As Legislativas de 2011 – uma abordagem *

domingo, 27 de fevereiro de 2011
Hoje, no auge do crescendo das tecnologias de informação e comunicação é cada vez mais o povo quem mais ordena independentemente da natureza do regime, a menos que o não queira fazer. A vaga de revolta e de manifestações populares que assola o mundo árabe é prova evidente deste facto.
Não sou político no sentido restrito do termo, por isso não tenho que ser “politicamente correcto” para dizer que o povo tem sempre razão quando é sabido que o voto de um analfabeto vale tanto como o de um professor.
Manda a democracia que nos submetamos às decisões do povo. É uma regra de ouro e é bom que assim seja na falta de um sistema melhor, mais equilibrado. Mas daí a esse povo ter sempre razão vai um abismo. Ele é tão ou mais manipulável do que qualquer cidadão avisado. É neste sentido que se desenvolvem as ciências e tecnologias do marketing e se afirma com êxito a publicidade, a maior parte das vezes, enganosa.

2. Não sei se é nessa esteira que a ampla, abstracta e vazia “Mais Cabo Verde” se impôs ao humanista e dirigido “Governar para as Pessoas” ou “As pessoas em Primeiro” ou a postura televisiva de um irrequieto e intranquilo “enfant terrible” tenha granjeado mais simpatias que a de um sereno, composto e maduro cidadão para a figura de Primeiro-Ministro.
No que eu tenho poucas dúvidas, ou nenhumas, é que a mensagem de que o governo do PAICV não tinha feito nada, era enganosa. Que com os mesmos meios podia ter sido feito muito mais, já não tenho dúvidas. Como não tenho dúvidas que o PAICV tem instalado no País uma partidocracia onde pontifica uma mal-disfarçada nepoticracia que só um trabalho de denúncia permanente, sério e honesto da oposição pode atenuar. Não acredito na sua mais do que desejável erradicação.

3. Igualmente enganosa é a mensagem bairrista da oposição de que S. Vicente estava esquecido em favor de Santiago – a maior ilha do País com mais de metade da população. Não tinha pernas para andar depois dos investimentos (infelizmente sem critério e sem qualquer preocupação com o devido retorno) feitos na Ilha. Alguns, nomeadamente a estrada que liga Baía a Calhau é pouco mais do que uma via de agressão ao ambiente por facilitar a apanha da areia em vez de incrementar a circulação de pessoas e bens quando tantas melhores alternativas havia para aplicação desse financiamento.

4. Congratulamo-nos todos pela maneira globalmente ordeira e correcta como decorreram as eleições; pela aceitável taxa de abstenção e pela “ausência” de reclamações de irregularidades, não obstante se comente à boca cheia “compra de votos” e outras anomalias o que não é de todo inverosímil dado o historial do comportamento do partido no poder em eleições anteriores. Mas os resultados foram de tal forma inequívocos que se dúvidas surgissem quanto a irregularidades seriam facilmente fagocitadas pelos números. Aliás, a diferença do número de deputados não reflecte a diferença de votos.
A confirmar, assinale-se que apenas em S. Nicolau e no Maio, a mais verde de todas as ilhas, o MpD ultrapassou a fasquia dos 50% dos votos; e registe-se também que em S. Vicente, ao contrário do embandeiramento em arco que o PAICV vem fazendo a oposição conseguiu o mesmo feito – é também absolutamente maioritária.
Felicitamos vivamente todos os partidos participantes e com especial ênfase o partido vencedor – PAICV – e o seu líder – Dr. José Maria Neves e esperamos que cada um se empenhe com ou sem tacticismos partidários para a defesa efectiva dos valores e das promessas que com tanto ardor proclamaram e fizeram durante as campanhas.

5. A vitória do PAICV era uma vitória “esperada”. Há cinco anos já se sabia e se comentava, dada a disponibilidade de financiamentos em pipeline e projectados que se vislumbrava que quem vencesse as eleições teria a possibilidade efectiva de o fazer por 10 anos. As probabilidades eram grandes. Assim se previu, assim aconteceu. Não cabe aqui descrever a justeza da aplicação desses financiamentos. Se eram para votos, os resultados são inegavelmente satisfatórios não obstante seja o povo a pagá-los. Se eram para o benefício da população uma análise serena e correcta não nos afastaria de entre boas e necessárias realizações de uma boa série de elefantes brancos que também teremos de pagar.

6. Em Cabo Verde, como em quase todos os países, em circunstâncias normais as eleições não se ganham, perdem-se. Sobretudo quando a força no poder joga, no nosso caso com total impunidade, com todas as peças do tabuleiro: as legais e legítimas e as proibidas e condenadas. E não faltaram casos nestas eleições, alguns bem bizarros atentando contra a inteligência das pessoas como aquele em que o PM e presidente do PAICV inaugura em plena campanha eleitoral porque, diz ele, as crianças não podem ficar sem refeições. A impunidade das eleições anteriores e a conhecida complacência – um eufemismo para não dizer outra coisa – da justiça dão ânimo e moral para continuar a desafiar as leis da República.

7. O igualmente abstracto e abrangente “mesti muda” do MpD, mensagem com a qual também comungo, chocava com a figura do seu líder carismático, e de sempre, Dr. Carlos Alberto Veiga. Era inconsequente e incoerente o “mesti muda” quando tinha como bandeira alguém que estava na primeiríssima linha do seu partido desde a primeira hora e que em si era a negação da renovação reclamada no “mesti muda” no interior do seu próprio partido. Não estava em causa a sua inteligência, seguramente acima da média, o seu profundo conhecimento da realidade cabo-verdiana, a sua reconhecida capacidade e qualidade de trabalho ou o seu inegável espírito de luta. Mas trazia consigo a síndrome do seu último mandato como executivo e o espectro resultante da sua manifesta incapacidade em distinguir a amizade pessoal da solidariedade política sendo o caso mais gritante, diria mesmo escandaloso, o seu posicionamento nas últimas autárquicas em S. Vicente ao dar o seu “apoio” público a uma candidatura adversária à do seu próprio partido. Ser amigo nada tem a ver com afinidade ou solidariedade políticas!...

8. A vitória do PAICV nestas últimas eleições, no meu ponto de vista contraproducente, não porque bole com a essência da democracia - não traz qualquer ineditismo à história da democracia - mas porque numa nascente democracia como a nossa ratifica e consolida más práticas e vícios instalados que poderão vir a ganhar raízes e confundir-se com normalidades democráticas apenas porque não rejeitadas nas urnas, e ainda com a agravante de encontrar ecos no continente.

9. Os conhecidos narcisismo e vaidade do presidente do PAICV, aliados à sua arrogância política exacerbaram-se com discursos hiperbólicos que por vezes roçam a infantilidade e a irresponsabilidade. E não me refiro ao facto de se vangloriar “herói” por um terceiro mandato consecutivo – não lhe retiro o mérito – em contraposição a Carlos Veiga que ele quer “diminuir” politicamente por ter tido só dois. Esquece apenas que é tão “herói” com três mandatos consecutivos como Carlos Veiga o foi com duas maiorias qualificadas sendo, em democracia, este facto muito mais raro do que três mandatos. Pessoalmente, sou contra três mandatos consecutivos do mesmo jeito que sou contra maiorias qualificadas embora por razões diferentes.

10. Não estou entre aqueles que saudaram o regresso de Carlos Veiga à liderança do seu partido. Não porque pensasse que ele já nada mais tinha a acrescentar ao muito que tinha dado à democracia cabo-verdiana. Bem pelo contrário, achava e acho que ele é sempre uma mais-valia para a sociedade política cabo-verdiana concordando-se ou não com ele.
Pressentia mais do que sentia que, para os menos jovens, aqueles que lhes haviam dado, a ele e ao seu MpD, duas maiorias qualificadas a mágoa e a indignação pelo modo turbulento, menos digno e até desrespeitoso com que terminara o seu segundo mandato como executivo permaneciam ainda.
A punição tinha sido severa – saltar de uma maioria qualificada directamente para a oposição. Também inédito pela negativa. E o MpD não a soube interpretar enquanto o PAICV capitalizava de tal forma esses erros que as pessoas, as tais menos jovens, perderam a memória do brilhante primeiro mandato de Carlos Veiga e o seu MpD em que lançaram as bases da nossa democracia e modularam o paradigma de gestão para o desenvolvimento que hoje seguimos e usufruímos vencendo a obsolescência que então reinava. Foi por todas as razões o período áureo e mais marcante – só há antes e depois – do nosso desenvolvimento global.

11. Terminaram as eleições. É tempo de governar. O povo – juiz – rejeitou a mudança e sentenciou a continuidade. O reeleito PM diz que será o primeiro-ministro de todos os cabo-verdianos. Ninguém, nem ele próprio, acredita nas suas palavras. Nunca o foi e não se vislumbra nenhuma mudança no ambiente de provocação e crispação partidárias que ele alimenta como nutriente para o seu incomensurável ego. Ele há-de se justificar sempre com a suposta vontade das bases…
O que todos nós esperamos é que ele seja mais comedido nas palavras e mais cumpridor das promessas, sobretudo as que bolem com o bem-estar e sobrevivência das pessoas.

12. Não sei se lhe admiro a coragem e generosidade ou lhe abomino a inconsciência e irresponsabilidade. Não aludo ao prometido milhão de turistas no próximo ano. Mas atente-se que num momento de crise mundial em que países “doadores” congelam e reduzem salários ele promete o 13º mês; quando a Europa sai para a rua reclamando contra cortes de regalias sociais ele promete a pensão social igual ao salário mínimo que também prometeu criar (legislar) à boa maneira dos países “ricos”. Se calhar nunca se debruçou sobre o que produzimos. O nosso PNB e não o nosso PIB onde entra o milho que nos dão e os perús que nos mandam atrás. (Vide o sector da Construção Civil e Obras Públicas)
Mas o problema não é dar essas regalias que todos queremos, é a sua sustentabilidade. Eu, pessoalmente, já me contentava com as anteriores promessas, ainda por cumprir, de reduzir a taxa do desemprego a um dígito e levar a do crescimento a dois dígitos. E que nunca nos falte o 12º mês. Como se vê concedo uma prorrogação de mais cinco anos para cumprir a antiga promessa de 2006. Se o conseguir terá o meu voto.
A. Ferreira

*Texto publicado na edição de Fevereiro do mensário “Terra Nova”

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