Por vezes surpreendem-me certas e determinadas situações, pois que as acho bizarras pois chega a faltar-lhes, na minha perspectiva, alguma lógica contextual!
Foi o que aconteceu, quando vi em grande destaque e em vários “outdoors” ao longo da marginal de Lisboa o seguinte: «Brazilian Day» a anunciar a celebração do dia da comunidade brasileira. Por sinal a maior comunidade de luso-falantes imigrada em Portugal, nesta década.
Pois bem, aqui é que residiu a minha admiração. A maior nação falante do português a comemorar o seu dia em Portugal e a anunciá-lo em inglês? Não será já de mais esta autêntica “psicose” de tudo ser dito, ser feito e cantado em inglês?
Então? Que lógica haverá nisso? O anúncio em inglês de uma comemoração em Portugal da comunidade brasileira, ambos (os países) tendo por língua comum o português?! …
Estranha e bizarra! Ainda que me digam que seja uma “marca registada” em inglês, ainda que fosse o caso, merecia neste contexto concreto, alguma tradução! Sempre seria mais autêntico e, seguramente, mais perceptível para o comum dos transeuntes inclusive para os próprios brasileiros para o qual se destinava.
Por estas e por outras similares, é que os falantes da língua comum e que a amam de verdade, sentem alguma frustração e até indignação pela falta de respeito e de estima que os grandes da CPLP parecem, por vezes, nutrir pela sua própria língua!
Não está em causa o poderio quase absoluto que o inglês ganhou a nível mundial nos nossos dias. O que aqui parece falhar é a “falta de brio” com a nossa língua por parte dos seus, e muita vezes, daqueles que, se calhar, mais responsabilidade, afecto e cuidado deviam ter para com ela… Mas não, o que nos é dado perceber na actual conjuntura (chega a ser patético!) é que altos responsáveis luso-falantes (técnicos, académicos e políticos) mal saltam fronteira, para qualquer congresso ou encontro internacional - e sem mesmo antes do início da sessão, procurar saber se o serviço de tradução da Língua portuguesa está disponibilizado – o grande afã e empenho em querer “exibir” o seu “very fine british.” Não estou a ironizar, assisti isso em algumas reuniões internacionais por parte de colegas participantes da língua comum.
Da minha parte, tive a exacta percepção disso, numa reunião em Montréal no Canadá, com as representações e intervenções ao mais alto nível – directores-gerais e ministros – e então tive a preocupação de me dirigir à cabine de tradução e perguntar se a língua portuguesa não estaria de entre as passíveis de tradução. A responsável ao responder-me afirmativamente acrescentou que a da língua portuguesa só não havia sido accionada, porque «nenhum orador a havia solicitado». Esclarecedor.
Quando uma certa vaidade e também algum exibicionismo se sobrepõem ao orgulho, ao pragmatismo e à funcionalidade que podemos nós esperar? Sobretudo se o exemplo vem cima…
O Sabor da Vida...
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Vinha eu da minha caminhada matinal de regresso à casa, ainda a manhã ia no seu início, quando um dístico impresso num automóvel, que circulava, chamou a minha atenção. Dizia o seguinte: “O Sabor da Vida”. Dei comigo à procura do produto que estaria eventualmente a ser publicitado no mesmo carro. Nada vi que o indicasse. Mais, os tais dizeres situavam-se um pouco acima da matrícula do carro, o que normalmente não acontece quando se trata de publicidade de algum bem de consumo. Então interroguei-me se não seria uma advertência subtil e bem achada do condutor aos companheiros de estrada para que conduzissem com cuidado?
De facto, o “sabor da vida”…é único!
Com estes pensamentos fiz o resto da caminhada sob a luz bonita e radiosa que Lisboa possui no mês de Maio.
Entretanto, por associação de ideias ou não, sobre o(s) sabor(es) da vida, e da liberdade que dela deve emanar, fui levada igualmente aos seus desencontros, para uma conversa havida recentemente com familiares e amigos próximos sobre uma época do nosso passado histórico recente.
No grupo da tertúlia ocasional, encontravam-se amigos e familiares; nem todos de Cabo Verde e que recordavam os tempos de Partido único - enformado numa ideologia igualmente de sentido único - nos respectivos países então recém-independentes. Da ausência de liberdades, algumas fundamentais - e inscritas há muito nos grandes “Canhenhos universais” que sobre isso faziam e fazem leis - mas que infelizmente ainda as não havíamos “saboreados.”
Ora bem, a “máquina do tempo” levou-nos a meados dos anos setenta e toda a década de oitenta do século XX em que, por exemplo, para se viajar era necessário ter-se (a célebre e de má memória) Autorização de Saída, emanada da Autoridade - que era um misto de polícia de segurança do Estado e de controlo do cidadão. De qualquer forma sem esse documento ou similar, não se podia deixar a fronteira nacional e, por vezes, o próprio local em que se vivia como chegou a acontecer na Guiné. E aqui entrava aquilo que é comummente chamado de “pequeno poder.” Numa palavra, algumas vezes estávamos nas mãos de “tiranetes” que a seu bel-prazer decidiam se se era “merecedor” ou, não de viajar. Tudo isto acrescentado de pormenores menos correctos em que um certo ajuste de contas, sobretudo de natureza social, entrava também nos parâmetros de aferição para o sim do carimbo do malfadado papel. Enfim, por vezes eram autênticas peripécias por que passava o comum dos cidadãos que queria sair para umas simples férias ou passeio com a família.
Isto contado hoje aos mais novos nem dá para acreditar! Mas a verdade é que a era da democracia e do pluri-partidarismo afigurava-se longínqua no nosso calendário histórico. Isso só chegaria até nós, na década de noventa do já referido século.
Já definia - um dos mais notáveis pensadores e historiadores portugueses do século XX Vitorino Magalhães Godinho - «(…) a democracia como uma organização em que os conflitos se resolvem nas instituições (…) » E como elas na altura, não existiam ou não funcionavam - como foi o caso dos nossos países - muita coisa andou mal, até se atingir o estatuto de cidadão.
Dito e narrado deste jeito, ao leitor poderá parecer desgarrado e sem unidade temática o conteúdo deste escrito. E interrogar-se-á mas o que isto tem a ver com o “Sabor da vida” que inicia este escrito? Então? E até poderá concluir: «não bate a bota com a perdigota!»… Mas é que aqui que a associação de ideias se cruza e se toca. Olhemos à nossa volta e interroguemo-nos: qual seria o “Sabor da vida” sem os direitos mínimos do cidadão respeitados? Sim, qual seria o “Sabor da vida”?
Assim é, por vezes, a narração de factos historicamente ocorridos, ainda que sob forma de crónica breve e ligeira como esta.
De facto, o “sabor da vida”…é único!
Com estes pensamentos fiz o resto da caminhada sob a luz bonita e radiosa que Lisboa possui no mês de Maio.
Entretanto, por associação de ideias ou não, sobre o(s) sabor(es) da vida, e da liberdade que dela deve emanar, fui levada igualmente aos seus desencontros, para uma conversa havida recentemente com familiares e amigos próximos sobre uma época do nosso passado histórico recente.
No grupo da tertúlia ocasional, encontravam-se amigos e familiares; nem todos de Cabo Verde e que recordavam os tempos de Partido único - enformado numa ideologia igualmente de sentido único - nos respectivos países então recém-independentes. Da ausência de liberdades, algumas fundamentais - e inscritas há muito nos grandes “Canhenhos universais” que sobre isso faziam e fazem leis - mas que infelizmente ainda as não havíamos “saboreados.”
Ora bem, a “máquina do tempo” levou-nos a meados dos anos setenta e toda a década de oitenta do século XX em que, por exemplo, para se viajar era necessário ter-se (a célebre e de má memória) Autorização de Saída, emanada da Autoridade - que era um misto de polícia de segurança do Estado e de controlo do cidadão. De qualquer forma sem esse documento ou similar, não se podia deixar a fronteira nacional e, por vezes, o próprio local em que se vivia como chegou a acontecer na Guiné. E aqui entrava aquilo que é comummente chamado de “pequeno poder.” Numa palavra, algumas vezes estávamos nas mãos de “tiranetes” que a seu bel-prazer decidiam se se era “merecedor” ou, não de viajar. Tudo isto acrescentado de pormenores menos correctos em que um certo ajuste de contas, sobretudo de natureza social, entrava também nos parâmetros de aferição para o sim do carimbo do malfadado papel. Enfim, por vezes eram autênticas peripécias por que passava o comum dos cidadãos que queria sair para umas simples férias ou passeio com a família.
Isto contado hoje aos mais novos nem dá para acreditar! Mas a verdade é que a era da democracia e do pluri-partidarismo afigurava-se longínqua no nosso calendário histórico. Isso só chegaria até nós, na década de noventa do já referido século.
Já definia - um dos mais notáveis pensadores e historiadores portugueses do século XX Vitorino Magalhães Godinho - «(…) a democracia como uma organização em que os conflitos se resolvem nas instituições (…) » E como elas na altura, não existiam ou não funcionavam - como foi o caso dos nossos países - muita coisa andou mal, até se atingir o estatuto de cidadão.
Dito e narrado deste jeito, ao leitor poderá parecer desgarrado e sem unidade temática o conteúdo deste escrito. E interrogar-se-á mas o que isto tem a ver com o “Sabor da vida” que inicia este escrito? Então? E até poderá concluir: «não bate a bota com a perdigota!»… Mas é que aqui que a associação de ideias se cruza e se toca. Olhemos à nossa volta e interroguemo-nos: qual seria o “Sabor da vida” sem os direitos mínimos do cidadão respeitados? Sim, qual seria o “Sabor da vida”?
Assim é, por vezes, a narração de factos historicamente ocorridos, ainda que sob forma de crónica breve e ligeira como esta.
Política de Habitação e a Juventude - Um Comentário
domingo, 8 de maio de 2011
Este texto vem na sequência directa de uma interpelação em jeito de queixa de que fui alvo da parte de um jovem indignado com aquilo que ele considera ser “falta de apoio” efectivo do Estado aos jovens para aquisição de habitação própria.
O tema habitação pode ser encarado de vários ângulos. Nenhum está verdadeiramente incólume de polémica não obstante quase todas as constituições, incluindo a nossa, se referirem ao “direito a uma habitação condigna”. Mesmo este “direito” não é universalmente consagrado e aceite, inclusive por alguns subscritores da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Antes de entrar naquilo a que me proponho abordar vou contar, de passagem e muito resumidamente, um pequeno episódio para ilustrar o que acabei de afirmar.
Nos anos 70, mais precisamente em 1976, as Nações Unidas através da sua Comissão para os Assentamentos Humanos organizou em Vancouver, Canadá, a Conferência Habitat I com vista a estudar e sustar o fenómeno do êxodo rural que inúmeros constrangimentos estavam causando à gestão das grandes cidades – as megalópoles – que se encontravam literalmente a rebentar pelas costuras, impotentes para enfrentar e resolver os novos desafios que se lhe punham de carácter físico em termos de habitat – alojamento, energia, água, transporte, saneamento, acessibilidades, entre outros – perante um crescimento exponencial inesperado das suas populações provocado pela avalanche migratória campo - cidade.
Em 1996, vinte anos depois, organizou o mesmo organismo a Conferência Habitat II em Istambul para fazer o balanço da Conferência de Vancouver (Habita I) e “corrigir” o rumo. Tive a oportunidade de participar nas reuniões de preparação deste último evento.
A última reunião geral preparatória (depois houve uma outra, restrita, em Nova Iorque) em Nairobi, sede da Comissão das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, teve lugar em 1995 e visava aprovar os documentos que seriam levados à Conferência.
Tudo parecia pacífico até que um documento que, aparentemente, não fugia muito do teor dos restantes cria uma polémica que absorveu todos os restantes dias do Encontro sem que se tivesse chegado a um entendimento. Tratava-se de um item que se referia ao “direito à habitação condigna”. Precisamente o ponto que na generalidade não se esperava qualquer contestação. Eis que surge um dedo no ar – a delegação dos E.U.A logo seguida da do Japão e depois por outras dando início a um debate muito interessante que ocupou todos os restantes dias da reunião. As diversas posições mostraram-se irreconciliáveis para um texto consensual. E, para ser breve, a questão central era esta: Os Estados Unidos não reconhecem a habitação como um direito. Mais tarde, no jornal da Comissão, numa entrevista, o embaixador dos EUA explicou que a Constituição do seu país não consagra esse direito e subscrever essa cláusula, ironizou, significava que no dia seguinte teriam todos os “homeless” do país a reclamar uma habitação condigna. Os direitos dos cidadãos são para respeitar.
Na Conferência de Istambul (Habitat II – 1996) os EUA e o Japão mantiveram as suas posições e não subscreveram esse item.
Voltando a questão inicial, quero realçar que o direito à habitação condigna referido na nossa Constituição é, muitas vezes, confundido com o “direito à habitação própria” por um elevado número de pessoas onde pontificam os carenciados e uma boa gama de jovens. É bom aqui registar que se trata de um direito programático, portanto de um compromisso do Estado, abrangendo todos os cidadãos, em o ir resolvendo. Mas quase todos os governos, sobretudo os dos países em que a juventude constitui a força dos votos dão especial ênfase à política habitacional para jovens fazendo dela uma bandeira eleitoral para a conquista desse estrato sem se debruçar sobre a eventualidade da (in)justiça social.
Nem sempre foi assim e não tem que ser como foi. A habitação própria condigna constitui o sonho de uma vida. Não é um exclusivo da juventude. Não me parece que a condição de ser jovem torne um cidadão mais merecedor do contributo do erário público para a aquisição de um património. A habitação própria não é apenas um alojamento, um abrigo, é um património. E é também como tal que deve ser analisado.
Pergunto se é justo conceder à juventude, que praticamente ainda não contribuiu para a produção da riqueza, “facilidades” (leia-se contribuição do Estado) para a aquisição de um bem material duradouro que os pais também perseguem em prejuízo destes últimos que toda a vida também sonharam em ter casa própria condigna? Falo no âmbito de hipóteses e prioridades.
Não quero, de forma alguma, que se pense que estou contra o direito dos jovens a uma habitação condigna. De maneira nenhuma. Estou sim contra o contributo do erário para a aquisição de um bem material transaccionável, a menos que seja uma política generalizada sem discriminação, tout court, para resolver a questão habitacional globalmente.
Como princípio, não sou defensor de qualquer tipo de discriminação, com particular incidência na que diz respeito ao género e à idade (entre adultos, entenda-se) e, por isso, não a qualifico. Normalmente ela constitui um atentado ao mérito e, objectivamente, quase sempre fere a dignidade.
Há que encontrar a solução para habitação para jovens por outras vias, inclusive a do desenvolvimento de políticas criativas que poderão nomeadamente passar pelo fomento do desenvolvimento efectivo de um mercado de arrendamento que salvaguarde com equidade os interesses dos senhorios e dos arrendatários e promova a justiça social. Não é fácil, mas é possível. O financiamento, ainda que de juros, para aquisição não me parece justo.
A casa é um bem material duradouro. Só a deve adquirir quem pode. O que não impede que em circunstâncias muito especiais possam ser outorgadas para usufruto, apenas usufruto, ainda que vitalício.
Mas compreendo que a estratégia política pode conduzir a uma lógica e a um “timing” que nem sempre são consentâneas com opções justas.
Como nota final quero aqui registar que esta foi sempre a minha posição que sei, ser muito pouco simpática. Enquanto dirigente submeti-me ao consenso geral, pois que na política as regras são muito claras para quem tem ética: Acatamento da posição da maioria quando ela é legítima e legal. Ou então não se entra no jogo.
A.Ferreira
O tema habitação pode ser encarado de vários ângulos. Nenhum está verdadeiramente incólume de polémica não obstante quase todas as constituições, incluindo a nossa, se referirem ao “direito a uma habitação condigna”. Mesmo este “direito” não é universalmente consagrado e aceite, inclusive por alguns subscritores da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Antes de entrar naquilo a que me proponho abordar vou contar, de passagem e muito resumidamente, um pequeno episódio para ilustrar o que acabei de afirmar.
Nos anos 70, mais precisamente em 1976, as Nações Unidas através da sua Comissão para os Assentamentos Humanos organizou em Vancouver, Canadá, a Conferência Habitat I com vista a estudar e sustar o fenómeno do êxodo rural que inúmeros constrangimentos estavam causando à gestão das grandes cidades – as megalópoles – que se encontravam literalmente a rebentar pelas costuras, impotentes para enfrentar e resolver os novos desafios que se lhe punham de carácter físico em termos de habitat – alojamento, energia, água, transporte, saneamento, acessibilidades, entre outros – perante um crescimento exponencial inesperado das suas populações provocado pela avalanche migratória campo - cidade.
Em 1996, vinte anos depois, organizou o mesmo organismo a Conferência Habitat II em Istambul para fazer o balanço da Conferência de Vancouver (Habita I) e “corrigir” o rumo. Tive a oportunidade de participar nas reuniões de preparação deste último evento.
A última reunião geral preparatória (depois houve uma outra, restrita, em Nova Iorque) em Nairobi, sede da Comissão das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, teve lugar em 1995 e visava aprovar os documentos que seriam levados à Conferência.
Tudo parecia pacífico até que um documento que, aparentemente, não fugia muito do teor dos restantes cria uma polémica que absorveu todos os restantes dias do Encontro sem que se tivesse chegado a um entendimento. Tratava-se de um item que se referia ao “direito à habitação condigna”. Precisamente o ponto que na generalidade não se esperava qualquer contestação. Eis que surge um dedo no ar – a delegação dos E.U.A logo seguida da do Japão e depois por outras dando início a um debate muito interessante que ocupou todos os restantes dias da reunião. As diversas posições mostraram-se irreconciliáveis para um texto consensual. E, para ser breve, a questão central era esta: Os Estados Unidos não reconhecem a habitação como um direito. Mais tarde, no jornal da Comissão, numa entrevista, o embaixador dos EUA explicou que a Constituição do seu país não consagra esse direito e subscrever essa cláusula, ironizou, significava que no dia seguinte teriam todos os “homeless” do país a reclamar uma habitação condigna. Os direitos dos cidadãos são para respeitar.
Na Conferência de Istambul (Habitat II – 1996) os EUA e o Japão mantiveram as suas posições e não subscreveram esse item.
Voltando a questão inicial, quero realçar que o direito à habitação condigna referido na nossa Constituição é, muitas vezes, confundido com o “direito à habitação própria” por um elevado número de pessoas onde pontificam os carenciados e uma boa gama de jovens. É bom aqui registar que se trata de um direito programático, portanto de um compromisso do Estado, abrangendo todos os cidadãos, em o ir resolvendo. Mas quase todos os governos, sobretudo os dos países em que a juventude constitui a força dos votos dão especial ênfase à política habitacional para jovens fazendo dela uma bandeira eleitoral para a conquista desse estrato sem se debruçar sobre a eventualidade da (in)justiça social.
Nem sempre foi assim e não tem que ser como foi. A habitação própria condigna constitui o sonho de uma vida. Não é um exclusivo da juventude. Não me parece que a condição de ser jovem torne um cidadão mais merecedor do contributo do erário público para a aquisição de um património. A habitação própria não é apenas um alojamento, um abrigo, é um património. E é também como tal que deve ser analisado.
Pergunto se é justo conceder à juventude, que praticamente ainda não contribuiu para a produção da riqueza, “facilidades” (leia-se contribuição do Estado) para a aquisição de um bem material duradouro que os pais também perseguem em prejuízo destes últimos que toda a vida também sonharam em ter casa própria condigna? Falo no âmbito de hipóteses e prioridades.
Não quero, de forma alguma, que se pense que estou contra o direito dos jovens a uma habitação condigna. De maneira nenhuma. Estou sim contra o contributo do erário para a aquisição de um bem material transaccionável, a menos que seja uma política generalizada sem discriminação, tout court, para resolver a questão habitacional globalmente.
Como princípio, não sou defensor de qualquer tipo de discriminação, com particular incidência na que diz respeito ao género e à idade (entre adultos, entenda-se) e, por isso, não a qualifico. Normalmente ela constitui um atentado ao mérito e, objectivamente, quase sempre fere a dignidade.
Há que encontrar a solução para habitação para jovens por outras vias, inclusive a do desenvolvimento de políticas criativas que poderão nomeadamente passar pelo fomento do desenvolvimento efectivo de um mercado de arrendamento que salvaguarde com equidade os interesses dos senhorios e dos arrendatários e promova a justiça social. Não é fácil, mas é possível. O financiamento, ainda que de juros, para aquisição não me parece justo.
A casa é um bem material duradouro. Só a deve adquirir quem pode. O que não impede que em circunstâncias muito especiais possam ser outorgadas para usufruto, apenas usufruto, ainda que vitalício.
Mas compreendo que a estratégia política pode conduzir a uma lógica e a um “timing” que nem sempre são consentâneas com opções justas.
Como nota final quero aqui registar que esta foi sempre a minha posição que sei, ser muito pouco simpática. Enquanto dirigente submeti-me ao consenso geral, pois que na política as regras são muito claras para quem tem ética: Acatamento da posição da maioria quando ela é legítima e legal. Ou então não se entra no jogo.
A.Ferreira
A riqueza linguística das Ilhas...
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Segui com algum interesse o último Encontro de Quadros de origem cabo-verdiana na Diáspora, que se realizou em Mindelo (S. Vicente) em Abril do ano em curso.
Digo com algum interesse, pois que havia sido convidada pela minha amiga de infância, Celeste Correia para ser moderadora de um dos painéis integrados no Congresso ou Encontro. Daí ter ficado desperta e atenta para o evento. Infelizmente razões que se prenderam com compromissos anteriormente assumidos não me permitiram estar presente, no que teria muito prazer. De qualquer forma, mesmo de longe não deixei de o seguir de perto.
Ora bem, indo ao assunto que aqui me traz: uma das recomendações saídas no final do Encontro foi a de se cuidar mais e melhor do Crioulo. Até aqui tudo bem. Nada contra. Apenas estranhei, e muito, o facto de nessa mesma recomendação para servir aos falantes das ilhas, não se ter acrescentado igualmente a de Cabo Verde cuidar bem e melhor da Língua portuguesa que é também a nossa língua. Que é Língua veicular do sistema de ensino; que é língua de suporte de quase toda a documentação científica, literária, histórica, administrativa, entre outras; e que é língua que vem servindo, de forma excelente, o cabo-verdiano e Cabo Verde no seu percurso formativo, profissional e de entendimento do seu estar no mundo e com os outros.
Ter-se-ão “esquecido” os nossos caros patrícios deste pormenor que afinal não é tão negligenciável como poderá parecer? Ou aqui pesou mais, ou apenas, o facto deles e dos seus descendentes terem como língua de escolaridade, de formação e de profissão, a língua do país de acolhimento?
Terá sido uma destas razões que os fizeram esquecer de algo tão importante no percurso de desenvolvimento aberto ao mundo de que Cabo Verde almeja? Sim, porquê “fecharmo-nos” na língua materna e não nos prolongarmos em desenvolvimento na nossa língua segunda e oficial que é o português?
Prefiro pensar que terá sido antes alguma espécie de “saudade” ou de “nostalgia” muito comum e natural a quem viva fora das ilhas que os fez “recomendar” apenas uma das nossas línguas e esquecer a outra igualmente importante!
Olhemos para nós e à nossa volta e façamos honestamente o balanço que é inquestionavelmente positivo do que tem sido a co-existência nas ilhas da língua portuguesa e do crioulo. Ambas definem a nossa identidade cultural mestiça. Ambas são nossas com toda a legitimidade e legalidade.
Outrossim, para os nossos formandos que saem da terra em demanda de estudos superiores e pós-secundários, maioritariamente em Portugal e no Brasil, o domínio da língua portuguesa tem representado uma mais-valia preciosa e indispensável na prossecução dos objectivos
A Língua portuguesa tão nossa como o Crioulo que nela tem origem, tem a idade da nação cabo-verdiana. Prefiro assim do que denominá-la mais velha em Cabo Verde, do que a própria nação cabo-verdiana.
Por tudo isto, fica aqui o registo desse “lapso” que espero não ter sido deliberado. Acredito que o não foi. Faço votos que os Quadros da Diáspora se mantenham ligados fortemente à terra de origem e que recomendem no próximo Encontro, o estudo e a prática da Língua portuguesa com afecto e plena assumpção nestas ilhas.
Digo com algum interesse, pois que havia sido convidada pela minha amiga de infância, Celeste Correia para ser moderadora de um dos painéis integrados no Congresso ou Encontro. Daí ter ficado desperta e atenta para o evento. Infelizmente razões que se prenderam com compromissos anteriormente assumidos não me permitiram estar presente, no que teria muito prazer. De qualquer forma, mesmo de longe não deixei de o seguir de perto.
Ora bem, indo ao assunto que aqui me traz: uma das recomendações saídas no final do Encontro foi a de se cuidar mais e melhor do Crioulo. Até aqui tudo bem. Nada contra. Apenas estranhei, e muito, o facto de nessa mesma recomendação para servir aos falantes das ilhas, não se ter acrescentado igualmente a de Cabo Verde cuidar bem e melhor da Língua portuguesa que é também a nossa língua. Que é Língua veicular do sistema de ensino; que é língua de suporte de quase toda a documentação científica, literária, histórica, administrativa, entre outras; e que é língua que vem servindo, de forma excelente, o cabo-verdiano e Cabo Verde no seu percurso formativo, profissional e de entendimento do seu estar no mundo e com os outros.
Ter-se-ão “esquecido” os nossos caros patrícios deste pormenor que afinal não é tão negligenciável como poderá parecer? Ou aqui pesou mais, ou apenas, o facto deles e dos seus descendentes terem como língua de escolaridade, de formação e de profissão, a língua do país de acolhimento?
Terá sido uma destas razões que os fizeram esquecer de algo tão importante no percurso de desenvolvimento aberto ao mundo de que Cabo Verde almeja? Sim, porquê “fecharmo-nos” na língua materna e não nos prolongarmos em desenvolvimento na nossa língua segunda e oficial que é o português?
Prefiro pensar que terá sido antes alguma espécie de “saudade” ou de “nostalgia” muito comum e natural a quem viva fora das ilhas que os fez “recomendar” apenas uma das nossas línguas e esquecer a outra igualmente importante!
Olhemos para nós e à nossa volta e façamos honestamente o balanço que é inquestionavelmente positivo do que tem sido a co-existência nas ilhas da língua portuguesa e do crioulo. Ambas definem a nossa identidade cultural mestiça. Ambas são nossas com toda a legitimidade e legalidade.
Outrossim, para os nossos formandos que saem da terra em demanda de estudos superiores e pós-secundários, maioritariamente em Portugal e no Brasil, o domínio da língua portuguesa tem representado uma mais-valia preciosa e indispensável na prossecução dos objectivos
A Língua portuguesa tão nossa como o Crioulo que nela tem origem, tem a idade da nação cabo-verdiana. Prefiro assim do que denominá-la mais velha em Cabo Verde, do que a própria nação cabo-verdiana.
Por tudo isto, fica aqui o registo desse “lapso” que espero não ter sido deliberado. Acredito que o não foi. Faço votos que os Quadros da Diáspora se mantenham ligados fortemente à terra de origem e que recomendem no próximo Encontro, o estudo e a prática da Língua portuguesa com afecto e plena assumpção nestas ilhas.
“Mais Cabo Verde” no seu Esplendor
sábado, 23 de abril de 2011
Na manhã do dia 20 de Abril, ia eu para os escritórios, como habitualmente com o rádio do carro ligado, quando fui surpreendido com o noticiário das oito de uma das estações com uma notícia sobre Boa Vista: Anunciava-se uma manifestação porque a população havia dois meses (!!!) que não tinha água na rede de distribuição doméstica. De permeio a situação de subida da tarifa de 300$00 (trezentos escudos) para 1.000$00 (mil escudos) o metro cúbico – correspondente a um aumento de cerca de 233% – e um conflito entre empresas (de Produção e de Distribuição), que o Governo não consegue dirimir não obstante ser parte - uma delas é pública (Electra) – e constituir seu dever resolvê-lo ainda que não fosse parte por se tratar de um bem essencial cuja exploração deve ser feita por concessão e regulação.
Mas verifico com alguma estranheza, e sente-se, um certo ambiente de mal-estar social o que é aparentemente absurdo porque as eleições tiveram lugar há menos de dois meses e o povo havia decidido expressivamente pelo “mesti manti” (continuidade). Acresce-se que há dias eram os rabidantes a manifestarem-se contra a subida do preço do pão. Imagine-se, os vendedores a manifestarem-se enquanto os consumidores (compradores) mantinham-se abúlicos e resignados. Sim, o preço do pão aumentou 50% (cinquenta porcento) de uma assentada e nem uma agulha buliria na inquieta melancolia da nossa sociedade, parafraseando Augusto Gil, não fossem esses revendedores informais. Justificou-se o facto com o aumento dos preços dos cereais, dos combustíveis, etc. etc. assumindo-se deste modo a espiral de subida de preços generalizada que se tem verificado.
Terminadas as campanhas legislativas e com a tomada de posse do novo Governo, a energia eléctrica, cuja frequência de cortes, ou melhor, “sabotagens” na terminologia do Governo (PAICV), na Praia, cresceu exponencialmente, aumentou de preço 20% (vinte porcento) e a água 5% (cinco porcento). Na base deste aumento estaria, oficialmente, a retirada do subsídio à Empresa produtora e distribuidora. Uma empresa do Estado que presta mau serviço, cujos custos elevados de produção e de eventual ou consequente má gestão são sempre totalmente suportados pelos contribuintes quer haja ou não subsídio, quando é sabido que uma larga franja na Praia continua a ser “subsidiada” a 100% porque não paga energia por incompetência, incúria e negligência do Governo, último responsável pela empresa, sem contar com as enormes perdas na rede de distribuição verificadas, também pelas mesmas razões.
Toda a Europa está numa crise profunda e Portugal, nosso maior parceiro, encontra-se financeiramente à beira do abismo do qual desejamos muito ardentemente se afaste o mais rapidamente possível. O seu contributo em 2010 para o nosso desenvolvimento num montante de 102 milhões de euros representou 42% da ajuda recebida terá baralhado os nossos governantes e mascarado a nossa real capacidade de desenvolvimento e de crescimento ao mesmo tempo que dava uma “ajudinha” ao PAICV nas legislativas.
Os tempos vindouros não auguram boas perspectivas. Mas o nosso PM continua com toda a verborreia triunfalista que se lhe conhece a garantir “Mais Cabo Verde” com a insensatez que vem manifestando ao manter as demagógicas promessas de campanha – 13º mês e mais regalias sociais – em vez de pôr os pés no chão e apelar à produção e à contenção ao consumo, uma vez que o que na verdade produzimos é muito pouco e ele absolutamente nada fez para alterar esta situação.
Tudo o que estamos a assistir, enquadrado no panorama económico-financeiro internacional que não se alterou depois de 6 de Fevereiro (data das eleições legislativas) ao contrário do que sugere o PM, indica que a procissão ainda vai no adro e constitui a ponta de iceberg daquilo que nos está reservado. Oxalá me engane. Mas se isto é o “Mais Cabo Verde” que nos prometeram e que o PM apregoa à boca cheia, seria bom que todos estivéssemos preparados para o seu indesejado esplendor que se avizinha.
A.Ferreira
Mas verifico com alguma estranheza, e sente-se, um certo ambiente de mal-estar social o que é aparentemente absurdo porque as eleições tiveram lugar há menos de dois meses e o povo havia decidido expressivamente pelo “mesti manti” (continuidade). Acresce-se que há dias eram os rabidantes a manifestarem-se contra a subida do preço do pão. Imagine-se, os vendedores a manifestarem-se enquanto os consumidores (compradores) mantinham-se abúlicos e resignados. Sim, o preço do pão aumentou 50% (cinquenta porcento) de uma assentada e nem uma agulha buliria na inquieta melancolia da nossa sociedade, parafraseando Augusto Gil, não fossem esses revendedores informais. Justificou-se o facto com o aumento dos preços dos cereais, dos combustíveis, etc. etc. assumindo-se deste modo a espiral de subida de preços generalizada que se tem verificado.
Terminadas as campanhas legislativas e com a tomada de posse do novo Governo, a energia eléctrica, cuja frequência de cortes, ou melhor, “sabotagens” na terminologia do Governo (PAICV), na Praia, cresceu exponencialmente, aumentou de preço 20% (vinte porcento) e a água 5% (cinco porcento). Na base deste aumento estaria, oficialmente, a retirada do subsídio à Empresa produtora e distribuidora. Uma empresa do Estado que presta mau serviço, cujos custos elevados de produção e de eventual ou consequente má gestão são sempre totalmente suportados pelos contribuintes quer haja ou não subsídio, quando é sabido que uma larga franja na Praia continua a ser “subsidiada” a 100% porque não paga energia por incompetência, incúria e negligência do Governo, último responsável pela empresa, sem contar com as enormes perdas na rede de distribuição verificadas, também pelas mesmas razões.
Toda a Europa está numa crise profunda e Portugal, nosso maior parceiro, encontra-se financeiramente à beira do abismo do qual desejamos muito ardentemente se afaste o mais rapidamente possível. O seu contributo em 2010 para o nosso desenvolvimento num montante de 102 milhões de euros representou 42% da ajuda recebida terá baralhado os nossos governantes e mascarado a nossa real capacidade de desenvolvimento e de crescimento ao mesmo tempo que dava uma “ajudinha” ao PAICV nas legislativas.
Os tempos vindouros não auguram boas perspectivas. Mas o nosso PM continua com toda a verborreia triunfalista que se lhe conhece a garantir “Mais Cabo Verde” com a insensatez que vem manifestando ao manter as demagógicas promessas de campanha – 13º mês e mais regalias sociais – em vez de pôr os pés no chão e apelar à produção e à contenção ao consumo, uma vez que o que na verdade produzimos é muito pouco e ele absolutamente nada fez para alterar esta situação.
Tudo o que estamos a assistir, enquadrado no panorama económico-financeiro internacional que não se alterou depois de 6 de Fevereiro (data das eleições legislativas) ao contrário do que sugere o PM, indica que a procissão ainda vai no adro e constitui a ponta de iceberg daquilo que nos está reservado. Oxalá me engane. Mas se isto é o “Mais Cabo Verde” que nos prometeram e que o PM apregoa à boca cheia, seria bom que todos estivéssemos preparados para o seu indesejado esplendor que se avizinha.
A.Ferreira
“Morabeza” Profissional!?...
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Por vezes surpreendo-me a pensar com os meus botões na “institucionalização” que já foi feita abusiva e falsamente entre nós, da expressão: “morabeza” oriunda do português amorável ou amabilidade que significa jeito educado, terno e amável em dirigir-se e em atender o outro. Semanticamente ganhou maior abrangência e “morabeza” passou a representar a arte e a forma de bem receber, de bem atender, a finura, a elegância e os modos educados de uma pessoa quando em interacção com outrem.
Ora bem, “gente morabi” era regra geral, atributo dos habitantes da ilha Brava de outrora. E isso tem uma explicação, entre outras. Tratava-se de uma população pequena que vivia de alguma forma isolada e a chegada de um forasteiro era uma alegria e um acontecimento para os bravenses que o integravam com “morabeza.” Com a tal gentileza e arte de bem receber que os caracterizava. Mas isso era uma particularidade específica (desculpem a redundância) da ilha Brava antiga.
Criança ainda ouvia dizer isso dos adultos e comprovei mais tarde essa fineza natural das bravenses.
A jornalista e escritora Maria Helena Spencer, (1911-2006) descreveu isso de uma forma belíssima num artigo sobre a ilha de Eugénio Tavares, onde ela viveu o tempo que ali fora colocada como professora na localidade, creio eu, de Nossa Senhora do Monte. Pois bem diz-nos a jornalista do antigo Boletim «Cabo Verde»: «…Ali cada mulher do povo é uma senhora pelos seus hábitos, pela elegância do seu porte, pela delicadeza instintiva que põe em cada palavra, em cada gesto…»
Aconteceu que a determinada altura se resolveu “nacionalizar e institucionalizar” o vocábulo “morabeza” estendendo-o, ampliando-o e aplicando-o a todo Cabo Verde, ou melhor a todo empregado, funcionário público e privado nacional. Nada mais falso, meus senhores. Embora o lamente, pois gostaria que tal fosse verdade e se possível absoluta.
Mas infelizmente a realidade e o dia-a-dia desmentem-no com uma constância indesejável! Contam-se pelos dedos da mão (passe o exagero da expressão) o patrício “morabi” e profissional que nos atende quer aos balcões públicos, quer até nos restaurantes, hotéis e cafés, entre outros serviços. De tal modo assim é que eu me apanho sempre agradavelmente surpreendida quando acontece ser bem e profissionalmente atendida, que acabei por criar para mim própria uma espécie de “estatística” pois que interrogo o bom profissional no seu mister. «Desculpe a indiscrição, o senhor (ou a senhora) viveu ou trabalhou fora de Cabo Verde?» e a resposta é invariavelmente, positiva. O que significa que terá ganhado isso, ou terá despertado para isso, trabalhando e interagindo socialmente fora das ilhas. Claro que há excepções! E felizmente que as há.
Logo, algo está a mais nesse emprego entre nós, generalizado e abusivo do termo: “morabeza crioula”.
Ora bem, “gente morabi” era regra geral, atributo dos habitantes da ilha Brava de outrora. E isso tem uma explicação, entre outras. Tratava-se de uma população pequena que vivia de alguma forma isolada e a chegada de um forasteiro era uma alegria e um acontecimento para os bravenses que o integravam com “morabeza.” Com a tal gentileza e arte de bem receber que os caracterizava. Mas isso era uma particularidade específica (desculpem a redundância) da ilha Brava antiga.
Criança ainda ouvia dizer isso dos adultos e comprovei mais tarde essa fineza natural das bravenses.
A jornalista e escritora Maria Helena Spencer, (1911-2006) descreveu isso de uma forma belíssima num artigo sobre a ilha de Eugénio Tavares, onde ela viveu o tempo que ali fora colocada como professora na localidade, creio eu, de Nossa Senhora do Monte. Pois bem diz-nos a jornalista do antigo Boletim «Cabo Verde»: «…Ali cada mulher do povo é uma senhora pelos seus hábitos, pela elegância do seu porte, pela delicadeza instintiva que põe em cada palavra, em cada gesto…»
Aconteceu que a determinada altura se resolveu “nacionalizar e institucionalizar” o vocábulo “morabeza” estendendo-o, ampliando-o e aplicando-o a todo Cabo Verde, ou melhor a todo empregado, funcionário público e privado nacional. Nada mais falso, meus senhores. Embora o lamente, pois gostaria que tal fosse verdade e se possível absoluta.
Mas infelizmente a realidade e o dia-a-dia desmentem-no com uma constância indesejável! Contam-se pelos dedos da mão (passe o exagero da expressão) o patrício “morabi” e profissional que nos atende quer aos balcões públicos, quer até nos restaurantes, hotéis e cafés, entre outros serviços. De tal modo assim é que eu me apanho sempre agradavelmente surpreendida quando acontece ser bem e profissionalmente atendida, que acabei por criar para mim própria uma espécie de “estatística” pois que interrogo o bom profissional no seu mister. «Desculpe a indiscrição, o senhor (ou a senhora) viveu ou trabalhou fora de Cabo Verde?» e a resposta é invariavelmente, positiva. O que significa que terá ganhado isso, ou terá despertado para isso, trabalhando e interagindo socialmente fora das ilhas. Claro que há excepções! E felizmente que as há.
Logo, algo está a mais nesse emprego entre nós, generalizado e abusivo do termo: “morabeza crioula”.
Políticos ou Mercenários?
terça-feira, 19 de abril de 2011
Há dias, em conversa com um colega de trabalho e falando sobre a nossa Assembleia Nacional e o contributo dos deputados, questionou-me: Os nossos deputados?! Contributos?! Eles estão mais preocupados é com as mordomias… Veja o que aconteceu na posse (investidura) há dias. E eu, o que aconteceu? Não sabe da história do deputado que pediu a chave do carro? Eu: a chave do carro? Sim, a chave do carro… e acrescentou: Não leu no jornal? Ah, já me esquecia, o senhor não lê certos jornais… deu uma gargalhada e sem esperar qualquer comentário meu à sua observação continuou:
A quando da posse (investidura) dos novos deputados, logo que a sessão terminou, um membro recém-eleito da Mesa vira-se para o seu homólogo de saída e diz: "Dê-me a chave do carro!" Apanhado de surpresa, pois ignorava a ocorrência, perguntei, como? E ele repetiu a frase:”Dê-me a chave do carro”. Pediu-lhe a chave do carro, ajuntou. Não me contive, exclamei: Que indelicadeza, que deselegância!... Que grosseria! É esta a estirpe dos nossos deputados? E acrescentei: E o outro deu-lha? Claro, respondeu-me ele. Pois não devia porque o carro não é de nenhum deles… Ele devia era dizer-lhe: Vá buscá-la na Secretaria ou nos Serviços da Gestão de Equipamentos ou do Património ou o que quer que seja. As coisas do Estado não se passam assim de mão para mão. Há uma tramitação que deve ser respeitada, a menos que sejam pessoas decentes e amigas que queiram encurtar a burocracia (no sentido positivo do termo – tramitações administrativas – embora haja sempre um mínimo).
Mas o que me desconcertou e me deixou perplexo é, na verdade, a preocupação primeira do nosso deputado – chaves do carro. Começar logo a tirar proveito das mordomias que o cargo lhe oferece em vez de saber dos caminhos para um bom desempenho. É esta a fixação dos nossos políticos. Servirem-se à saciedade das suas funções. Tirar o máximo proveito pessoal da política sem se preocupar em dar… Não é isto que se pede ou se espera dos nossos representantes. Sobretudo nos do Parlamento que devem ser o espelho da Nação. Às responsabilidades inerentes às funções que exercem e ao seu simbolismo intrínseco em democracia deve-se acrescer o esforço que representa dos contribuintes. Não é despiciendo. Cada deputado custa, em média, aos contribuintes mais de 750 contos por mês. E se a eficiência do País se medisse pela do nosso parlamento éramos seguramente um país falhado. Os nossos deputados trabalham muito pouco. Preocupam-se muito mais com questiúnculas mesquinhas e partidárias do que com os assuntos reais que dizem respeito à vida dos cabo-verdianos.
Por vezes apanho-me a interrogar se o entendimento dos nossos políticos da coisa política é de missionário ou de mercenário?
A.Ferreira