Possivelmente já leu alguma narrativa em que o narrador é um animal. Não me refiro a uma fábula, refiro-me a um romance.
Ora bem, «Flush» romance de Virgínia Woolf, a célebre escritora inglesa (1882-1941) é um deles. O Narrador é um cão doméstico, criado em fofas almofadas, ao pé da dona, uma “lady” típica da Inglaterra vitoriana. Disse: “típica,” corrijo-me. A co-protagonista da história contada por «Flush», (nome do cão) aristocrata embora, da Inglaterra vitoriana, «Miss Barret», até foge um bocado à essa clássica e severa definição, ou não fosse ela criação de Virgínia Woolf a irreverente e vanguardista ficcionista para o seu tempo, em termos de criação de personagens, sobretudo, as femininas.
Um dos interesses desta obra de Woolf reside na “visão” do narrador. Trata-se de um “campo visual” de se passa de baixo para cima. Pois que ao leitor é dado conhecer a forma, as características comportamentais, os cheiros, os pés dos humanos vistos e analisados nessa perspectiva, quase invertida, (de baixo para cima) pelo animal, narrador, que nos vai contando e desenhando a trama. É fabulosa a perspectiva visual gerada e que se consegue manter até ao fim da história, a par da lógica sequencial do enredo.
Pois bem, uma das grandes preocupações, quase obsessão, de «Flush» era comparar e comparar-se com os outros cães ditos de raça, numa hierarquia em que ele próprio se considerava o melhor em termos de estirpe e de pêlos e já agora também de inteligência…
Afinal, todo este intróito serve-me de pretexto, para falar um pouco, sobre o tal elogio em boca própria, o qual, de tenra idade nos ensinaram que se comparava a vitupério.
Com efeito, está presente neste provérbio a velha e previdente sabedoria popular, um meio consensual de transmissão de cultura: «Elogio em boca própria é vitupério» A gravidade de tal acto é tanta que até se compara a um acto infamante, insultuoso, vergonhoso e ofensivo. Assim vem definido o significado de “vitupério” nos nossos dicionários.
No fundo, a transmissão de uma moral e de valores, codificados e sintetizados em ditado popular, provérbios, adágios e anexins.
Até concedo, que possa ser geracional. Que me contradigam dizendo que isso terá sido regra da educação já mais antiga, cristã, entre outras tentativas de ápodos, no fundo, à chamada boa educação.
Sim, porque o auto-elogio é das coisas mais caricatas e bem reveladores de um deslumbramento de muito mau gosto!
Dito isto, esclareço: aqui há tempos assisti a um acto público em que um dos oradores, alta figura pública, no meio do improviso oratório, desata em auto-elogios, de que ele e apenas ele, mais sabia sobre a matéria. De que ele e apenas ele dava os melhores pareceres e aconselhamentos ao superior hierárquico…enfim um desfiar de auto-feitos e auto-brilharetes de arrepiar o mais paciente ouvinte. Na minha opinião, tratou-se também de alguma falta de respeito ao próximo.
Para finalizar direi que não virá mal algum ao mundo, se se tiver sempre ligado o tal «desconfiómetro» individual, sobretudo quando se tem audiência.
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