Há
dias escutando um debate televisivo, um dos intervenientes , o Prof. Marçal Grilo, a propósito da Educação,
dizia ele que antigamente quando se ia para a escola das primeiras coisas que o
professor ensinava aos alunos era saber
sentar-se e, levantar-se quando entrava uma visita na sala de aula.
Acontece
é que os professores traziam isso na sua bagagem social, cultural, hoje os
nossos professores, a maioria, não conhece regras, desconhece valores. Logo,
não as poderá transmitir.
Aqui
e agora refiro-me já à escola cabo-verdiana que infelizmente hoje está em
colapso. Em quase tudo. Na transmissão científica de conhecimentos, na língua
veicular do ensino, enfim em toda a edificação do saber, que é a dimensão
primeira do ensino, obrigação transcendente da escola. Tudo isso se encontra em derrocada total em Cabo Verde.
Li
recentemente, num artigo no Jornal «Público» de 6/08/18 - intitulado: «Os
Professores dos nossos netos» - assinado por João Cerejeira e Miguel Portela,
um conceito de escola/ensino/aprendizagem sobremaneira interessante e
fundamental. Dizia o seguinte: “... É
reconhecido que nenhum sistema de ensino pode ser melhor do que os seus
professores. (...) Quanto maior for a capacidade cognitiva do professor, melhor
será a capacidade cognitiva dos alunos, nomeadamente para alunos oriundos de
meios mais desfavorecidos para os quais o contexto familiar não compensa
eventuais falhas obtidas na escola. É, pois, necessário planear o acesso à
profissão docente, de forma a garantir a existência de muitos bons professores,
porque deles depende o futuro da educação, enquanto base do desenvolvimento
social e económico”. (...) O declínio do reconhecimento e da imagem social dos
docentes enfraquece as aprendizagens, o ensino e a sociedade. (...) É, pois,
claro que o reforço do prestígio e da cultura profissional docentes tem impacto
na melhoria das aprendizagens, não só nos alunos actuais, mas também nos alunos
futuros. Para ter bons professores, é preciso atrair os melhores alunos para a
profissão.” Fim de transcrição.
O
artigo referenciado, aludia ainda ao facto, para exemplo, de que deviam ser
previstas entrevistas com os responsáveis para se aquilatar a motivação, a adequação dos candidatos à
docência. A não realização deste rito, é à partida, uma falha, para se intuir de
um futuro bom ou mau docente.
Pois
bem, voltando ao que se passa entre nós, um dos assuntos mais controversos actualmente,
andará à volta do perfil dos candidatos que Cabo Verde selecciona para as vagas universitárias em Portugal.
Regra
geral, são seleccionados os alunos com as melhores classificações - note-se:
não são os melhores alunos de facto. São os que têm maior média de notas, estas
por sua vez, altamente inflaccionadas, e dadas por professores, na maior parte,
medíocres, tanto na formação, como na transmissão de conhecimentos. Esta é a
realidade crua e dura por que passa nos dias que correm o
ensino/escola/aprendizagem aqui nas ilhas.
Efectivamente,
os alunos, candidatos com o 12º Ano do ensino secundário e com maiores
classificações, têm preferência para as vagas em Portugal, colocadas à disposição do
Governo de Cabo Verde, nas universidades e nos institutos politécnicos. São as
preferidas. As mais concorridas. Há uma grande procura. É natural, percebe-se a
opção. Trata-se regra geral, de uma boa formação em país de língua e cultura
muito comuns. Relativamente perto geograficamente. Quase todos, têm lá parentes
e algum apoio, o que dá conforto. Tudo isso é entendível, perfeitamente
compreensível para a procura competitiva de vagas para cursos superiores em
Portugal. É um facto.
Só
que nesta demanda, não são salvaguardados os aspectos essenciais para um
razoável sucesso do aluno. A saber: se o aluno se expressa em língua
portuguesa, se o aluno a fala e a escreve com o nível adequado aos anos de
escolaridade, no pressuposto de a ter tido como língua veicular do ensino; se o
aluno tem saber firmado do 12º ano das disciplinas científicas, e específicas para
o curso para o qual se candidatou à vaga em Portugal.
Mas
mais, a não salvaguarda desses factores essenciais, vem concorrendo para o
enorme “desaire” dos nossos formandos em Portugal. Um mau exemplo: narra-se que muitos dos
estudantes enviados para os pólos de engenharia de uma cidade no interior de Portugal, dos melhores do país, mal-sucedidos nos primeiros anos, concorrem para bombeiros ou para
empregos bem precários. Enfim, à
semelhança do que se passa nos pólos daquela cidade, o mesmo sucede noutras
instituições universitárias portuguesas.
E
assim temos jovens que acabam por entrar na chamada emigração clandestina. Não regressam. Mas disso não há estatística. Resultado: projecto inacabado. Compromete-se o futuro.
Perde o formando. Perde Cabo Verde. Para além da eventualidade, do risco, de
nos serem recusadas no futuro, vagas nas instituições de ensino superior no
país de acolhimento.
Infelizmente,
a situação que se desenha é esta: o
galopante insucesso que tem havido com os estudantes cabo-verdianos nos últimos
anos, pode contribuir para desaparecer também, essa boa oportunidade de
formação no exterior para os nossos jovens.
Abro
aqui um parêntesis para dizer o seguinte: pouco ou nada sei sobre o que se
passa actualmente no Brasil, com os nossos estudantes que para lá vão. Creio -
não tenho a certeza disso - correm rumores de que o Brasil resolveu nos últimos anos, parte do problema, criando
cursos, tipo “terceiro-mundo”, especificamente dirigidos aos mal preparados
alunos cabo-verdianos. Será assim?? Dito isto assim, não estou a culpar o
Brasil. Fecho o parêntesis, mas não a minha profunda tristeza!
Mas
minha gente, recuemos um pouco no tempo. Após a independência, os nossos
formandos demandaram também para estudos universitários, países como a Espanha, a França, a Rússia, a Alemanha,
entre outros, e em todos eles, aprenderam a respectiva língua veicular do
ensino e formaram-se.
É
imperativo que se repare que eles outrora levavam na sua bagagem académica,
para além de conhecimentos científicos adequados ao curso almejado, haviam
interiorizado, através da leitura e da escrita, uma sólida e rica estrutura
linguística - a Língua portuguesa – para alguns casos de origens semelhantes
(Latim) às línguas dos países para onde foram estudar. O facto de saberem o português, tê-los-á na
certa, ajudado na integração no meio académico estrangeiro. Igualmente tinham do Liceu, o Francês e o
Inglês.
Para
mal dos nossos pecados, tais pressupostos já não se verificam hodiernamente,
com o saber e a consistência de então.
Não
vá sem acrescentar a má notícia ouvida de que as ilhas Canárias, aqui ao lado,
declinaram o acolhimento de estudantes cabo-verdianos, justificando-se com a
incapacidade destes em aprender a Língua espanhola (?) possivelmente também ao
lado da má preparação científica, que levam das escolas secundárias
cabo-verdianas. Ao que isto chegou!
Com
efeito, se bem ensinados estivessem na Língua portuguesa, se bem capacitados estivessem
nos fundamentos científicos de cada disciplina, estudados em livros escritos em
português – era o que acontecia ainda, há sensivelmente duas décadas atrás – seriam portadores de uma boa e sólida
estrutura linguística, cognitiva, capaz de fazê-los apreender com relativa
facilidade a outra língua.
Tanto
mais tratando-se de duas línguas próximas uma da outra. Ambas filhas do Latim
em hiper - estratos etimológicos, e com outros semelhantes substratos e
adstratos etimológicos vindos do grego, árabe, entre outros, que formataram tanto o
espanhol como o português. Infelizmente, sejamos realistas e directos: mais
uma vez, aqui se revelam a grande falta, os enormes estragos e os rombos
causados e devidos ao mau ensino ou, ao não ensino de todo, da língua segunda e
oficial do país, na preparação da vida futura dos estudantes cabo-verdianos.
Uma
autêntica erosão cultural, uma calamidade! Um empobrecimento! E acima de tudo:
um retrocesso!
Para
amenizar esta tragédia, narro aqui uma situação, no mínimo caricata, vivida
ainda recentemente por uma colega professora que embora já das mais antigas,
ainda se encontra no activo. Contou-me ela que estando na Biblioteca Nacional, na cidade da Praia, foi-lhe pedido - pela funcionária da sala de leitura - se podia ajudar um grupo
de alunos em apuros para encontrar uma obra de consulta em matéria
antropológica, cultural. Encontrado o
livro, ela dispôs-se a ajudá-los e, quando começou a explicar um pouco da
matéria sobre a qual eles indagavam, foi abruptamente interrompida por um
deles, que disse em crioulo: “Explique-nos
isso em crioulo, pois em português não a
entendemos.” Admirada, interrogou a
minha colega: “...Espera aí! vocês são
alunos de que ano?” Responderam: “Somos
do 1º Ano do Curso, Estudos Portugueses e Cabo-verdianos da Universidade de
Cabo Verde.” Ela indignada, já ao
rubro (subiu-lhe à face o “lume vulcânico” como me disse) ripostou: “Francamente! O que os vossos professores e
vocês estão a precisar é de cadeia!! Imagine-se! Futuros professores de
português, já em formação! Com o 12º ano feitos! E nem percebem uma explicação
dada na língua veicular do ensino? ..." Foi um momento e tanto! Desabafou a minha
amiga.
Note-se que tudo isto vem sendo o quotidiano do ensino, a
rotina instalada nas nossas escolas.
Quando
é que paramos para reflectir sobre isso? O fingir que isto não está a acontecer,
é escandaloso e em nada ajuda.
Assim
procedendo, estamos a cavar despudoramente o nosso retrocesso em
termos de quadros e de recursos humanos capazes, tanto para a realização pessoal dos próprios jovens escolarizados, como para o desenvolvimento do país.
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