Carta semi-aberta a Dilma Rousseff, PR do Brasil

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015


 Excelência:
Respeitosos cumprimentos.
Esta tem a finalidade de trazer à consideração de V. Exa. um assunto que embora  recorrente, muito falado, comentado, criticado com uma frequência que talvez já possa ser considerado saturante, mas que, e infelizmente, pela sua persistência, continua a indignar aqueles que minimamente prezam a Língua portuguesa!
De tal modo recorrente, que já entrou no anedotário lusófono. Pode crer que é a custo, que me debruço sobre ele de novo, temendo  cansar o leitor.
Aconteceu que aqui há dias, vendo o noticiário de um dos canais televisivos de Língua portuguesa e em horário considerado “nobre,” escutei (para meu desagrado auditivo) um dos seus mais proeminentes ministros, referindo-se a si e intitulando-a de: “Presidenta” Convenhamos! Já é de mais! Os nossos ouvidos reclamam e com razão!
Pois bem, trata-se da aberração gramatical do seu título – felizmente provisório, acidental e passageiro - com que Vossa excelência resolveu, decidiu e decretou “brindar” os nossos ouvidos: “PRESIDENTA” (?). Onde já se viu? Com que direito?
Sim! Com que direito? Não sendo a senhora Presidente, autoridade em Língua portuguesa, como ousa e se arroga o direito de deformar as regras gramaticais da nossa bela Língua comum?
O que está a acontecer, configura uma quase falta de respeito ao quadro linguístico da CPLP de que o seu grande país justamente, é parte.
Ah! O saudoso e grande gramático e filólogo Celso Cunha! As voltas que deve dar, de cada vez que ouve “Presidenta” no seu país! Ele que, com outro grande Linguista português Professor Lindley Cintra, tanto fizeram (ambos) em prol e a bem da língua comum!
Posto isto, e desta forma, dúvidas sérias me ocorrem que a Língua portuguesa seja ou, tenha sido  língua materna de V. Exa. (?)!...
E mais, aconselho-a viva e rapidamente que se muna de um colaborador, conselheiro linguístico…não vá V. Exa. lembrar-se de outra “gracinha” do género desta: “presidenta”! A continuar, um dia desses teremos aí um manual gramatical "galhofeiro" da autoria do mandato de V. Exa.
Já agora uma questão, melindrosa e indiscreta: terá V. Exa. estudado as regras por que se rege a nossa Língua? Saberá senhora Presidente que os nomes (substantivos e adjectivos) terminados em e (regra geral) não são do género masculino? Já ouviu falar de palavras que se classificam morfologicamente de comum de dois? Isto é, usam-se de igual modo tanto para o masculino como para o feminino?
 Que apenas (excepções) isto é, um reduzido número palavras terminadas em e pertence ao género masculino?
Para assim se auto-denominar… o mais provável, ilustre senhora, é que desconheça ou ignore (mas nunca será tarde para se aprender...) que a maior parte dos substantivos e  dos adjectivos, terminados em “e” na língua portuguesa, nem sequer é do género masculino. Ou é do género feminino, ou é comum de dois (que é um subgénero gramatical). Isto é, são termos que pertencem e podem ser usados, conforme o contexto, ora no género masculino, ora no género feminino. Logo, a nossa gramática não é tão monocromática como querem fazê-la parecer. Não, ela possui uma paleta de variantes e de cambiantes de géneros e de subgéneros nas famílias das palavras, organizadas com lógica e que permitem que o falante, mantendo-se dentro das normas, se expresse de uma forma rica e clara!
Fiz ao acaso, um brevíssimo apanhado de algumas das mais bonitas, e também das mais temíveis palavras terminadas em “e” da língua portuguesa, que julgo ser ilustrativo daquilo que venho afirmando.
Ei-las:
A Amizade, a Saúde, a Fonte, a Árvore, a Ave, a Felicidade, a Honestidade, a Dignidade, a Hombridade, a Bondade, a Caridade, a Fidelidade, a Lealdade, a Majestade, a Efeméride, a Nave, a Chave, a Sensualidade e a Sexualidade. Assim também: a Falsidade, a Hostilidade, a Calamidade, a Malignidade, a Catástrofe, entre outras, e mais outras, de uma inesgotável listagem.
Imaginemos agora que a senhora Presidente e os seus altos dignitários desatem por aí a terminá-los em a? Havia de ser um caos gramatical! Não concorda? Creio que sim.
O interessante é que são mais raros, os registos gramaticais de palavras terminadas em “e” pertencentes ao género masculino. Uma mini listagem: Infante, Enxofre, Enxame e Cardume, são algumas delas.
Mas o mais significativo, em termos de quantidade e de regra gramatical da língua portuguesa, são os nomes (substantivos e adjectivos) terminados em “e” e que se usam tanto no feminino, como no masculino, o tal subgénero chamado, comum de dois.
Assim temos: o, a Presidente; o, a, Inteligente; o, a Ignorante; o, a Estudante; o, a Intérprete; o, a Emigrante; o, a Imigrante; o, a Cônjuge; o, a Herege, o, a Vidente, o, a Regente; o, a Paciente; o, a Pretendente, o, a Cliente, o, a Adolescente; o, a Elegante; o, a Prudente; o, a, Representante; o, a Ardente; o, a Chefe, entre vários outros exemplos que os limites deste texto não comportam.
Como vê ilustre Presidente, a nossa gramática permite ao semantema que denomina a vossa actual função (Presidente da República)) uma ambivalência em termos de género que o torna mais prestimoso e rico no seu uso e no seu significado.
Para terminar esta matéria já muito estafada quer na imprensa escrita, quer na redes sociais, rogo encarecidamente a V. Exa. que não desautorize os bons professores brasileiros da Língua portuguesa, (ao usar presidenta) os quais, nas aulas, se esforçam por bem ensinar a nossa língua comum.
Elevada consideração.
Subscrevo-me




3 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Drª Ondina, só encontro uma explicação para o fenómeno. É que a presidente Dilma é a primeira mulher na história do Brasil a ocupar este cargo. Por isso, deve querer homenagear o histórico acontecimento com uma inovação linguística unicamente válida para a sua situação ou para futuras situações em que uma mulher ascenda à presidência. Como provavelmente este caso não vai repetir-se muitas vezes, e convenhamos que infelizmente, é mesmo possível que se trate de mais de um acto de consagração da condição feminina do que um intencional atropelo às regras gramaticais. Não sendo eu brasileiro, sou contudo um admirador da senhora "presidenta", não me importando nada que o género feminino venha a ocupar mais vezes esse alto cargo. Porém, tal deve exigir que mande introduzir na gramática brasileira essa regra específica e unicamente aplicável aos casos em apreço, válida apenas para o território do seu país, devendo ainda ter o cuidado de notificar todos os PALOP sobre a exclusividade nacional dessa regra gramatical.

valdemar pereira disse...

Esta mania de feminisar o titulo da máxima magistratura soa tão mal que enerva quem nada pode fazer contra a campanha para propagar asneira. Como a "Presidenta" cruzo pouco mas há inflação de verbos inexistentes que se vê em comentários eloquentes e até artigos de fundo assinados por certos universitàrios vindos do Brasil. O mais usado entre as pérolas é o verbo "tar" conjugado no passado e no presente o que prevê um futuro mais que imperfeito. Outra monstruosidade que eriça-me os cabelos é o neo verbo "à ver" que sofre cada golpe que até dá nojo. Penso que estes usuàrios são os que preconizam a introdução do "k", no lugar do "que", e a eliminação do "h" porque "não se vê"... ou porque querem aparecer (?).
Felizmente nunca esqueci dos dois auxiliares (ter e haver) que aprendi na 3a Classe da Instrução Primària na célebre Escola Camões e que me ajudaram (particularmente) num exame de Português no liceu (como externo) onde apanhei na oral o inesquecido mestre Dr. Baltazar Lopes da Silva que lixou muitos que já não pensavam que podiam ser "havidos". Lembro-me que tive de conjugar o imperfeito do conjuntivo. Não saiu avesso e foi mais que perfeito. Felizmente!!!
Obrigado, Doutora, pelo recado à "Presidenta" que espero acorde alguns dos nossos prosadores inimigos da Gramática onde aprenderam.
Braças e mantenhas
V/

P.S. - O seu texto, com indicação para eventual consulta, foi remetido à terra dos Buarques, dos Lins e do Amado.

Adriano Miranda Lima disse...

O Val tem razão e deixa aqui algumas notas pertinentes sobre frequentes atropelos à gramática. Em cabo Verde, tem de se apostar mais no ensino da língua portuguesa e não em criatividades aventureiras que não nos levam a parte nenhuma.

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