolos
que remetem para a independência, em que tanto se
empenhou Cabral para que Cabo Verde deixasse de ser pertença de
Portugal? Exibi-los de forma reivindicativa,
em pleno na Capital da antiga Metrópole colonial? Quando ela, pela lógica das
coisas e da escolha feita, (a independência) deveria estar a viver
tranquilamente nas ilhas? Não foram estas as premissas trazidas pela
independência das ex-colónias, em que o desenvolvimento e o progresso
acompanhariam os países tornados independentes há cinquenta anos? Parece
paradoxal…
Afinal,
a protagonista do momento, na marcha, pareceu-me pelo aspecto, tratar-se de uma
jovem mulher que emigrou, após independência. E que por necessidade de vida
melhor acolheu-se em Portugal, uma vez que o país dela não lhe proporcionou
condições de vida. E, tal como ela, vejo centenas, senão milhares de jovens,
homens e mulheres, oriundos das antigas colónias portuguesas, incluindo do
Brasil, a procurar avidamente sair das suas terras para Portugal.
O
interessante disto tudo é que os Activistas que por aqui andam, só descompõem e
destratam o país de acolhimento, sem se lembrarem de endossar uma única crítica!
Nem uma! aos governos dos seus países de origem que os fizeram demandar terras
lusas. Chegou-se ao ponto de o Presidente da República Federativa do Brasil, país independente,
há dois séculos, proferir em alto e bom som de que se Portugal não se
acautelasse, qualquer dia haveria em Portugal e dentro de pouco tempo, mais
brasileiros do que portugueses. O ilustre governante, não fez a meta semântica
da sua frase…haja decoro linguístico!
Voltando à manifestação, embora
pudesse entender os motivos da marcha, afinal de uma morte se tratava, já os
símbolos que mostrava a participante cabo-verdiana da mesma, não me pareceram absolutamente nada adequados à
circunstância.
Será
que os nossos historiadores, analistas e activistas já pararam para pensar
sobre os motivos e as causas que levaram e levam à maior emigração de sempre para
Portugal - note-se: após o processo das respectivas independências - de
angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, são-tomenses e moçambicanos
a tornar aquele país, também da CPLP, desejado para o seu refúgio, para uma
vida melhor e para a cidadania?
Retomando
o título deste texto: Pobre Cabral! Se ele agora voltasse a este mundo nem que
fosse sob forma e disfarçado de romeiro, em jeito da personagem D. João de
Portugal, da obra «Frei Luís de Sousa» de Almeida Garret; ou de encoberto, à maneira
de Dom Sebastião, havia de se escandalizar, incrédulo daquilo que fizeram dos
seus sonhos, e das utopias por ele imaginados para a Guiné e para Cabo Verde,
independentes há cinquenta anos…
Do mesmo modo, abranja-se nestes sonhos não realizados do pobre Cabral, e por extensão, também os dos independentistas/nacionalistas, de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, porque não, do Brasil.
Continuando, os novos imigrantes em Portugal, quase todos eles possuem um ponto que os aproxima: que é o tempo de partida dos seus países de origem: emigraram afinal, após as independências respectivas. (para uns já há séculos, para outros, meio século) e em grande número para o antigo país colonizador,
Interessante,
é que os seus activistas em terra de acolhimento, não se questionam porque é que
todos eles tiveram necessidade de deixar as terras de origem para se mudarem
para Portugal? Porquê que não criticam os governos respectivos que até hoje,
não lhes proporcionou, saúde, boa escola, desenvolvimento, salário condigno?
Enfim,
permitam-me também esta espécie de pequena reflexão sobre os “denodados" activistas oriundos das antigas colónias ou, possessões ultramarinas, e que vivem em
terras lusas.
E tal
como comecei, assim termino: Pobre Cabral!