Aqui há dias, num Domingo qualquer, procurava eu um salão de cabeleireiro pois, sentia-me necessitada de melhor arranjo exterior…
Bem sei que o Domingo é dia santo e de descanso para nós cristãos. Mas guardava uma secreta esperança de que haveria de encontrar um aberto e perto de casa, em Oeiras. Eis que vejo um. Entrei e a dona, cabeleireira de profissão, uma patrícia. Mais precisamente oriunda da região do Tarrafal, Santiago. Aliás, como a maior parte dos imigrantes cabo-verdianos que aqui vivem e trabalham em Oeiras.
Conversa vai, conversa vem, estabeleceu-se uma boa empatia entre as duas e a Lú, assim se me apresentou, contou-me como cá chegou…
Corria o ano de 1974, mais precisamente o mês Julho durante a conturbada fase de transição para a independência das ilhas de Cabo Verde com os mandantes do PAIGC e os militares a fazerem prisões a homens que eventualmente, estivessem contra a unidade Guiné, Cabo Verde, não obstante muitos se tivessem declarado ser pela independência. Aliás, do mesmo modo que também prendiam os considerados latifundiários, não alinhados com eles, retirando-lhes as terras. Foi um período histórico bem confuso e de muitos desmandos.
Ora bem, o pai da nossa cabeleireira - esta na altura com treze anos - era empregado/trabalhador, nas então propriedades do conhecido Eng. Almeida Henriques, em Santa Cruz. O grande leito da Ribeira Seca, terrenos junto a foz, de frondosas e belas bananeiras que se vêm extinguindo, com escassos vestígios nos dias de hoje.
E continuou a minha narradora:
Uma manhã de Julho do referido ano, saiu o progenitor para ir trabalhar como era a sua rotina diária. Quando o filho mais velho, ao meio-dia, lhe foi levar o almoço a mando da mãe, soube que o pai havia sido preso nessa manhã. Preso porquê? Era a angustiante interrogação posta pela família. Por trabalhar para o patrão. Apenas isso. Fora a justificação dada.
Segundo a minha relatora, foram tempos de grande sofrimento, de enormes privações em casa e em que ela via a mãe a chorar diariamente, os oito irmãos menores, ela incluída, sem o amparo e sem o sustento do pai.
Enfim, um quadro trágico que a marcou, segundo ela, para o resto da vida…
Os dias foram-se arrastando, até que numa certa noite dos finais do mês de Maio do ano seguinte, uma pessoa amiga do pai lhes bateu à porta para comunicar que iriam juntar-se ao progenitor em Portugal e que se preparassem, pois ele havia-lhes comprado a passagem e que deveriam partir na madrugada seguinte para o Sal e aí apanhar o avião para Lisboa. Tudo muito à pressa. Com muita barafunda. Recorda-se ela de que nessa noite já não dormiram. A casa encheu-se de vizinhos e de familiares em alto choro como se a partida e a “morte” os tivessem visitado ao mesmo tempo…
Anos transcorreram. A família fixou-se em Oeiras. A minha cabeleireira só voltou à terra natal, trinta anos depois.
Finalizou as suas mágoas passadas com duas notas tristes que guardadas lhe ficaram: a primeira, o facto de o pai pouco tempo depois de ter sido libertado, já em Portugal para onde os prisioneiros do já considerado, Tarrafal II, haviam sido entretanto transferidos, ter adoecido e falecido alguns meses depois da reunião da família; a segunda, a angústia que lhe ficou pois queria agradecer, pessoalmente, o benfeitor que os tirou de lá para os juntar ao pai. Só que quando ela retornou a Santiago e por ele procurou, teve o triste conhecimento de que o seu bom “samaritano” já não pertencia a este mundo.
Retalhos de vida? Sim. Mas não deixam de ser também pequenas páginas da nossa História mais recente.
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