A gramática natural (versus?) a língua escolarizada?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Voltei a pensar sobre a chamada gramática natural com a chegada dos netos e a tentativa de “regularizar” – na fala deles – as formas verbais. Desde «eu fazi», corrigido: eu fiz «eu trazi», forma correcta: eu trouxe «eu sabo», corrigida: eu sei. De tudo um pouco se vai ouvindo dos mais pequenos.
Num aparte, que considero engraçado na fala dos meus netos mais novos, é a forma verbal que empregam correctamente e sem hesitar: «acabei!» que é quando querem informar que já finalizaram a refeição e que querem ser “libertados” da mesa para irem correr e brincar.
Este rememorar a fase verbal e natural da linguagem veiculada pela criança, levou-me também, aos meus filhos, quando bem pequenos, em que um deles - não interessa qual – perguntava: «…mãe, não foste tu que me nasceste?» (questionando-me se não tinha sido eu a trazê-lo ao mundo) ou ainda: «pai, se nós irmos…» (ao invés de: «se nós formos …») a “complicação” que é o verbo “Ir”, no futuro imperfeito do conjuntivo, com a configuração irregular de “for,” algo ainda ignorado na fala da criança, pois que não regida gramaticalmente. É que estas e algumas outras expressões que os nossos filhos diziam em pequenos e que agora retomam os netos – confesso que algumas delas me encantavam pela lógica que aparentavam no modo de expressão infantil – ilustraram alguma coisa sobre a fase de uma organização natural, ou de uma gramática natural da língua.
Mas afinal, este intróito é pretexto para relacionar ou tentar fazer alguma ponte com o que a seguir vem e que teve como “mote” o que li algures num texto da “net” intitulado: «Jogue sua Gramática no Lixo». Achei a frase um pouco excessiva, ou exagerada, para não dizer que percepcionei alguma “violência” nesta forma de expressão. Lido o conteúdo, apercebi-me de uma espécie de crítica do autor do escrito, aos falantes que dominam as regras gramaticais e por essa razão se julgam mais conhecedores da forma correcta de falar e de escrever de que outros não portadores dos mesmos conhecimentos.
Ora, embora concordando, por um lado, de que não é alardeando e fanfarronando conhecimentos que o “sábio” se descobre para os outros, por outro lado, não há que ter medo da gramática, da mesma forma ou similarmente, como não se deve ter medo da lei. A gramática funciona para uma língua, um pouco semelhantemente, como as leis e igualmente as normas sociais, organizam a vida em comunidade para os Homens. São regras e normas orientadoras que são úteis e funcionais para nos entendermos, ao falar e ao escrever a nossa e as outras línguas. O conhecimento do funcionamento da língua via a sua gramática, permite ao falante dominar o discurso – oral e escrito – e não ser dominado por ele. Se nos debruçarmos um pouco mais sobre a gramática, verificaremos que há uma lógica extremamente interessante, na qual ela se fundamenta. Desde a noção de algo substantivo e do adjectivo que o pode contornar e/ou modificar; passando pela ideia de principal e de acessório que acompanha as coisas e os actos, indo às causas (orações causais) e às consequências (orações consecutivas) desses mesmos actos, que oram se coordenam, (orações coordenadas) ora se integram, (orações integrantes) ora se subordinam (oração principal e subordinada) e por vezes, concedem (orações concessivas) e outras vezes, recusam e finalizam o acto (orações finais). E isto apenas para aflorar alguns aspectos dessa organização lógica e clara – que evita ambiguidades ou “ruídos” no acto de comunicação quer oral, quer escrito – que deriva da existência de regras gramaticais e que serve ao entendimento entre sujeitos falantes nos actos elocutórios que enformam e condicionam a nossa vida gregária.
Há um caminho, uma evolução que a escolarização da língua propicia ao falante, tendo como um dos meios dessa evolução, o conhecimento e o manejo das regras gramaticais.
O aprendente da sua própria língua e de outras línguas que lhe são necessárias, terá todas as vantagens em ir apreendendo e interiorizando de uma forma sistematizada e faseada no tempo e em estudos – para uma aplicação correcta nos já referidos actos elocutórios – os factores fundamentais da língua – a semântica, o léxico, a morfologia, a sintaxe, os estilos e outros mais, que constituem as normas linguísticas e gramaticais que regem a língua.
Daí reiterar que não há que recusar ou brigar com essas mesmas normas. Desde que haja oportunidade, vamos aprendê-las, o melhor que pudermos e soubermos. Só sairemos a ganhar. Nós (sujeitos falantes) e a língua (veículo de comunicação).
A gramática, alguém já o disse, é imanente à língua.
Não é por acaso que existe, creio que de há muito, uma linha pedagógica que orienta o sistema de ensino e que destaca o cuidado e o prolongamento que deve ser observado, em todas as etapas do ensino regular, no estudo da língua de ensino e veicular, como pilar indispensável para a formação e para a informação do aluno.

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