DA CLARIDADE À CLARIVIDÊNCIA

domingo, 25 de agosto de 2019


               6 de Setembro de 2019
O centenário do nascimento de Henrique Teixeira de Sousa (1919). Neste contexto, achámos pertinente relembrá-lo através dos seus escritos, no caso, mais um artigo. Desta feita sobre o Movimento Claridoso.

Por H. Teixeira de Sousa*

Quando, em Outubro de 1931, desembarquei em São Vicente para frequentar o Liceu, fiquei deslumbrado com a cidade do Mindelo, tão diferente da pacata cidade de São Filipe. Os vapores, apitando e fumegando na baía, o rumor dos guindastes e das vagonetas de carvão, o vai-vem dos rebocadores e das lanchas, a azáfama dos trabalhadores enfarruscados com o pó da hulha, marinheiros estrangeiros passeando nas ruas, acompanhados de cicerones poliglotas, residentes ingleses e italianos emprestando um ar cosmopolita à pequena urbe, o golfe, o ténis, o foot-ball, o cricket, os estabelecimentos comerciais alguns bastantes prósperos, o Liceu, a elite ilustrada, o jornal da terra, combativo, mordaz, polémico, todo esse ambiente novo me fascinou, a mim, menino duma ilha agrícola, ilha enconchada nas suas tradições seculares que viriam a ser mais tarde invocadas no meu romance ILHÉU DE CONTENDA. O impacto com a mini-civilização mindelense impressionou a minha ruralidade. A descoberta doutro ritmo de existência, que não o arrastar inglório das enxadas e a resistência inútil do homem do sobrado, inflectiu o meu destino para diversificados horizontes. Lembro-me de que, à noite, quando recolhia ao meu catre de estudante, adormecia a pensar no amanhecer glorioso em que me seria dado de novo participar do quotidiano mindelense.
Todavia, na casa onde me hospedei, escutava a conversa das visitas sobre a crise do Porto Grande. Suspiravam pelos bons velhos tempos, como na morna de Sérgio frusoni «um vez Sãocente era sabe». Ouvi-as, ainda, zurzindo no Governo pelo abandono votado ao mais amplo e abrigado porto da África Ocidental. Não conseguia entender as razões das queixas daquela gente face ao burburinho que me rodeava. Só vim a capacitar-me de que campeava a miséria em São Vicente quando, em 1934, largas centenas de populares, capitaneados por Nhô Ambrósio, desceram dos arredores da cidade, empunhando bandeiras negras, que simbolizavam fome e desolação. Cortejo que findou em assalto aos armazéns de víveres de determinados comerciantes e da Alfândega do Mindelo.
Esta crise portuária já vinha de longe. Em 1891, João Augusto Martins, ilustre médico e escritor cabo-verdiano, chamou a atenção de quem de direito para a decadência incipiente do porto de São Vicente no seu célebre livro «Madeira, Cabo Verde e Guiné». Dizia então o autor que a negligência do Governo face ao equipamento e modernização da Baía do Mindelo punha em risco o futuro desta magnífica escala marítima, dado que Las Palmas e Tenerife haviam já arrancado com força e determinação para a conquista da navegação comercial do Atlântico. Assim, quando, na década de trinta, começou a fazer-se a substituição do carvão pelos combustíveis líquidos, agudizou-se a crise no Porto Grande, por este não haver acompanhado as exigências a época. Os espanhóis fizeram-no nas Canárias. Os franceses fizeram-no em Dakar. Os portugueses não o fizeram em São Vicente. Daí o declínio do movimento portuário, com a consequente baixa de receitas de semelhante origem. As companhias carvoeiras começaram a despedir trabalhadores, tendo-se então instalado um clima de insegurança que São Vicente jamais conhecera. Nesse clima é que foi gerado o levantamento de 1934, de que fui testemunha ocular. Vi embarcar Nhô Ambrósio, deportado para Angola. Acho que não será despropositado sugerir aqui e agora a perpetuação da memória de Nhô Ambrósio da forma como entenderem o povo e o Governo. Celebrizado já foi pelo poeta Gabriel Mariano, que, através de um poema épico, cantou a gesta do Capitão Ambrósio. Mas há qualquer coisa mais que falta. O povo dirá.
A decadência da ilha de São Vicente também atingiu a classe relativamente abastada. Daí que existisse na cidade do Mindelo uma Associação Comercial e Industrial bastante forte, coesa e empenhada na luta pelos direitos e progressos da terra. Daí que houvesse um jornal, cujo temário essencial era a problemática do ancoradouro de São Vicente e o abandono que estava votado o arquipélago, em geral. Daí que reinasse um sentimento depreciativo por quanto fosse português, versus  um grande apreço pela eficiência inglesa, mal-grado o isolamento da colónia britânica. Vestia-se à inglesa, bebia-se à inglesa, fumava-se à inglesa, fava-se inglês (sobretudo quando se engolia dois whiskies ou gins), fazia-se desporto à inglesa. Era muito honroso ser-se convidado para um cocktail no Telégrafo ou Clube dos ingleses. Também, na ilha do Fogo, subir ao sobrado de gente branca era uma distinção concedida a pouquíssimos mulatos. Esse fenómeno, portanto, não me impressionou, na medida em que a ele estava habituado. Na minha ilha, as chamadas famílias tradicionais eram igualmente impermeáveis ao convívio com a chamada gentinha. Esta, todavia, invertia os seus ressentimentos, ao ponto de ambicionar acesso ao ambiente que a repelia. Vidé «Ilhéu de Contenda».
A burguesia mindelense vivia revoltada com a incúria e o desprezo da Mãe-Pátria (entre aspas).Dessa revolta, quanto a mim, teria nascido a ideia de adjacência das ilhas de Cabo Verde, numa ambivalência de sentimentos idêntica àquela acabada de citar, ideia que também foi motivo de quilómetros de prosa no jornal «Notícias de Cabo Verde». Por outro lado, intuiu-se o malefício do regime colonial, em consequência do imobilismo desenvolvimentista do arquipélago. Vá, então, de querer tratamento diferente por parte da Mãe-Pátria. Esse tratamento conseguir-se-ia com o estatuto administrativo de adjacência, tal como existia para os arquipélago dos Açores e da Madeira. A adjacência seria como que a legitimação desse filho bastardo que era o arquipélago de Cabo Verde. Feita a legitimação, também ficaria feita a descolonização, desaparecendo as desigualdades entre os portugueses de cá e de lá. A reivindicação do estatuto de adjacência não significava o desejo de libertação do regime colonial, única via de promoção que, então, se enxergava. Havia, aliás, o exemplo muito próximo das ilhas Canárias, fazendo parte integrante da metrópole espanhola. Assim, raciocinavam e sentiam os defensores de semelhante projecto politico-administrativo.
O sonho de adjacência povoou o cérebro e o coração de algumas gerações. Só veio a morrer em 1962, numa célebre reunião das forças vivas que teve lugar na sede da Associação Comercial e Industrial do Mindelo para dar resposta a uma consulta do então Ministério do Ultramar. Estava-se em plena guerra colonial. Convinha sobremaneira que uma província ultramarina (terminologia da época), como Cabo Verde, soltasse o seu grito de Ipiranga às avessas, aceitando o estatuto de adjacência para desencorajar o empenho do PAIGC e restantes movimentos africanos de libertação. O Engenheiro Humberto Fonseca foi o grande líder dessa histórica reunião. Ao ouvido me disse: – Henrique, vamos evitar um sim a adjacência, caso contrário perdemos o comboio da independência. Evidentemente que se recusou o estatuto das ilhas adjacentes então oferecido de bandeja pelo Governo Central, o mesmo Governo que sistematicamente no-lo recusara.
Regressando à década de trinta, década de acentuação da crise do Porto Grande e de agudização dos conflitos internacionais que estiveram na origem da Segunda Guerra Mundial, direi que foi nessa conjuntura que surgiu o movimento intelectual e literário da Claridade. Foi nesse cadinho de decadência portuária, de miséria e contradições internas e internacionais que um punhado de jovens talentosos concebeu e arrancou com uma revista de artes e letras, de conteúdo totalmente novo. Fez-se luz na literatura cabo-verdiana, afastada até o momento dos valores culturais próprios, salvo restritas excepções. Tanto na poesia como na prosa, se passou a expressar a autenticidade das ilhas, coisa que poetas e prosadores anteriores distorceram ou omitiram através de uma retórica importada. Essa afirmação vigorosa de identidade cultural viria a confrontar-se criticamente com o conceito de adjacência, na medida em que revelava uma realidade distanciada dos valores culturais de Portugal continental. Viria, em certa medida, patentear a existência dum pré-nacionalismo, com todas as implicações que tal acarretava na altura. Daí que a revista não tenha sido bem recebida pelas forças conservadoras. A nova forma de escrever Cabo Verde diferia da forma tradicional, no domínio literário, evidentemente. A retórica balofa foi mondada pelas enxadas dos claridosos, pondo o chão limpo de ervas nocivas. Passou a exibir-se uma cultura mais consentânea com as nossas realidades.
Não é minimamente aceitável o julgamento da Claridade feito na década de sessenta pela juventude progressista da época. Os claridosos não se alienaram da problemática da injustiça social e das carências materiais. Primeiro, porque surgiram em São Vicente na crítica década de trinta; segundo, porque cortaram com figurinos impostos; terceiro, porque deram a conhecer verdadeiramente a humanidade das ilhas. Que mais se lhes poderia exigir? Não vejo que aos «bravos do Mindelo» (parafraseando a História de Portugal) se devesse exigir a consciência política que só após o segundo conflito armado internacional começaria a tomar forma em África. Consciência política, por um lado, impossível de alcançar no regime que então vigorava, cerceados que eram os meios de informação política. O reconhecimento de todo esse passado restritivo, encorajou os responsáveis actuais pelas coisas de cultura a assinalar condignamente o quinquagésimo aniversário do aparecimento da revista Claridade, fazendo cessar tudo quanto determinadas musas cantaram contra os pioneiros da nossa moderna literatura.
Logo no primeiro número da revista se privilegiou o dialecto crioulo de Cabo Verde, tendo-se imprimido, na respectiva portada, versos dum batuque de Santiago. Esta homenagem à nossa língua de leite teria soado a irreverência nativista aos que combatiam o uso do crioulo. Mas o que mais desagradou aos puristas lusófonos foi o português literário dos novelistas, e, não tanto, o dos poetas. Esse português literário dos novelistas foi um dos actos mais audaciosos dos homens da Claridade, numa época em que ainda se estudava a gramática e a estilística portuguesas em profundidade e se acreditava que a utilização do crioulo prejudicava a aprendizagem do idioma de Camões.
Sem dúvida que esse alcunhado «pretoguês» dos claridosos veio desbloquear significativamente a linguagem dos novelistas, especialmente nos textos contendo diálogos. Aproveito, todavia, a oportunidade para advertir contra os exageros. Todos temos de continuar a reflectir sobre esta prestimosa herança dos fundadores da Claridade, dado que semelhante linguagem ou estilo resultou dum propósito e não dum processo espontâneo e natural. Rigorosamente podemos asseverar que não existe esse português nas nossas ilhas. Quando muito, o português das pessoas de fraca instrução poderá aproximar-se daquele, ou vice- versa. Eu apenas sugeri que se evitassem os exageros, para não se cair em artificialismos desnecessários. Desnecessários porquê? Desnecessário porque o nosso português, por mais bem falado ou escrito, é um português algo diferenciado do de Portugal. Desde que falemos ou escrevamos despreocupadamente, somos inconfundivelmente cabo-verdianos, embora usando a língua portuguesa.. A História tornou-a adoptiva, conservando-lhe, todavia, o sabor de leite materno, por mais correcto que ela seja falada ou escrita com todas as exigências do saudoso C ónego Bouças do Seminário-Liceu de São Nicolau. Que no-lo digam os nossos irmãos brasileiros. Que no-lo digam os nossos irmãos de toda a África lusófona.
A revista Claridade surgiu cabo-verdianíssima por dentro e por fora, tanto na temática como na expressão. «Quand même», a primeira vaga de claridosos viria a ser acusada, décadas depois, de evasionista, pasargadista e alienada dos problemas concretos do povo, em termos das respectivas soluções.
A temática do mar, presente noutras literaturas insulares, teve em Eugénio Tavares o seu primeiro grande cultor, logo no dobrar do século. Os pioneiros da moderna literatura cabo-verdiana herdaram essa temática não como figurino literário, mas, sim, como algo fazendo parte da cabo-verdianidade. O mar e a emigração foram e são os factores do complexo cultural do nosso povo. Tais realidades nunca poderiam estar ausentes na poesia e na prosa dos claridosos.
O chamado pasargadismo proveio pura e simplesmente dum desabado poético de Osvaldo Alcântara, num simbolismo de inspiração manuel-bandeirense. Esse desabafo teve, antes, a força duma denúncia do que o comodismo duma renúncia. O resto que então se seguiu, foi mera especulação de cariz radical, própria da rebeldia juvenil. Pasárgada seria o reino da justiça, da abastança, da felicidade inexistentes nas nossas ilhas. Mais nada!
Os claridosos não fixaram os olhos apenas na linha do horizonte e no reino de Pasárgada. Falaram das secas, das fomes, das mortandades cíclicas, do vento leste, das pragas, das doenças, da sede de instrução e da dignificação do povo, dos caminhos insignificantes ziguezagueando por montes e vales, dos pescadores sacrificados, da infância abandonada, das grávidas de pernas inchadas pelas varizes, das rapariguinhas à cata de lenha, do gado a caminho da fonte; falaram das nossas canções, dos nossos contos populares, dos nossos instrumentos musicais, dos nossos folguedos e danças, falaram, em suma, de quanto é genuinamente cabo-verdiano.  Por mór desse discurso, foram considerados escritores da desgraça, em nada contribuindo para o optimismo da juventude. Entenda-se aqui o termo optimismo por alienação. Recordo-me, neste momento, de um programa radiofónico de autoria dum grupo de estudantes do Liceu de São Vicente, cujos textos eram previamente censurados pelo administrador do Concelho, que tinha o cuidado de cortar quanto fosse pessimista e irreverente, segundo seu critério. O programa intitulava-se Juventude em Foco. Funcionou nos finais da década de sessenta e princípios setenta. Os meus filhos mais velhos foram colaboradores desse programa.
Quando, em 1938, cheguei a Lisboa para frequentar a Universidade, não havia ainda arrancado o neo-realismo em Portugal (Portugal continental). Imperava o umbilicalismo presencista, uma literatura toda virada para os escaninhos freudianos duma burguesia em crise, divorciada do homem da rua, do homem do campo, do homem do mar, diferentemente do que ocorria em Cabo Verde desde 1936. O Dr. Baltasar Lopes da Silva presenciou do meu desencanto. Só em 1941, pude penetrar na tertúlia dos pioneiros do neo-realismo português e conhecer outras aberturas, incluindo o universo político. Só nessa altura, cheguei verdadeiramente à Europa. O deslumbramento foi de tal ordem que quase fiz perigar o cumprimento dos meus deveres escolares. Desenrolava-se a Segunda Guerra Mundial. As solicitações políticas e intelectuais eram tantas que me ia afogando num oceano de dispersão. Felizmente me frenei a tempo.
Não vou enumerar as personalidades dessa tertúlia, porque omitir alguém de muito prestígio na época. A esses amigos e camaradas dei a conhecer a jovem literatura cabo-verdiana. Ficaram impressionados com a imagem e o estilo dessa literatura. Nesse tempo, não se punha o problema de emancipação política das colónias portuguesas. Punha-se, sim, o problema genérico e universal da justiça social, das liberdades cívicas e da dignificação do homem. Acreditávamos que a vitória dos Aliados viria a viabilizar todos aqueles ideais. Nessa perspectiva, estabelecíamos analogias entre a humanidade de cá e de lá, e, uma vez feita a grande mudança na Metrópole, semelhante mudança reflectir-se-ia também nas colónias. (Diga-se de passagem, uma perspectiva simplista e imatura). De sorte que uma literatura como a da Claridade, denunciadora das deploráveis realidades de Cabo Verde, nunca poderia deixar de ser saudada com entusiasmo pelos neo-realistas de Lisboa. Estes tinham começado a fazer o mesmo no quadrilátero europeu que habitavam.
A problemática colonial na década de 40, pelo menos em Portugal, sobrepunha-se à problemática do proletariado em geral, encontrando-se em horizonte muito esfumado a autodeterminação dos povos colonizados. Achávamos certo que, por exemplo, um Langston Hughes, poeta negro, cantasse alto e bom som «I am America too», numa atitude reivindicativa face à sociedade branca. Acharíamos também certo, nessa altura, que um poeta cabo-verdiano bradasse «eu também sou Portugal, ponham-me à mesa do banquete nacional, e não me mandem comer para a cozinha». Ora, na década de 30, mesmo na de 40, os claridosos não podiam posicionar-se da mesma forma que a geração de sessenta, em relação à problemática colonial. Isto teria sido um prodígio de antecipação política, ainda mais sensacional do que a precocidade neo-realista do movimento literário em causa.
Diga-se, todavia, em abono da verdade, que os grandes responsáveis pela modernização da literatura cabo-verdiana não chegaram a dar-se conta do salto histórico por eles realizado. Não lhes passou pela cabeça que se estavam a antecipar à afirmação nacionalista da geração de sessenta. Quando se interroga os poucos sobreviventes da arrancada memorável, acerca do «primum movens» de semelhante tomada de rumo, fica-se insatisfeito com a resposta e explicações que dão. Na sede da Associação Portuguesa de Autores, disse Manuel Lopes, a propósito do cinquentenário da Claridade, que nada de extraordinário haviam feito. Que se limitaram a agarrar a realidade cabo-verdiana e pô-la no papel. Esta visão de um dos maiores escritores daquela geração não deve, porém, ser encarada de forma simplista. Semelhante visão confirma a teoria de confluência de factores na eclosão de determinados movimentos, um dos quais literário. Em todos os grandes acontecimentos históricos, políticos, filosóficos, religiosos, científicos, existe quase sempre uma fase premonitória, na génese da qual não se isola um único responsável, mas, sim, toda uma colectividade ou uma èlite, todo um  país ou um grupo de países. No caso da Claridade, revista que nasceu por falta de cinquenta contos de reis para pagar a caução do jornal que então se ambicionava, segundo explicou Baltasar Lopes, houve a confluência dos seguintes factores:
– marcada diferenciação cultural do cabo-verdiano;
– isolamento total das ilhas em relação a uma Pátria distante e indiferente ao destino das respectivas populações;
– sobrevivência dependente da emigração;
– sentimento de solidariedade da camada ilustrada para com as maiores vítimas desse abandono;
– constatação de diferenças de direitos cívicos entre os naturais do arquipélago e os naturais da Metrópole;
– inexistência de uma literatura que falasse das gentes e das coisas da terra;
– finalmente, a chibatada tónica proveniente do Brasil, através da mensagem dos modernos escritores daquele país verdadeiramente irmão.
Não vou analisar cada um dos factores anunciados. Tal ultrapassaria o âmbito dum simples artigo. Não deixarei, todavia, de repetir que a Claridade não nasceu por acaso. A vigorosa cabo-verdianidade dos claridosos e o impacto causado pela, então, pujante literatura brasileira, nomeadamente pela literatura nordestina, fizeram despoletar essa maneira nova de escrever Cabo Verde. As perspectivas políticas viriam mais tarde a confrontar-se com a mensagem da Claridade, esta limitada ao campo estritamente literário. As mesmas perspectivas, com o rodar dos anos, viriam finalmente a descobrir no movimento claridoso, o seu «back ground» cultural, sem o qual nenhuma Pátria se constrói.
Da CLARIDADE caímos na CLARIVIDÊNCIA.
*Publicado a 18 de Outubro de 1993

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