Ponto assente, isso obriga-nos a revisitar Alvin Toffler, escritor e
jornalista americano (Outubro de 1928 - Junho de 2016), autor do best seller “A
Terceira Vaga”, quando afirma que a História da humanidade é feita de
sucessivas vagas de mudança operadas pelo processo civilizacional. A primeira
vaga foi a Revolução Agrícola, a segunda a Revolução Industrial e a terceira a presente
era da informação, da cibernética e da robótica, de que somos hoje beneficiários.
Em Abril deste ano, Toffler proferiria uma conferência na Reitoria da
Universidade de Lisboa, onde desenvolveu a sua teoria sobre aquilo que designou
por Quarta Vaga – Bioeconomia, defendendo que a economia não pode mais
desligar-se de práticas que ignorem a sua sustentabilidade numa equilibrada
relação com o meio ambiente. Terá sido das últimas intervenções públicas do
escritor, que faleceria dois meses depois, em 27 de Junho, aos 87 anos.
O bem-estar que o homem almeja depende, inapelavelmente, da forma como
vive e explora os recursos do planeta, como se organiza e como resolve os seus
conflitos. As mudanças civilizacionais foram moldando a percepção do homem
sobre os modelos de organização política e social e as formas de exercício do
poder político. Na Primeira Vaga, o poder era personificado e exercido
autocraticamente ou quanto muito assistido por um conselho. A noção de
território e o sentimento de consciência nacional progressivamente foram tomando
forma e consolidando-se. Na Segunda Vaga, com a Revolução Industrial e o
Iluminismo, surge o Estado-Nação e desde logo o poder ganha formas de maior
sofisticação, mediante estruturas jurídicas que orientam e regulam o exercício
da soberania e a defesa dos interesses nacionais em confronto com outros povos.
Hoje, as mudanças determinadas pela Terceira Vaga e a iminência da
Quarta Vaga vieram pôr em cheque o modelo das instituições que nos governam
desde há séculos tornando-as obsoletas e questionando a sua validade operativa.
Embora permaneça o mito das soberanias nacionais, é cada vez mais difícil para
um governo tomar decisões com a independência de outrora, sem ter de levar em
conta factores exteriores que ganham relevo crescente com o processo de globalização
proporcionado pela Terceira Vaga. Talvez seja a razão por que hoje há
dificuldade em descortinar líderes de perfis que desejaríamos idênticos aos de
um Churchill, de um De Gaulle, de um Roosevelt ou de um Adenauer. Mas estes
líderes, transpostos para a nossa época, provavelmente iriam evidenciar as
mesmas debilidades e insuficiências que a opinião pública aponta a par e passo aos
governantes de hoje. Com efeito, a complexidade dos problemas sociais da
actualidade não tem paralelo com o passado. O líder dos estados de direito
democráticos não consegue exercer a sua autoridade pessoal sem ser contido
pelas constituições ou expedientes jurídicos como as providências cautelares ou
pressionado pela opinião pública através dos mais variados meios de comunicação.
O que é verdade na esfera interna dos estados é particularmente
reflexivo nas relações entre os estados e no plano em que se concertam com
maior ou menor eficácia as políticas e as estratégias nacionais ou comunitárias.
Dentro da União Europeia é cada vez mais nítida a percepção de que as
soberanias nacionais se esbatem face às instituições comunitárias e aos
desafios da globalização, e isso levanta interrogações, sobretudo nos sectores
políticos mais à esquerda. O controlo dos orçamentos e a formatação das
principais políticas nacionais obedecem às directrizes e imposições
comunitárias. Mas o pensamento futurista de Alvim Toffler leva-nos ainda mais
longe fazendo-nos ver que sem uma política mundial devidamente concertada o
planeta compromete os seus equilíbrios e pode soçobrar.
Então, os desafios são inumeráveis sem que as respostas se perfilem por
enquanto com a urgência e a clareza desejadas. No seu livro “A Quarta Revolução
− A Corrida Global para Reinventar o Estado”, Adrian Wooldridgem e John
Micklethwait denunciam a crise da governação do mundo actual e a ineficácia do
Estado no Mundo Ocidente, afirmando que é necessário revolucionar o sistema
político e apontando caminhos para melhorar o futuro da sociedade humana. É verdade
que a globalização trouxe benefícios óbvios ao mundo não obstante reger-se por
um viés neoliberal, com os defeitos vários que lhe têm sido apontados, dos
quais o mais preocupante é o impacto ecológico negativo em consequência do
consumismo desenfreado e da devastação dos recursos naturais. Mas o processo da
globalização é imparável e as sociedades humanas têm de se ajustar aos seus
impulsos.
Assim, se os problemas planetários atingem uma dimensão de tal ordem preocupante
que não se compadecem mais com a inoperância de estados soberanos fechados em
si, incapazes de gerar os melhores consensos no plano internacional, não haverá
outra solução senão repensar o seu modelo. Ora, se a economia depende cada vez
mais da dinâmica global, é natural que as soberanias tenham de encontrar pontos
de convergência em espaços supranacionais onde as decisões políticas se sirvam
dos mesmos instrumentos que lograram a agilização e a expansão da economia. A
democracia não deixará de ser válida, importante e insubstituível como sistema
de governo, mas ela terá de ser transposta eficazmente para as relações
internacionais, de par com a diplomacia, aperfeiçoando os seus mecanismos de
representatividade, auscultação e sondagem de opiniões, em ordem à melhor
concertação de vontades para a melhor solução dos problemas globais.
Neste processo, a Europa e os Estados Unidos não podem continuar a dar
sinais de perderem o pé ante o ressurgimento da Rússia e a emergência das
potências asiáticas. Caso contrário, deixará de fazer sentido a opinião de
Mario Vargas Llosa quando, ao afirmar que o mundo está melhor, tomava como
padrão de referência o Mundo Ocidental.
Tomar, 10 de Outubro de 2016
Adriano Miranda Lima
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