Costume típico?

terça-feira, 22 de junho de 2010
Existe na ilha do Fogo, um costume bem antigo, quiçá interessante, e que ao que parece se vem mantendo inalterável ao longo do tempo.
Trata-se do seguinte: quando se encontram dois foguenses, em que pelo menos um deles se apresenta pela primeira vez, da parte do outro, sai inevitavelmente, a “sacrossanta” pergunta: «quem qui tenbo?» (crioulo, variante do Fogo) isto é, e traduzindo: «quem é a tua família?» «a que família foguense pertences?» A expressão pode variar na formulação, dependendo do contexto e do interlocutor; pode ser feita também em português, mas a significação e o objectivo são os mesmos.
Trata-se de um questão inevitável e incontornável em qualquer situação de apresentação. Esta curiosidade típica e genuinamente foguense (parece-me ser, não tenho a certeza se usual nas outras ilhas) parte regra geral, da pessoa mais velha na situação e no contexto acima descritos, quando frente a um co-ilhéu mais novo ou desconhecido.
Eu acho-lhe de um encanto especial, pois já aconteceu algumas vezes comigo, só que da minha parte sai primeiro uma gargalhada de cada vez que isso sucede – que reconheço, por vezes indelicada, porque eventualmente mal-entendida pela outra parte, mas irreprimível, não sei se por estar à espera desta formulação introdutória, acrescido do facto de achar nisso alguma comicidade, ou se, por (re) descobrir sempre que estou entre os meus – para logo de seguida justificar-me e situar-me no clã foguense donde vem a minha pertença familiar.
Aqui há tempos falando com uma familiar da mesma ilha, admirava-se ela de como este costume é de tal maneira arreigado e contagioso que até forasteiros, mais propriamente estrangeiros que vivam na ilha, com o tempo, acabam por agir da mesma forma em relação a um foguense que lhes é apresentado pela primeira vez.
Que razões explicam esta forma de apresentação que aqui chamei de uso tipicamente foguense (?)
Algumas afiguram-se-me à mente, embora assentes em bases que não me parecem muito certas para de facto, se constituir fundamento plausível para a situação.
Ora bem, uma delas – para além da curiosidade natural e normal, diria, de meio pequeno onde todos se conhecem ou julgam dever conhecer – poderá conter algum ressaibo de tipo “elitista,” ou seja, o de querer saber se o interlocutor apresentado possui alguma valia genética/social a qual, lhe será advinda se disser que: «é filho de… neto de…ou sobrinho de…ou irmão de…» A referência familiar deverá ser – assim espera quem dirigiu a pergunta – do membro mais ilustre e/ou mais conhecido de toda a família a quem ele ou ela pertença. Ora se tal corresponder às expectativas, o que perguntou já se mostrará, regra geral, afável e sociável, pois que não deu por mal empregados nem a questão colocada, nem o tempo que disponibilizará na conversa a haver, dado que encontrou «boa gente» “nos costados” do recém apresentado…
Acontecia isso também e sobretudo, quando se tratava de noivados e de casamentos. As duas famílias que pretendiam juntar-se – só se não pudessem – iam ao ponto de procurar “exaurir” toda a genealogia de ambos os lados, dos futuros cônjuges e se de um deles, nada que valesse a pena em termos de mais valia social/genealógica fosse encontrada, a família decepcionada, manifestava por vezes, o “desgosto” com o seguinte desabafo em que se dava por resignada:
- Paciência! Sina triste! Tem que ser! O que se há-de de fazer?...” (traduzido do crioulo, variante do Fogo. Atenção: a ser lida em crioulo deve sê-la com a entoação e o sotaque locais) (risos)
Mas não vá sem ser dito que algumas vezes esta curiosidade castiça da minha ilha, uma vez satisfeita e com agrado da parte questionadora, pode-se ganhar uma nova amizade, exuberantemente exibida e demonstrada de tal maneira, que para quem não esteja habituado, ou não seja conhecedor do costume, poderá parecer despropositada, ainda por cima vinda da minha gente que da “fama” – adivinhe-se a que “fama” me refiro… – não se livra…mas é mesmo só fama (?) Estou a brincar, claro!
Finalizo este pequeno texto rematando, como quem termina um conto oral: «quem souber mais que conte melhor! …»

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