Mas
antes de entrar no assunto inscrito no título, vamos um pouco, ao para-texto,
neste caso, do assunto em contexto.
Aqui
há tempos fui visitar duas boas amigas recém-chegadas do Fogo e que se
encontravam hospedadas numa residencial da cidade. Nisto, junta-se a nós um
velho amigo delas - antigo Faroleiro, ou antigo responsável do farol do istmo, ou da
ponta, onde se encontra o Seminário de São José, na cidade da Praia - há muito
reformado, quem também as havia ido cumprimentar.
Durante o agradável encontro, o que atraiu a
minha atenção auditiva foi o facto daquele senhor, faroleiro, se expressar num
correcto e escorreito português ao falar connosco. Afinal, ele possuía apenas a
antiga 4ª classe da instrução primária. E com ufania a alardeava! No entanto,
mantinha com naturalidade fluente e sem titubear, a conversação em língua
portuguesa.
Dias
passados, uma cunhada minha arquitecta, que está a trabalhar num projecto de
novo cemitério para a ilha do Sal, contou-me que procurou para troca de
impressões, o antigo responsável do cemitério de Santa Maria, ou melhor dito,
também antigo coveiro. Surpreendida com o que escutou, disse-me ela: “Ondina, o senhor falou comigo num português
correctíssimo! Que eu fiquei boquiaberta!”
Reparem os dois casos ilustrados. Trata-se de
antigos agentes da base, ou do escalão mais baixo da administração pública cabo-verdiana, portadores da antiga 4ª Classe
da Instrução Primária – Faroleiro e Coveiro .
Comparativamente, expressam-se muito melhor em língua portuguesa do que muitos dos actualíssimos alunos do 12º Ano do secundário.
Alguns, para exemplo, recentemente se me dirigiram na rua - a propósito de um peditório para actividades dos finalistas de determinada escola secundária urbana - em crioulo, porque não sabiam expressar-se em português, mesmo eu falando com eles na língua portuguesa e dizendo-lhes que fora antiga professora e que ao menos comigo se expressassem em português; motivei-os para tal, até a propósito, de um deles com boa média, querer tentar, segundo ele, uma vaga para prosseguir estudos superiores em Portugal.
Mas mesmo assim verifiquei que de entre eles, ainda que o tivesse tentado, não conseguiram, tiveram enorme dificuldade em manter o diálogo comigo em português...
Comparativamente, expressam-se muito melhor em língua portuguesa do que muitos dos actualíssimos alunos do 12º Ano do secundário.
Alguns, para exemplo, recentemente se me dirigiram na rua - a propósito de um peditório para actividades dos finalistas de determinada escola secundária urbana - em crioulo, porque não sabiam expressar-se em português, mesmo eu falando com eles na língua portuguesa e dizendo-lhes que fora antiga professora e que ao menos comigo se expressassem em português; motivei-os para tal, até a propósito, de um deles com boa média, querer tentar, segundo ele, uma vaga para prosseguir estudos superiores em Portugal.
Mas mesmo assim verifiquei que de entre eles, ainda que o tivesse tentado, não conseguiram, tiveram enorme dificuldade em manter o diálogo comigo em português...
E
são estes perfis de alunos que demandam os Politécnicos e as Universidades
portuguesas!
Depois não se admirem de os ir encontrar infelizmente, mais
tarde em Portugal. Numa espécie de emigração clandestina, com vergonha de
retornar ao país.
Ou então, a trabalhar como ajudantes de mecânicos, sem garantias, em pequenas oficinas (encontrei nestas condições dois jovens, que tinham ido – com altas médias - para seguir curso de engenharia. Mas por não terem nível capaz, nem de língua portuguesa, nem das cadeiras científicas específicas para prosseguir o curso que gostariam de fazer e, para o qual lhes fora concedidas vagas ou bolsas de mérito, acabaram assim... Triste! Não é?
Ou então, a trabalhar como ajudantes de mecânicos, sem garantias, em pequenas oficinas (encontrei nestas condições dois jovens, que tinham ido – com altas médias - para seguir curso de engenharia. Mas por não terem nível capaz, nem de língua portuguesa, nem das cadeiras científicas específicas para prosseguir o curso que gostariam de fazer e, para o qual lhes fora concedidas vagas ou bolsas de mérito, acabaram assim... Triste! Não é?
Estamos
a falar de alunos com o 12º ano do ensino e com altas classificações locais...
Que
ninguém se admire da entrevista dada (recomendo a leitura) no Jornal Expresso
das Ilhas das Ilhas, de 18 Julho de 2018, pelo Professor e Investigador Filipe
Themudo Barata da Universidade de Évora, que sintetiza numa frase que nos devia
interpelar, pais, professores e responsáveis da Educação: “os alunos que só
sabem crioulo, o resultado é o isolamento” referia-se ele a uma das causa para
os mal sucedidos alunos cabo-verdianos (o que já se tornou regra nos últimos
anos e não excepções) que demandam formação superior em Portugal?
Infelizmente
esta situação vem piorando e deteriorando-se a cada ano que passa, sem que sem
veja qualquer medida para inverter esta autêntica catástrofe nacional que é a
de permitir que alunos cabo-verdianos partam - sem estarem capacitados a escrever
e a falar na nossa Língua oficial, a língua veicular do ensino - para as
instituições académicas portuguesas que doravante passarão a frequentar com a
finalidade de preparar técnica e academicamente, o futuro deles e o de Cabo
Verde.
Creio
que no caso presente, podemos falar de um autêntico abandono escolar no nível
universitário de muitos alunos
cabo-verdianos; de uma autêntica e caótica situação vivida pelos estudantes, nas trocas constantes de cursos sem
sucesso, porque sem bases na Língua portuguesa e agora também sem bases
capazes, nas disciplinas científicas.
Atenção: estes factores e estas causas, com estragos profundos, não estão sendo devidamente avaliados, contabilizados, nem económica, nem socialmente para os jovens e para
estas pobres ilhas.
Afinal,
só são “bem sucedidos” aqueles estudantes que prosseguem cursos post-secundários
na Praia ou no Mindelo, e que curiosamente, são os que têm a média mínima,
entenda-se: a mais baixa do 12º para o prosseguimento de estudos
universitários. Desta leva, sairão os mestres e os doutores que vamos tendo no
país.
Imagine-se o nível científico e cultural!
Acontece
que hoje em dia, e escolarmente falando, estamos cada vez mais mal preparados.
Contava-me há dias escandalizada, uma antiga colega e amiga, avó, que se dirigiu
à escola que a neta frequentou para obter informações sobre a educanda, qual
não foi o seu espanto quando se apercebeu de que o professor de geografia não
se expressava capazmente em português, o mesmo sucedia - espantem-se! - com a
Directora pedagógica da dita escola. E ela que se apanhou a pensar: “coitada da minha neta a levar com professores destes!”
Sucede
também que a neta da minha amiga, como a
minha e como a de outros com alguma literacia, se escutam na escola “mau português,”
terão a possibilidade de reverter a
situação linguística, sem grandes prejuízos futuros, pois que ouvirão em casa,
a língua veicular do ensino bem expressa. Conseguem arrepiar caminho atempadamente...
Agora,
imaginem as centenas de alunos, sim, centenas de alunos, oriundos de famílias
que não usam a língua portuguesa, só falam crioulo, e que mandam os filhos à
escola, para também contactarem e aprenderem o português, para fazer o salto qualitativo
social; o que será deles? Sim, meus senhores, qual o resultado que eles terão
no processo ensino/aprendizagem? O que adquirirão em termos de entendimento
científico, da leitura e da interpretação de livros, de aquisição de conceitos
sociais, tecnológicos e outros sem o suporte da língua veicular, na sala de
aula?
Porque
a “partida” de mau gosto que estão a fazer aos indefesos alunos – para estes, a
escola é ainda fundamental e o principal meio de aquisição do saber - é que os professores no activo (excepções
salvaguardadas, mas que, infelizmente, não deixam de ser excepções) explicam-se
e expressam-se muito mal em Língua portuguesa, ou não se expressam de todo, com
graves reflexos no processo escolar, na transmissão dos conteúdos programáticos
das disciplinas curiculares! Os livros, os manuais escolares, as perguntas nos
testes de avaliação, estão escritos em língua portuguesa e ainda bem que assim
é! Se os professores não os interpretarem com correcção, que conhecimentos transmitirão aos alunos?
Para
nós, este fenómeno era impensável há três ou duas décadas e meia atrás. Ainda
que aqui e ali existissem casos. Aliás, casos, sempre os houve, mas nunca com
carácter tão generalizado e tão alarmante como actualmente.
Portanto,
pi-o-ra-mos! Chamemos as coisas
pelos nomes que merecem, sem adornos e sem subterfúgios eufemísticos.
O
que estará a acontecer nas escolas destas ilhas, algumas delas, tão brilhantes
que foram outrora? E até num passado relativamente recente?
Tenho
pena sincera; causa-me uma dor real, verificar que centenas de adolescentes e
de jovens cabo-verdianos – sobretudo os provenientes da larga faixa
populacional mais vulnerável e cujos pais e família ainda acreditam na escola - que terminam a
etapa de 12 anos de escolarização (o mais longo ciclo de aprendizagem para
muitos) demonstrarem uma chocante ignorância científica, uma terrível
ignorância literária, pois que desprovidos de capacidade de entendimento lógico e
dedutivo, sem hábitos de leitura, sem exercitar a análise, entre outras insuficiências e
incompetências que são - dever e obrigação - tarefas da escola colmatar, reverter e facultar-lhes pistas e instrumentos
- ao longo do processo e das etapas de escolarização.
E
finalizo, questionando: o que significa hoje - na segunda década do século XXI
- ter o 12º ano de escolaridade das
escolas secundárias cabo-verdianas, nestas condições?... semi-alfabetizados? É isso que o país está a
produzir?! É isso que a família e a sociedade gostariam de ver e de ter?
Simplesmente
chocante e revoltante!
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