Vidas com histórias ou história de vidas? (Continuação)

sábado, 16 de abril de 2011
Tal como dissera no meu último texto, retomo a história que nele queria contar. Ao invés de colocar os “romanos” I e II, a seguir ao título, preferi acrescentar: “continuação” pois que os primeiros só me remetem para filmes de má qualidade do tipo: «Tubarão I» «Tubarão II» «Rambo I» «Rambo II». Não, prefiro continuação.
Ora bem, vamos à história escutada no táxi a caminho do aeroporto e que me pareceu algo inverosímil, mas o facto é que o narrador/protagonista – do drama – ma contou sem grandes rodeios e também sem arranjos de falsas confidências.
Foi assim: quando o taxista me perguntou se eu era madeirense e eu curiosa a querer saber que sonoridade no meu modo de falar o tinha levado a isso, ele afirmou: «Sabe, minha senhora, eu conheço bem a pronúncia madeirense pois a mulher que ainda considero que foi a da minha vida, é da Madeira» Foi quando me narrou o que ele também considera a sua história de vida.
Jovem, solteiro, na casa dos vinte anos, envolve-se apaixonadamente com uma moça também jovem da Madeira que fazia um estágio de longa duração, no Continente. Dessa paixão recíproca, segundo ele, havia um grande obstáculo, a mulher tinha uma relação formal e estável na ilha de origem e deveria, findo o estágio, regressar naturalmente à casa. Mas em vésperas da partida ela anuncia-lhe que já não queria regressar. Que queria pôr fim ao casamento. Ele surpreso com a decisão dela e desorientado com a futura responsabilidade, sem meios estáveis para qualquer compromisso sério, nas palavras dele, responde-lhe: «Não, tu vais regressar ainda que eu tenha de te meter no avião!» E assim foi. Ela partiu contrariada e zangada e nunca mais deu qualquer notícia. Ele perdeu-lhe o rasto. Os anos passaram-se.
O nosso motorista casou-se, teve filhos (dois rapazes) e a vida continuou. Eis que, tornou ele: «Passados vinte e dois anos após a partida daquela de quem conservei a memória da nossa paixão, entra-me neste carro e no lugar em que a senhora está sentada, uma mulher que me pede para a levar a um centro comercial em Cascais. Eu escuto-lhe a voz e murmuro comigo próprio olhando para o retrovisor todo arrepiado:será a minha querida que meti no avião para a Madeira há vinte e dois anos?” E ela ouviu e ordenou-me: “pare o carro!” e eu, com receio de algum engano da minha parte, retorqui-lhe: “Não, não posso parar neste troço de estrada” Então, disse-me ela quando entrarmos na avenida tal, vai parar o carro, pois quero verificar uma coisa” E assim fiz. Ela sai do lugar e veio sentar-se ao meu lado: “Tu és o Francisco, não és?” Bem, reconhecemo-nos, falámos do nosso passado, de imensas coisas que entretanto aconteceram nas nossas vidas e trocámos endereços no final da viagem».
E o taxista continuou a narração. Poucos dias passados após o reencontro, toca o telefone, ele atende pois que estava de folga e em casa com a mulher e os filhos. Era ela, a madeirense, que lhe pede para a ir buscar ao hotel e levá-la ao aeroporto pois que estava de regresso à casa e que também tinha um assunto muito importante para lhe comunicar. Ele de folga, sem o táxi, disse para a mulher que se tratava de um frete para o aeroporto de uma cliente que prezava muito, que partia para Londres e que ele gostaria de poder ser prestável. A mulher toda expedita, retorquiu-lhe: «Vai! Leva o nosso carro. Uma cliente destas não se pode frustrar. Era o que eu queria ouvir. E assim, fui com o meu carro buscá-la ao hotel.»
Durante o percurso do hotel ao aeroporto, ela diz-lhe:
«Francisco, sabes que a minha filha mais velha se chama Francisca e é tua filha, só que para ela o pai é o meu marido e para todos os efeitos assim será…»
Francisco ouviu isso e arrepiou-se todo – disse-me ele – e asseverou à mãe da filha que concordava com tudo, mas que gostaria de conhecer a filha de quem estava a ouvir falar pela primeira vez. Lá combinaram que numa das viagens a Lisboa ela iria mais a filha a um determinado café e em que ele lá estaria, “anonimamente” numa mesa e sem se dar por presente, para a conhecer.
Assim aconteceu, continuou o meu interlocutor, que disse ter levado o filho mais velho a quem havia revelado o segredo tornando-o confidente do seguinte desejo: «Quando eu fechar os olhos e o “pai” dela também, promete-me que te abeiras da tua irmã e lhe revelarás a verdade da história dela».
Chegados ao café, ele vê a mãe e a filha e o que o transtornou é que a filha não revelada como tal, era a versão feminina do filho que o acompanhara ao encontro, de tal maneira que o próprio rapaz reparou nisso e comentou com o pai: «Ela é mesmo minha irmã!» Encurtando o drama e quase a terminar a história, o senhor Francisco que suspira de tristeza por não poder chegar à fala com a filha disse-me que se consola seguindo-a através de fotografias e de notícias no “face-book” pois o filho tornou-se amigo dela por essa via. E assim vem tendo novas da sua Francisca, e repetia: «Nunca havia de estragar a vida à minha filha, aparecendo a declarar-me pai dela».
Narração findada, conversa terminada, chegámos ao aeroporto e dei comigo a pensar em “vidas com histórias”...

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