THE RULE OF THE LAW – O PRIMADO DA LEI

sábado, 3 de março de 2012
Não sou assíduo de nenhum jornal digital. Isto faz com que me escapem várias notícias importantes devido a provisoriedade das suas exposições. Presumo que alguns textos não resistem mais de 24 horas. E, sinceramente, são tantos os jornais digitais (incluo blogs) que não tenho tempo para os visitar diariamente todos e muito menos suficiente curiosidade intelectual para me recorrer de forma sistemática aos arquivos, o que só faço quando alguém mo recomenda.

Mas tive a oportunidade de ler um texto que me causou algum desconforto não, certamente, pelo discurso escorreito e bem articulado (também já causa estranheza!) mas pelo seu conteúdo impactante e algo vergonhoso para os visados pela frontalidade vernácula com que é apresentado. Julgo que a questão não é nova – uma casa (vivenda) não se constrói em dois dias.

Por motivos que acima aludi e pelo meu distanciamento voluntário (não afastamento) da coisa política ainda não tinha tido conhecimento do facto. Trata-se da mensagem do editorial do “Liberal “ de 23 de Fevereiro último, sobre um assunto, ao que parece, recorrente para esse jornal.

Antes de expor as razões do meu assombro vou partilhar com os eventuais leitores deste meu texto que ainda o não tenham lido (o editorial), apenas um parágrafo cujo conteúdo me causou uma profunda indignação pela passividade desta sociedade, sobretudo a política, pela inépcia dos principais actores políticos designadamente da oposição e pelo cínico e deleitoso sorriso que vislumbro nos infractores pela virtual ausência de instrumentos legais (não éticos nem políticos) para o seu combate a que se acrescem a negligência e o parcialismo das (in)competentes autoridades judiciais.

Vou citar: “Como já tivemos ocasião de referir [“Democracia contra salteadores”], parece que na 26ª democracia do mundo se convive bem com a trapaça, a corrupção e mesmo a mais descarada roubalheira. Aludimos, então, ao caso do próprio Primeiro-ministro que, descaradamente, ocupou terreno do Estado, aceitou como prenda uma casa e utilizou fundos do tesouro para acorrer às dificuldades financeiras de uma “amiga especial”, entre outros expedientes nunca justificados e publicamente conhecidos. E isto ao mesmo tempo que JMN tem sempre a boca cheia de supostos princípios éticos e auto-elogios de seriedade.” (Fim de citação. O negrito é meu).

Como se não bastasse o conteúdo transcrito, o articulista refere-se também, na esteira deste estado de coisas, a outros protagonistas deste governo de que me escuso de abordar. Para o meu desgosto, chega-me e sobra-me o Primeiro-ministro. Se ele o pode fazer porque não há-de um director-geral ou ministro fazer o mesmo? Receber como prenda apartamentos, carros ou mesmo milhões em dinheiro.

Parece que tudo é legal neste permissivo país no meio do mar semeado.

Confesso ter tido, e ainda a tenho, dificuldade em acreditar que o PM do meu País tenha recebido de PRENDA (!!!) uma casa, ainda por cima construída em terreno do Estado. Pela maneira como o assunto é posto, enrolado em “corrupção”, “trapaça”, “descarada roubalheira” entre outros enfeites, não posso imaginar que tenha sido de um parente muitíssimo próximo que lha ofereceu por um dos seus aniversários mas provavelmente de um “amigo” como sinal de agradecimento por um relevante serviço que lhe tenha prestado ou de que espera ele venha a prestar. Ele há-de haver uma razão, real ou conjecturada, bastante plausível. Há prebendas que só os nossos pais (para eles a justiça impõe regras) ou irmãos ricos estão autorizados a dar-nos.

Não deixo de me inclinar perante a inteligência, a “sagesse” e a generosidade do “benemérito” nem de me acabrunhar com a ingénua ingenuidade do meu PM em pensar que também nós – a sociedade civil – achamos que se trata de um acto inocente, de uma desinteressada “prenda”.

Mas se a prenda pode ser “legal”, o que eu, sinceramente, duvido, já a ocupação, por um PM, de um terreno do Estado, pertencente a uma instituição, para a construção de casa própria configura uma flagrante ilegalidade, um abuso de poder.

É o que dá a impunidade? Pessoas julgarem que estão acima da lei em países que se dizem democráticos e se consideram estados de direito?

Quem é que já se esqueceu do célebre episódio de “dinheiro sujo”? O que é que lhe aconteceu? NADA.

E eu a lembrar-me que em pleno século XVII, um rei, Carlos I de Inglaterra, foi executado a mando do Parlamento por abuso de poder, por ignorar o primado da lei que impõe que ninguém, em circunstância alguma, esteja acima dela – The rule of de law. Isto sem referir, mais proximamente, à resignação compulsiva do Presidente Nixon pelas mesmas motivações.

De repente remeti-me aos alvores da 2ª república em que tivemos a visita de um ilustre político estado-unidense. Era secretária de estado uma pessoa que me é muito cara e que fora incumbida de “acompanhar” esse político.

Quando andava à procura de uma prenda condigna, em conformidade com o estatuto do convidado, foi avisada pela Embaixada dos EUA que o valor da prenda não podia ultrapassar os 50 dólares (!!!). Imagine-se, cinquenta dólares! Ao aludido político estava-lhe vedado, como tal, aceitar prendas acima desse valor…

Não me preocupo em saber se esse tecto foi alterado mas em registar com muito agrado a sua existência, ainda que o seu valor fosse cem vezes superior.

É claro que no nosso ordenamento jurídico não pode existir um “plafond” nos mesmos moldes qualquer que seja o valor. Os nossos legisladores, estes, parece, preferem o vazio, espaço a que atribuem a sinonímia da liberdade, dando ao político a faculdade de usar a sua sensatez ou o seu livre arbítrio, para "distinguir" entre uma simbólica lembrança e um subreptício suborno. E a ocasião não fará o ladrão, contrariando o ditado popular, mas revelá-lo-á, seguramente.

Isto, porque alguns dos nossos influentes governantes, felizmente poucos, enredam as suas escabrosas maquinações em teias fictícias a que chamam “diplomacia” e, por vezes, mais pomposamente “diplomacia económica” no sentido de obter vantagens financeiras pessoais, alimentar a clientela e satisfazer as suas mesquinhas aspirações de poder.

Quanto à casa do PM, a ser tudo verdade – nesta fase muito poucas são as razões para se duvidar – e tendo sido construída em terreno de Estado, espero que ele siga as nobres peugadas do seu mais ilustre conterrâneo vivo, que ao deixar a presidência da república em 2001, doou, de imediato, todas as prendas que recebera ao longo dos dez anos no desempenho dos dois mandatos que o povo lhe conferira, ao concelho de Santa Catarina para a criação de uma casa-museu.

É assim que procedem os verdadeiros Homens de Estado.

A. Ferreira

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