terça-feira, 5 de maio de 2020

Com a devida vénia aos seus autores, aqui se transcreve mais um texto alusivo ao Dia Mundial da Língua Portuguesa - 5 de Maio.
Língua de cultura, da ciência e dos afectos, o português, nossa Língua comum.
Portugal (1175), Cabo Verde (1460), Guiné (1466), Angola (1483), Moçambique (1489), Brasil (1500) e Timor (1561). São datas simbólicas da fundação e da chegada da Língua portu-guesa aos países, em cujos territórios, habitam os falantes mais numerosos e os seus verdadeiros criadores, os inova-dores e os guardiães deste precioso e monumental patri-mónio comum.  


O valor global da língua portuguesa
Por Augusto Santos Silva, Graça Fonseca, Manuel Heitor e Tiago Brandão Rodrigues*
Se hoje é dia festivo, hoje aumenta também o dever de cuidar da projecção global do português. Não é um dever que nos seja exclusivo, antes e com gosto repartido
1. Cada língua tem um valor único: para os seus falantes e cultores, para a comunidade de que é traço de união e identidade, para a diversidade e o enriquecimento da humanidade. Mas as línguas podem ter também um valor próprio enquanto recursos de criação e comunicação internacional, que atravessam e aproximam pessoas, países e civilizações. Reteremos, aqui, esta dimensão da nossa língua, que o 5 de Maio passa a comemorar, a partir deste ano, como Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Ele foi proclamado pela UNESCO, na sequência da ideia proposta pelo embaixador António Sampaio da Nóvoa e logo acolhida pelos representantes dos países de língua portuguesa aí acreditados; assim se conferindo alcance global ao Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, criado em 2009. Fica, portanto, bem afirmada a tripla pertença da nossa língua: nossa porque a falamos; nossa porque a partilhamos com os demais países e regiões que a escolheram como língua oficial; e nossa porque é do mundo que também a nós pertence.
Se hoje é dia festivo, hoje aumenta também o dever de cuidar da projecção global do português. Não é um dever que nos seja exclusivo, antes e com gosto repartido. Mas aqui cuidaremos, naturalmente, da parte que cabe às políticas públicas portuguesas. Os dados de base são conhecidos: a língua de Pessoa e Guimarães Rosa encontra-se entre as mais faladas e as que mais crescem no mundo; usa-se em todos os continentes e é a mais frequente no hemisfério sul. É uma língua pluricêntrica, com diversas variedades de igual valor. Como tem sido projectada internacionalmente e como pode sê-lo ainda mais, através de medidas sistemáticas e persistentes?
A resposta parece-nos simples: através da educação; da cultura; do conhecimento e da ciência; e do seu papel como língua de comunicação.
2. Os factores educativos mais poderosos de difusão internacional da língua portuguesa são as escolas portuguesas no estrangeiro (em Díli, Luanda, Macau, Maputo, Praia e São Tomé), como verdadeiros centros de formação e cultura; os cursos de ensino português no estrangeiro de nível básico e secundário (em 17 países dos cinco continentes) e a presença da disciplina de português, como língua estrangeira, em escolas secundárias de mais 16 países; e os estudos superiores, oferecidos através de cátedras, leitorados, centros de língua e protocolos com universidades e outras instituições superiores, que, no seu conjunto, existem em 76 países. A abertura, no próximo ano lectivo, da primeira escola bilingue português-inglês no Reino Unido representará um novo marco.
A CPLP constitui, enfim, a verdadeira expressão da identidade pluricêntrica, da concertação multilateral e da projecção global do português
Para reforçar esta estrutura, são quatro as direcções estratégicas que seguimos. A primeira é a densificação da malha de ensino presencial (com a futura escola portuguesa em São Paulo, o projecto em curso de escolas bilingues fronteiriças entre países de fala portuguesa e espanhola, ou a abertura de novas cátedras e centros de língua). A segunda é a melhoria dos sistemas de acreditação dos cursos e certificação das competências, e o aumento dos recursos educativos disponíveis, incluindo as bibliotecas físicas e digitais e os planos de incentivo à leitura. A terceira é a consolidação da educação, e em particular da formação de professores, como um domínio-chave da cooperação bilateral com os países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste. E a quarta é o incremento da educação à distância e do ensino digital, que potenciam o alcance e a adequação, aos seus públicos, do ensino internacional em português.
3. Quando dizemos que a nossa é a língua de Vieira, ou Mia Couto, ou Luandino, dizemos duplamente bem: além de símbolos, os escritores são fazedores da língua. O que a língua é depende crucialmente do que os artistas fazem com ela.
Por isso, a acção cultural externa é um plano incontornável da projecção internacional do português. Desde logo, através da promoção da literatura e do livro. A presença em grandes feiras do livro, assim como nos encontros e festivais literários; o apoio às edições no estrangeiro; os prémios e outros incentivos à criação literária nos países de língua portuguesa: todas nos parecem ser medidas poderosas para a projecção global da língua, se desenvolvidas contínua e sistematicamente.
Coisa análoga se diga dos outros domínios artísticos e culturais, com realce para o audiovisual, em que há uma rica produção em português, para o teatro e as artes pluridisciplinares. E sem omitir o vastíssimo património literário e artístico em língua portuguesa, e os meios da sua salvaguarda, conservação e divulgação, nomeadamente arquivos, bibliotecas e museus.
4. Para ser plenamente viva, uma língua tem de ser também recurso de conhecimento e ciência. Isso quer dizer quatro coisas cumulativas. Primeiro, que é uma língua que se emprega na realização de pesquisas e na sua publicação, designadamente, mas não exclusivamente, nas áreas de humanidades e ciências sociais. Segundo, que é a língua de uso em instrumentos fundamentais na organização e difusão do conhecimento, como arquivos, repositórios e bases de dados. Terceiro, que é uma língua estudada cientificamente, pela linguística, e usada maciçamente nos sistemas digitais de tradução simultânea em linha. E, quarto, que ela informa a cooperação entre os diversos sistemas científicos e tecnológicos, porque nela se faz a formação avançada, porque através dela colaboram universidades e centros dos países que a partilham, porque é motivo para que se aprofunde o conhecimento e a inovação que têm por objectivo o desenvolvimento de tais países.
O Centro UNESCO “Ciência LP” para a formação avançada e outras instâncias de cooperação no mundo lusófono estão aí para mostrar o caminho. O qual é aproveitar o enorme potencial que o ensino superior e a ciência representam para os países de língua portuguesa. Quanto maior a colaboração recíproca, maior a capacidade de aproveitar esse potencial.
5. Já hoje, mercê sobretudo da influência do Brasil, o português é uma das línguas mais utilizadas na Internet. Cresce o uso na economia, nas viagens, na informação. É língua oficial ou de trabalho em múltiplas instâncias e organizações internacionais de África, Europa e América Latina, assim como em algumas instâncias das Nações Unidas — e é legítimo o objectivo de a estender, a prazo, a todo o seu universo. A CPLP constitui, enfim, a verdadeira expressão da identidade pluricêntrica, da concertação multilateral e da projecção global do português, como língua de europeus, americanos, africanos e asiáticos.
Esta projecção mede-se em todos os aspectos comunicacionais: na política, na diplomacia, na cooperação, na economia, na imprensa, no contacto entre pessoas e povos. Articulando-se com a educação, a cultura e o conhecimento, ela permite agir eficazmente em prol da afirmação internacional do português.
Eis uma tarefa de todos, e das políticas públicas em particular. Que o Dia Mundial da Língua Portuguesa sirva também para lembrá-lo!

*Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros; Graça Fonseca, ministra da Cultura; Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação

0 comentários:

Enviar um comentário