6 de Setembro de 2019
O centenário do nascimento de Henrique Teixeira de Sousa (1919).
Neste contexto, achámos pertinente relembrá-lo através dos seus escritos,
no caso, mais um artigo. Desta feita sobre o Movimento Claridoso.
Por
H. Teixeira de Sousa*
Quando, em Outubro de 1931, desembarquei em
São Vicente para frequentar o Liceu, fiquei deslumbrado com a cidade do
Mindelo, tão diferente da pacata cidade de São Filipe. Os vapores, apitando e
fumegando na baía, o rumor dos guindastes e das vagonetas de carvão, o vai-vem
dos rebocadores e das lanchas, a azáfama dos trabalhadores enfarruscados com o
pó da hulha, marinheiros estrangeiros passeando nas ruas, acompanhados de
cicerones poliglotas, residentes ingleses e italianos emprestando um ar
cosmopolita à pequena urbe, o golfe, o ténis, o foot-ball, o cricket, os
estabelecimentos comerciais alguns bastantes prósperos, o Liceu, a elite
ilustrada, o jornal da terra, combativo, mordaz, polémico, todo esse ambiente
novo me fascinou, a mim, menino duma ilha agrícola, ilha enconchada nas suas
tradições seculares que viriam a ser mais tarde invocadas no meu romance ILHÉU
DE CONTENDA. O impacto com a mini-civilização mindelense impressionou a minha
ruralidade. A descoberta doutro ritmo de existência, que não o arrastar
inglório das enxadas e a resistência inútil do homem do sobrado, inflectiu o meu
destino para diversificados horizontes. Lembro-me de que, à noite, quando
recolhia ao meu catre de estudante, adormecia a pensar no amanhecer glorioso em
que me seria dado de novo participar do quotidiano mindelense.
Todavia, na casa onde me hospedei, escutava a
conversa das visitas sobre a crise do Porto Grande. Suspiravam pelos bons
velhos tempos, como na morna de Sérgio frusoni «um vez Sãocente era sabe». Ouvi-as, ainda, zurzindo no Governo pelo
abandono votado ao mais amplo e abrigado porto da África Ocidental. Não
conseguia entender as razões das queixas daquela gente face ao burburinho que
me rodeava. Só vim a capacitar-me de que campeava a miséria em São Vicente
quando, em 1934, largas centenas de populares, capitaneados por Nhô Ambrósio, desceram dos arredores da
cidade, empunhando bandeiras negras, que simbolizavam fome e desolação. Cortejo
que findou em assalto aos armazéns de víveres de determinados comerciantes e da
Alfândega do Mindelo.
Esta crise portuária já vinha de longe. Em
1891, João Augusto Martins, ilustre médico e escritor cabo-verdiano, chamou a
atenção de quem de direito para a decadência incipiente do porto de São Vicente
no seu célebre livro «Madeira, Cabo
Verde e Guiné». Dizia então o autor que a negligência do Governo face ao
equipamento e modernização da Baía do Mindelo punha em risco o futuro desta
magnífica escala marítima, dado que Las Palmas e Tenerife haviam já arrancado
com força e determinação para a conquista da navegação comercial do Atlântico.
Assim, quando, na década de trinta, começou a fazer-se a substituição do carvão
pelos combustíveis líquidos, agudizou-se a crise no Porto Grande, por este não
haver acompanhado as exigências a época. Os espanhóis fizeram-no nas Canárias.
Os franceses fizeram-no em Dakar. Os portugueses não o fizeram em São Vicente.
Daí o declínio do movimento portuário, com a consequente baixa de receitas de
semelhante origem. As companhias carvoeiras começaram a despedir trabalhadores,
tendo-se então instalado um clima de insegurança que São Vicente jamais
conhecera. Nesse clima é que foi gerado o levantamento de 1934, de que fui
testemunha ocular. Vi embarcar Nhô Ambrósio,
deportado para Angola. Acho que não será despropositado sugerir aqui e agora a
perpetuação da memória de Nhô Ambrósio
da forma como entenderem o povo e o Governo. Celebrizado já foi pelo poeta
Gabriel Mariano, que, através de um poema épico, cantou a gesta do Capitão
Ambrósio. Mas há qualquer coisa mais que falta. O povo dirá.
A decadência da ilha de São Vicente também
atingiu a classe relativamente abastada. Daí que existisse na cidade do Mindelo
uma Associação Comercial e Industrial bastante
forte, coesa e empenhada na luta pelos direitos e progressos da terra. Daí que
houvesse um jornal, cujo temário essencial era a problemática do ancoradouro de
São Vicente e o abandono que estava votado o arquipélago, em geral. Daí que
reinasse um sentimento depreciativo por quanto fosse português, versus um grande apreço pela eficiência inglesa,
mal-grado o isolamento da colónia britânica. Vestia-se à inglesa, bebia-se à
inglesa, fumava-se à inglesa, fava-se inglês (sobretudo quando se engolia dois whiskies ou gins), fazia-se desporto à inglesa. Era muito honroso ser-se
convidado para um cocktail no
Telégrafo ou Clube dos ingleses. Também, na ilha do Fogo, subir ao sobrado de
gente branca era uma distinção concedida a pouquíssimos mulatos. Esse fenómeno,
portanto, não me impressionou, na medida em que a ele estava habituado. Na
minha ilha, as chamadas famílias tradicionais eram igualmente impermeáveis ao
convívio com a chamada gentinha.
Esta, todavia, invertia os seus ressentimentos, ao ponto de ambicionar acesso
ao ambiente que a repelia. Vidé «Ilhéu
de Contenda».
A burguesia mindelense vivia revoltada com a
incúria e o desprezo da Mãe-Pátria (entre aspas).Dessa revolta, quanto a mim,
teria nascido a ideia de adjacência das ilhas de Cabo Verde, numa ambivalência
de sentimentos idêntica àquela acabada de citar, ideia que também foi motivo de
quilómetros de prosa no jornal «Notícias
de Cabo Verde». Por outro lado, intuiu-se o malefício do regime colonial,
em consequência do imobilismo desenvolvimentista do arquipélago. Vá, então, de
querer tratamento diferente por parte da Mãe-Pátria. Esse tratamento
conseguir-se-ia com o estatuto administrativo de adjacência, tal como existia
para os arquipélago dos Açores e da Madeira. A adjacência seria como que a
legitimação desse filho bastardo que era o arquipélago de Cabo Verde. Feita a
legitimação, também ficaria feita a descolonização, desaparecendo as
desigualdades entre os portugueses de cá e de lá. A reivindicação do estatuto de adjacência não significava
o desejo de libertação do regime colonial, única via de promoção que, então, se
enxergava. Havia, aliás, o exemplo muito próximo das ilhas Canárias, fazendo parte integrante da metrópole espanhola. Assim,
raciocinavam e sentiam os defensores de semelhante projecto politico-administrativo.
O sonho de adjacência povoou o cérebro e o
coração de algumas gerações. Só veio a morrer em 1962, numa célebre reunião das
forças vivas que teve lugar na sede da Associação
Comercial e Industrial do Mindelo para dar resposta a uma consulta do então
Ministério do Ultramar. Estava-se em plena guerra colonial. Convinha
sobremaneira que uma província ultramarina (terminologia da época), como Cabo
Verde, soltasse o seu grito de Ipiranga às avessas, aceitando o estatuto de adjacência para desencorajar o empenho
do PAIGC e restantes movimentos africanos de libertação. O Engenheiro Humberto
Fonseca foi o grande líder dessa histórica reunião. Ao ouvido me disse: –
Henrique, vamos evitar um sim a adjacência, caso contrário perdemos o comboio
da independência. Evidentemente que se recusou o estatuto das ilhas adjacentes então oferecido de
bandeja pelo Governo Central, o
mesmo Governo que sistematicamente no-lo recusara.
Regressando à década de trinta, década de
acentuação da crise do Porto Grande e de agudização dos conflitos
internacionais que estiveram na origem da Segunda
Guerra Mundial, direi que foi nessa conjuntura que surgiu o movimento
intelectual e literário da Claridade. Foi nesse cadinho de decadência
portuária, de miséria e contradições internas e internacionais que um punhado
de jovens talentosos concebeu e arrancou com uma revista de artes e letras, de
conteúdo totalmente novo. Fez-se luz na literatura cabo-verdiana, afastada até
o momento dos valores culturais próprios, salvo restritas excepções. Tanto na
poesia como na prosa, se passou a expressar a autenticidade das ilhas, coisa
que poetas e prosadores anteriores distorceram ou omitiram através de uma
retórica importada. Essa afirmação vigorosa de identidade cultural viria a
confrontar-se criticamente com o conceito de adjacência, na medida em que revelava uma realidade distanciada dos
valores culturais de Portugal continental. Viria, em certa medida, patentear a
existência dum pré-nacionalismo, com
todas as implicações que tal acarretava na altura. Daí que a revista não tenha
sido bem recebida pelas forças conservadoras. A nova forma de escrever Cabo Verde diferia da forma
tradicional, no domínio literário, evidentemente. A retórica balofa foi mondada
pelas enxadas dos claridosos, pondo o chão limpo de ervas nocivas. Passou a
exibir-se uma cultura mais consentânea com as nossas realidades.
Não é minimamente aceitável o julgamento da
Claridade feito na década de sessenta pela juventude progressista da época. Os
claridosos não se alienaram da problemática da injustiça social e das carências materiais. Primeiro, porque
surgiram em São Vicente na crítica década de trinta; segundo, porque cortaram
com figurinos impostos; terceiro, porque deram a conhecer verdadeiramente a humanidade das ilhas. Que mais se lhes
poderia exigir? Não vejo que aos «bravos
do Mindelo» (parafraseando a História de Portugal) se devesse exigir a consciência
política que só após o segundo conflito armado internacional começaria a tomar
forma em África. Consciência política, por um lado, impossível de alcançar no
regime que então vigorava, cerceados que eram os meios de informação política.
O reconhecimento de todo esse passado restritivo, encorajou os responsáveis
actuais pelas coisas de cultura a assinalar condignamente o quinquagésimo
aniversário do aparecimento da revista Claridade, fazendo cessar tudo quanto
determinadas musas cantaram contra os pioneiros da nossa moderna literatura.
Logo no primeiro número da revista se
privilegiou o dialecto crioulo de
Cabo Verde, tendo-se imprimido, na respectiva portada, versos dum batuque de Santiago. Esta homenagem à
nossa língua de leite teria soado a
irreverência nativista aos que combatiam o uso do crioulo. Mas o que mais
desagradou aos puristas lusófonos foi o português literário dos novelistas, e,
não tanto, o dos poetas. Esse português literário dos novelistas foi um dos
actos mais audaciosos dos homens da Claridade, numa época em que ainda se
estudava a gramática e a estilística portuguesas em profundidade e se
acreditava que a utilização do crioulo prejudicava a aprendizagem do idioma de
Camões.
Sem dúvida que esse alcunhado «pretoguês» dos claridosos veio
desbloquear significativamente a linguagem dos novelistas, especialmente nos
textos contendo diálogos. Aproveito, todavia, a oportunidade para advertir
contra os exageros. Todos temos de continuar a reflectir sobre esta prestimosa
herança dos fundadores da Claridade,
dado que semelhante linguagem ou estilo resultou dum propósito e não dum
processo espontâneo e natural. Rigorosamente podemos asseverar que não existe
esse português nas nossas ilhas. Quando muito, o português das pessoas de fraca
instrução poderá aproximar-se daquele, ou vice- versa. Eu apenas sugeri que se
evitassem os exageros, para não se
cair em artificialismos
desnecessários. Desnecessários porquê? Desnecessário porque o nosso português,
por mais bem falado ou escrito, é um português algo diferenciado do de
Portugal. Desde que falemos ou escrevamos despreocupadamente, somos
inconfundivelmente cabo-verdianos, embora usando a língua portuguesa.. A
História tornou-a adoptiva, conservando-lhe, todavia, o sabor de leite materno,
por mais correcto que ela seja falada ou escrita com todas as exigências do
saudoso C ónego Bouças do Seminário-Liceu de São Nicolau. Que no-lo digam os
nossos irmãos brasileiros. Que no-lo digam os nossos irmãos de toda a África
lusófona.
A revista Claridade surgiu cabo-verdianíssima por dentro e por fora, tanto na
temática como na expressão. «Quand même»,
a primeira vaga de claridosos viria a ser acusada, décadas depois, de evasionista, pasargadista e alienada dos problemas concretos do povo, em termos
das respectivas soluções.
A temática do mar, presente noutras
literaturas insulares, teve em Eugénio
Tavares o seu primeiro grande cultor, logo no dobrar do século. Os
pioneiros da moderna literatura cabo-verdiana herdaram essa temática não como
figurino literário, mas, sim, como algo fazendo parte da cabo-verdianidade. O mar e a emigração foram e são os factores do complexo cultural do nosso povo. Tais
realidades nunca poderiam estar ausentes na poesia e na prosa dos claridosos.
O chamado pasargadismo proveio pura e simplesmente dum desabado poético de Osvaldo Alcântara, num simbolismo de
inspiração manuel-bandeirense. Esse
desabafo teve, antes, a força duma denúncia do que o comodismo duma renúncia. O
resto que então se seguiu, foi mera especulação de cariz radical, própria da rebeldia juvenil. Pasárgada seria o reino da justiça,
da abastança, da felicidade inexistentes nas nossas
ilhas. Mais nada!
Os claridosos não fixaram os olhos apenas na linha do horizonte e no reino de Pasárgada. Falaram das secas, das
fomes, das mortandades cíclicas, do vento leste, das pragas, das doenças, da
sede de instrução e da dignificação do povo, dos caminhos insignificantes
ziguezagueando por montes e vales, dos pescadores sacrificados, da infância
abandonada, das grávidas de pernas inchadas pelas varizes, das rapariguinhas à
cata de lenha, do gado a caminho da fonte; falaram das nossas canções, dos
nossos contos populares, dos nossos instrumentos musicais, dos nossos folguedos
e danças, falaram, em suma, de quanto é genuinamente
cabo-verdiano. Por mór desse discurso,
foram considerados escritores da
desgraça, em nada contribuindo para o optimismo da juventude. Entenda-se
aqui o termo optimismo por alienação. Recordo-me, neste momento, de um programa radiofónico de autoria dum
grupo de estudantes do Liceu de São Vicente, cujos textos eram previamente
censurados pelo administrador do Concelho, que tinha o cuidado de cortar quanto
fosse pessimista e irreverente, segundo seu critério. O programa intitulava-se Juventude em Foco. Funcionou nos finais
da década de sessenta e princípios setenta. Os meus filhos mais velhos foram
colaboradores desse programa.
Quando, em 1938, cheguei a Lisboa para
frequentar a Universidade, não havia ainda arrancado o neo-realismo em Portugal
(Portugal continental). Imperava o umbilicalismo presencista, uma literatura
toda virada para os escaninhos freudianos
duma burguesia em crise, divorciada do homem da rua, do homem do campo, do
homem do mar, diferentemente do que ocorria em Cabo Verde desde 1936. O Dr. Baltasar
Lopes da Silva presenciou do meu desencanto. Só em 1941, pude penetrar na
tertúlia dos pioneiros do neo-realismo português e conhecer outras aberturas,
incluindo o universo político. Só nessa altura, cheguei verdadeiramente à Europa. O deslumbramento foi de tal
ordem que quase fiz perigar o cumprimento dos meus deveres escolares.
Desenrolava-se a Segunda Guerra Mundial. As solicitações políticas e
intelectuais eram tantas que me ia afogando num oceano de dispersão. Felizmente
me frenei a tempo.
Não vou enumerar as personalidades dessa
tertúlia, porque omitir alguém de muito prestígio na época. A esses amigos e
camaradas dei a conhecer a jovem literatura cabo-verdiana. Ficaram
impressionados com a imagem e o estilo dessa literatura. Nesse tempo, não se
punha o problema de emancipação política
das colónias portuguesas. Punha-se, sim, o problema genérico e universal da
justiça social, das liberdades cívicas e da dignificação do homem.
Acreditávamos que a vitória dos Aliados
viria a viabilizar todos aqueles ideais. Nessa perspectiva, estabelecíamos
analogias entre a humanidade de cá e de lá, e, uma vez feita a grande mudança
na Metrópole, semelhante mudança
reflectir-se-ia também nas colónias.
(Diga-se de passagem, uma perspectiva simplista e imatura). De sorte que uma
literatura como a da Claridade,
denunciadora das deploráveis realidades de Cabo Verde, nunca poderia deixar de
ser saudada com entusiasmo pelos neo-realistas de Lisboa. Estes tinham começado
a fazer o mesmo no quadrilátero europeu que habitavam.
A problemática colonial na década de 40, pelo
menos em Portugal, sobrepunha-se à problemática do proletariado em geral,
encontrando-se em horizonte muito esfumado a autodeterminação dos povos
colonizados. Achávamos certo que, por exemplo, um Langston Hughes, poeta negro, cantasse alto e bom som «I am America too», numa atitude
reivindicativa face à sociedade branca. Acharíamos também certo, nessa altura,
que um poeta cabo-verdiano bradasse «eu
também sou Portugal, ponham-me à mesa do banquete nacional, e não me mandem
comer para a cozinha». Ora, na década de 30, mesmo na de 40, os claridosos não podiam posicionar-se da
mesma forma que a geração de sessenta, em relação à problemática colonial.
Isto teria sido um prodígio de antecipação política, ainda mais sensacional do
que a precocidade neo-realista do movimento literário em causa.
Diga-se, todavia, em abono da verdade, que os
grandes responsáveis pela modernização da literatura cabo-verdiana não chegaram
a dar-se conta do salto histórico
por eles realizado. Não lhes passou pela cabeça que se estavam a antecipar à afirmação nacionalista da
geração de sessenta. Quando se interroga os poucos sobreviventes da arrancada
memorável, acerca do «primum movens»
de semelhante tomada de rumo, fica-se insatisfeito com a resposta e explicações
que dão. Na sede da Associação
Portuguesa de Autores, disse Manuel
Lopes, a propósito do cinquentenário da Claridade, que nada de extraordinário haviam feito. Que se
limitaram a agarrar a realidade
cabo-verdiana e pô-la no papel. Esta visão de um dos maiores escritores
daquela geração não deve, porém, ser encarada de forma simplista. Semelhante
visão confirma a teoria de confluência de factores na eclosão de determinados
movimentos, um dos quais literário. Em todos os grandes acontecimentos
históricos, políticos, filosóficos, religiosos, científicos, existe quase
sempre uma fase premonitória, na
génese da qual não se isola um único responsável, mas, sim, toda uma
colectividade ou uma èlite, todo um país
ou um grupo de países. No caso da Claridade,
revista que nasceu por falta de
cinquenta contos de reis para pagar a caução do jornal que então se
ambicionava, segundo explicou Baltasar Lopes, houve a confluência dos seguintes
factores:
– marcada diferenciação cultural do
cabo-verdiano;
– isolamento total das ilhas em relação a uma
Pátria distante e indiferente ao destino das respectivas populações;
– sobrevivência dependente da emigração;
– sentimento de solidariedade da camada
ilustrada para com as maiores vítimas desse abandono;
– constatação de diferenças de direitos
cívicos entre os naturais do arquipélago e os naturais da Metrópole;
– inexistência de uma literatura que falasse
das gentes e das coisas da terra;
– finalmente, a chibatada tónica proveniente
do Brasil, através da mensagem dos modernos escritores daquele país
verdadeiramente irmão.
Não vou analisar cada um dos factores
anunciados. Tal ultrapassaria o âmbito dum simples artigo. Não deixarei,
todavia, de repetir que a Claridade
não nasceu por acaso. A vigorosa cabo-verdianidade
dos claridosos e o impacto causado pela, então, pujante literatura brasileira,
nomeadamente pela literatura nordestina, fizeram despoletar essa maneira nova de escrever Cabo Verde. As perspectivas políticas
viriam mais tarde a confrontar-se com a mensagem da Claridade, esta limitada ao campo estritamente literário. As mesmas
perspectivas, com o rodar dos anos, viriam finalmente a descobrir no movimento
claridoso, o seu «back ground»
cultural, sem o qual nenhuma Pátria se constrói.
Da CLARIDADE
caímos na CLARIVIDÊNCIA.
*Publicado
a 18 de Outubro de 1993
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