Camões e a lírica do Amor

quarta-feira, 9 de junho de 2010
Estou convicta de que não é tarefa fácil falar de Camões e da sua lírica amorosa, pois que, se há campo poético em que ele mais se agigantou, e que quase faz unanimidade entre os seus críticos e estudiosos de maior peso, foi exactamente no campo do amor. Com efeito, foi através da temática do Amor que Camões melhor exercitou a sua pena.
E convém explicitar, acrescentando desde logo que, sobre essa temática – a do amor – tudo ou, quase tudo outros maiores já se pronunciaram sobre Camões “escalpelizando-lhe” os versos. Que me seja permitida esta imagem que pretendeu significar as análises literárias, sociológicas e históricas, algumas de indiscutível valor já feitas ao longo de séculos sobre a poesia de Camões, na parte em que versa o Amor.
Logo, abordar a sua imensa poesia amorosa feita em mil poemas de que se destacam os versos sob forma de sonetos, de redondilhas, de esparsas, de cantigas, de canção, de epigramas, de elegias, de odes, éclogas…eu sei lá! Abordá-la, dizia eu, constitui sempre uma enorme temeridade de que em consciência e perante vós, gostaria de dizer que dos seus versos me aproximo sempre em reverente e maravilhada postura pois que são verdadeiras filigranas, daquele que é considerado um dos gigantes de todos os tempos da poesia feita em língua portuguesa, Luís de Camões.
Mas vamos por partes, e comecemos por uma breve cronologia da vida de Luís Vaz de Camões.
Nasceu em Lisboa, em 1524 ou 1525 (o ano e o local do seu nascimento dividem os seus biógrafos) de qualquer forma a cidade de Lisboa é-lhe dada com maior frequência como terra natal. Cedo fica órfão de pai morto em combate. Criado pela mãe, descendente de família fidalga, embora arruinada, assim o afirmam muitos dos registos biográficos do poeta, e mais, dizem que Camões estudou humanidades, letras clássicas graças a um tio materno que era Chanceler da Universidade de Coimbra e que teria descoberto a superior inteligência e muita curiosidade por saciar do sobrinho, ainda criança. Da sua vida jovem, passada na cidade de Lisboa, para além de compor poemas e até os compor a pedido de outros, ele fez poesia por encomenda para assim angariar alguma subsistência; destaca-se a sua faceta de soldado, aventureiro; de vida boémia e um pouco marginal das noites dos bares de bairros de rixas frequentes; de jovem de brigas, e de duelos por amor, por ciúmes e por rivalidades várias e de ter conhecido a prisão, algumas vezes por causa disso. Conhece por um lado, alguma fama de bom poeta ainda muito jovem e em Lisboa, mas por outro lado, não chega a ser convidado para poeta do rei, dado a “má fama” em termos de comportamento social rebelde de que gozava entre os fidalgos da Corte portuguesa.
A primeira expedição militar e guerreira foi feita em Ceuta, Marrocos, onde perde um olho.
Mais tarde, e como parte de uma pena que lhe fora comutada, embarca para a Índia, como soldado, numa das naus que na época quinhentista partiam com regularidade de Lisboa para o Oriente.
Ora, é no Oriente – onde permaneceu largos anos fundamentalmente na Índia (Goa e Malabar) e na China, em Macau, onde exerceu alguns cargos e onde numa gruta, a célebre gruta de Camões em Macau, hoje, ponto de visita obrigatória da cidade, ele escreveu grande parte da sua obra.
Com efeito, foi no Oriente que ele redigiu o livro, considerado o maior entre as suas obras, “Os Lusíadas” cujos versos são considerados de inimitável valor épico até então, realizados na Literatura portuguesa. Os Lusíadas constituem-se como um louvor aos Descobrimentos e aos feitos levados a cabo, pelos portugueses, com destaque para os feitos acontecidos nos séculos XV e XVI. Organizado em 10 cantos, o livro descreve em verso a viagem de Vasco da Gama, na descoberta do caminho marítimo para a Índia. Desde a partida de Lisboa, das aventuras, naufrágios, lutas, doenças e mortes até à chegada ao porto de destino (Calecut) em 1498. Os Lusíadas revelam de forma soberba o saber renascentista de que Camões é um expoente acabado pois o poeta inscreve neles o seu imenso saber sobre a História portuguesa e a universal, sobre a ciência náutica, sobre a mitologia clássica greco / latina, sobre os fenómenos naturais, marítimos, astronómicos, climáticos, entre outros. Claro que na obra existe também a imitação de um grande mestre clássico, no caso de Virgílio (séc. I A. C.) poeta latino, e da sua obra a “Eneida”. Imitação no sentido clássico. Camões terá tomado de Virgílio os moldes e o formato para sua obra épica. Aliás, essa imitação era tida como positiva, pedagógica e formativa do poeta renascentista.
Ora Camões escreveu muito, de tal maneira o fez, que disso tem perfeita consciência quando num dos seus conhecidos versos disse: “numa mão trago a espada, (aludindo à vida de soldado e da defesa pessoal) noutra mão trago sempre a pena” significando a produção dos seus poemas. É também no Oriente que ele experimenta a dureza da vida, passando por miséria, perseguições, naufrágios, aflições e tormentos, de vária ordem. De tudo isto, Camões dará conta nos seus versos os quais ele próprio classifica como sendo escritos: “cum saber só de experiência feito”( do Canto IV dos Lusíadas), A fala do Velho do Restelo, funciona aliás, um pouco como o alter-ego do poeta no relato das desgraças e dos infortúnios que esperam os que partem na aventura do além-mar. Aventuras e experiências dramáticas foram a própria vida de Luís de Camões no Oriente.
Regressa a Lisboa, acompanhado de um escravo javanês, o jovem Jau. Em Lisboa apresenta Os Lusíadas, lendo-os ao rei D. Sebastião que como reconhecimento lhe promete uma pensão pecuniária que o sustentaria mas que infelizmente dela pouco usufruiu, uma vez que o rei partiu logo de seguida para a célebre batalha de Alcácer-Quibir, no norte de Africa, onde perdeu a vida.
Camões vive os seus últimos anos com muita penúria e não menos dificuldades em angariar o seu sustento. Conta-se que ele sobrevivia, graças à dedicação do seu escravo Jau, que pedia esmolas para o grande poeta, nas ruas e às portas das casas de Lisboa.
Entremos agora na parte que constitui o tema que aqui trago que é Camões o lírico do Amor.
Convido-vos para juntos seguirmos alguns momentos bem significativos, ainda que a infinitésima parte, da grande viagem amorosa de Camões expressa através de alguns sonetos. Diz ele que a desdita nessa matéria cedo começou e não mais o deixou, aliás o poeta diz-nos que três desígnios lhe configuraram a vida, a saber: “Erros, Má Fortuna e Amor Ardente” quando ele afinal, apenas queria o Amor.
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças
!

Para falar sobre o amor, com conhecimento de causa, o poeta revela o entendimento que disso tem; entendimento esse, feito de longa e continuada experiência; logo, conhece o sentimento profundamente. Conhece-o tão completamente que é capaz de o descrever e de o definir nos contrastes, nos paradoxos e nas antíteses mais subtis que o mesmo sentimento pode provocar no ser humano:
«Amor é um fogo que arde sem se ver;/É ferida que dói, e não se sente;/É um contentamento descontente;/É dor que desatina sem doer.//É um não querer mais que bem querer;/É um andar solitário entre a gente;/É nunca contentar-se e contente;/É um cuidar que ganha em se perder;//É querer estar preso por vontade;/É servir a quem vence, o vencedor;/É ter com quem nos mata, lealdade.//Mas como causar pode seu favor/Nos corações humanos amizade,/Se tão contrário a si é o mesmo Amor?»

Mas mesmo assim, ele tem uma proposta que faz à vida. Aliás, para sermos mais correctos trata-se mais do que simples proposta, é uma promessa, um juramento: o de cantar o Amor, não só para ele, mas como algo que o transcenderá pois que é pertença de todos. Fá-lo, dando o seu exemplo, através do seu caso particular de amor não correspondido e cantando a beleza da amada.
Camões fez também do Amor um templo de perfeição, um ponto de chegada à Beleza espiritual, muito na linha renascentista e no caso dele também «bebido» no cancioneiro medieval:
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que Amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia, e pena, ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho, e arte
.

Mas o Amor não foi brando, nem generoso com o poeta. Entregou-o à má sorte, ao destino. Fê-lo sofrer e passar por mil tormentos, chegando ao ponto de, já não havendo mais como torturá-lo, permitir que a Fortuna inventasse outros tantos sofrimentos expressamente para ele:
Depois que quis Amor que eu só passasse
Quanto mal já por muitos repartiu,
Entregou-me à Fortuna, porque viu
Que não tinha mais mal que em mim mostrasse.

Ela, porque do Amor se avantajasse
Na pena a que ele só me reduziu,
O que para ninguém se consentiu,
Para mim consentiu que se inventasse.

Eis-me aqui vou com vário som gritando,
Copioso exemplário para a gente
Que destes dois tiranos é sujeita;

Desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
Que deste tão pequeno está contente
!

Vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
Parece-me que estava assi ordenado.

Contentei-me com pouco, conhecendo
Que era o contentamento vergonhoso,
Só por ver que coisa era viver ledo.

Mas minha Estrela, que eu já agora entendo,
A Morte cega, e o Caso duvidoso
Me fizeram de gostos haver medo


Apesar disto, ele não se afaste do Amor e nem desiste de amar, apesar de tudo louva-o embora reconheça a sua inconstância em questões de fidelidade e de juras de amor…Em várias flamas variamente ardia” (de muitas paixões simultâneas e diferentes se constituiu a vida do poeta/ amante)
No tempo que de amor viver soía,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.

Que ardesse n’um só fogo não queria
O Céu porque tivesse experimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.

E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co’o peso descansou
Por tornar a cansar com mais alento.

Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou

Este meu tão cansado sofrimento!

E volta o poeta numa espécie de cantiga de Amor a revelar a tormenta por que passa por causa do Amor que não cessa de o maltratar ao provocar-lhe diferentes e desencontrados estados de alma e levando-o quase ao desvario insano aparentemente sem causa mas de tal estado ele tem uma suspeita: “…suspeito que só porque vos vi, minha senhora.”

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;
Num’ hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um’ hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito

Que só porque vos vi, minha Senhora.

Nessa linha, tal é o “desvario” provocado pelo seu estado de enamorado que o poeta fica com uma espécie de “ressaca” de amor na alma que nem ele próprio a entende. Eis os versos que no-lo dizem:
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde;
Vem não sei como; e dói não sei porquê
.

O Amor é por vezes em Camões comparado ao mar bravio de ondas indomáveis e de iminente naufrágio a que não escapará o mais valente marinheiro, mas uma tormenta da qual ele sobreviverá, jurando embora que de novo, o oceano não o apanhará e que irá para o sossego em terra. Fatalmente para o mar voltará ainda que dele tendo medo:

Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De um naufrágio cruel saindo a nado,
Só de ouvir falar nele está medroso;

Firme jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire sossegado;
Mas esquecido já do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso;

Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me;

Com a alma que de vós nunca se ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me.


A força do Amor é de tal monta que já não se contenta com dois sujeitos em que um ama e o outro é amado. Não, para ser Amor na plenitude deve o “amador transformar-se na coisa amada” Um só ser aninhando os dois amantes. Desta forma talvez cessem o desejo e as outras inerências de natureza carnal/material do amor, com a transmutação dessa parte da amada – intuída na obsessão dele que a ama – para o espírito do amador.
De novo a herança do cancioneiro e das cantigas de amor do antigo trovador. Igualmente, esta composição poética possui na sua configuração e dentro da temática camoniana do amor, o intertexto clássico de uma certa postura do amador perante a endeusada amada.

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que como o acidente em seu sujeito,
Assim co’a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma
.

Este sentimento (o Amor) que o poeta, como poucos, soube retratar, é por vezes uma longa provação. Assemelha-se a uma quase expiação a que o amador tem de se sujeitar para merecer e ter finalmente a recompensa almejada. Mas mesmo sofrido o “calvário” por amor, é-lhe negada a recompensa que o seu sentimento pretendia e a expiação volta ao início por vontade de quem ama. Assim se expressa o poeta no soneto que a seguir se apresenta e que vai buscar no texto bíblico o mote que o emoldura:

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prémio pretendia.

Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: − Mais servira, senão fora

Para tão longo amor tão curta a vida

A vida amorosa de Camões encontra-se abundantemente documentada pelos seus inúmeros biógrafos e pressentida grande parte dela, através dos poemas que o poeta legou. Amou muitas mulheres/musas dos seus versos. Assim foi o caso da Bárbara, segundo alguns biógrafos, a companheira dele no Oriente e que terá perecido no naufrágio em que Camões se salvou e salvou também os manuscritos dos Lusíadas.
«Endechas a Bárbara escrava/Aquela cativa,/que me tem cativo,/porque nela vivo/já não quer que viva.//Eu nunca vi rosa/que em suaves molhos,/que para meus olhos/fosse mais fermosa.// Nem no campo flores,/nem no céu estrelas,/me parecem belas/como os meus amores.//Rosto singular,/olhos sossegados,/pretos e cansados,/mas não de matar.// üa graça viva/que neles lhe mora,/para ser senhora/de quem é cativa.//Pretos os cabelos,/onde o povo vão/perde opiniãoque os louros são belos.// Pretidão de Amor,/tão doce a figura,/que a neve lhe jura/que trocara a cor.//Leda mansidão/que o siso acompanha:/bem parece estranha,/mas bárbara não.// Presença serena/que a tormenta amansa:/nela enfim descansa/toda a minha pena./Esta é a cativa/que me tem cativo,/e, pois nela vivo,"é força que viva.»
Conta-se que quando ela morreu teria o poeta em sua memória composto o célebre soneto que é dos versos de Camões dos mais conhecidos:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te
,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou
.

O que restou afinal para o Poeta do grande Amor perdido? Diz-nos que são memórias que o têm perseguido «do doce bem passado e mal presente»:

Se quando vos perdi, minha esperança,
A memória perdera juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.

Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.

De cousas de que apenas um sinal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memórias perseguido
.

Ah dura estrela minha! Ah grão tormento
Que mal pode ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que é já passado?

A demanda do Amor torna-se cada vez mais penosa para o Poeta. Ele visitou o templo do Amor, dizem-no os seus versos: «Amor co’a esperança já perdida teu soberano templo visitei (…)»
Mas agora não resta muito tempo, a idade avança e a experiência desengana.

Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança
.

Finalmente Camões resume o que foi a vida dele num verso lapidar e exemplar e que nos interpela:
«Este meu breve e vão discurso humano
Camões morreu a 10 de Junho de 1580 aos 56 anos de idade, pobre e doente. Um dos seus últimos poemas dizem-no amaldiçoando a sua vinda ao mundo e nele deixa gravado também, como se percebeu a si próprio:

O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.

A luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar;
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu
.

Para finalizar direi que tal como ele antes dissera em versos acerca daqueles que ficam para além da morte através das suas criações e legados, também ele próprio (grande e acabado poeta) se integra totalmente nesses seus versos: “e aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando” … Portanto, Camões permanece entre aqueles cujas obras ficam na memória dos Homens.

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