Guiné-Bissau – De Estado Falhado a vil Humilhação

terça-feira, 5 de junho de 2012

Num dos serviços noticiosos da RDP ÁFRICA escutei que o Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau dera uma entrevista em que afirmava, de entre outras coisas, que a Guiné-Bissau é um “Estado Falhado”. Profissionalmente, ele sabe muito bem o que é um “estado falhado”; e dispõe, seguramente, de dados suficientes para sustentar a sua conclusão.

Não me surpreendeu totalmente, mas fiquei indignado e intimamente revoltado com todos aqueles que foram capazes de conduzir o país a esta situação; e tive uma dor e uma mágoa incalculáveis.

Sabia, e sei, (quem o não sabe?) que as coisas não vão lá muito bem para aqueles lados; mas chegar a ser classificado de um “Estado Falhado” nunca esperei ouvi-lo de insuspeitas – Portugal não tem faltado com apoios de toda a ordem – autoridades político-diplomáticas.

Fui transportado a um passado de cerca de 38 anos e lembrei-me do triunfalismo, que nos orgulhava a todos, com que o PAIGC – estava acima do Estado, dizia-se – se instalara e das conversas que nós, a Ondina e eu, tínhamos com o meu “Velho” em Bissau acerca do futuro do País.

Dizia ele: Isto vai ficar, e em pouco tempo, como Conacry (Guiné-Conacry ao tempo era o paradigma de um estado falhado, até para o próprio PAIGC). Vocês vão ver! E nós contrapúnhamos com a veemência e a “sabedoria” da nossa juventude na qual, se calhar, estava subjacente a “arrogância” de uma certa literacia política forjada nos meios académicos. E só parávamos por respeito e consideração não sem esboçar um sorriso malicioso que eles, minha Mãe, inclusive, bem captavam. E ele insistia: Podem rir, vocês ainda um dia me darão razão e é pena que eu não estarei aqui para presenciar a vossa resignação. E ele acrescentava quase sempre: Até gostaria de nunca vir a ter razão!

Era um assunto recorrente e bastas vezes abordado sob os mais diversos ângulos.

Como ele sabia o que dizia!... Aliás, o tempo vem demonstrando quão bem ele conhecia a (in)capacidade dos obreiros da Independência para os tempos posteriores.

Não tardou a chamar-nos atenção da qualidade da transformação urbana que se ia operando, dos aspectos físicos da cidade de Bissau – ruas esburacadas, candeeiros públicos sem lâmpadas, lixo na rua, vendedores ambulantes por todo o lado – dos tiques autistas dos dirigentes do PAIGC e das “asneiras”, no seu ponto de vista, que se vinham cometendo não apenas no quadro das liberdades e garantias individuais sobre as quais tinha vivências que não lhe permitiam ter a mais pequena dúvida sobre o comportamento dos “camaradas” mas sobretudo sob o ponto de vista desenvolvimentista em que tinha de memória as estatísticas coloniais que ostentava pondo em causa e contestando abertamente aquilo que depois se provaram ser elefantes brancos.

A situação degradou-se de tal forma que se fez o 14 de Novembro. Uma réstia de esperança colectiva terá renascido no já “cansado” povo guineense.

Ele voltou a advertir-nos: Não tenham ilusões! Nada vai mudar!... Nem sequer as moscas porque eles são todos farinha do mesmo saco. E se calhar até vai piorar. E dizia-o de forma tão desabrida – já não tinha idade para ter medo, se é que alguma vez o teve – que criou situações bem embaraçosas para a família que, para encurtar palavras, direi, que nem uma pequena reforma lhes foi concedida depois dos longos anos de Conacry “aguentando” a luta e de Bissau na pós-independência. E nunca, mas nunca, se lamentaram!...

Os que o ouviam muniam-se de um presunçoso paternalismo a que juntavam, porque não reconhecê-lo, algum carinho, e rematavam: Ao Tio Armindo a gente releva sempre as suas palavras!...

O espectro de um “estado falhado” continuou a perseguir-nos a memória durante todos estes anos não obstante termos recusado sempre a aceitá-lo. Mas pelos vistos é hoje uma triste e dolorosa realidade.

O “Velho” falava das insuficiências mas também das virtudes. E de entre estas fazia sobressair o orgulho, a altivez e a irreverência dos povos (ele distinguia-os) da Guiné na sua grande maioria. E não era preciso dizê-lo. A História da Guiné desde os tempos longínquos da ocupação dos portugueses é muito eloquente sobre estes aspectos.

Por tudo isto, fiquei, e não acredito que um só filho da Guiné, ou seu amigo, com um mínimo de orgulho de o ser, não se tivesse sentido humilhado quando um ministro dos negócios estrangeiros da Nigéria foi a Guiné, chão onde sangue de verdadeiros heróis corre há séculos e onde mora a irreverência e o orgulho de gente indomável, NOMEAR o seu PRESIDENTE da república.

Esperei assistir a tudo mas esta nem o meu “Velho” nas suas mais cépticas conjecturas teria sequer imaginado – Guiné-Bissau, de estado falhado a vil humilhação provocada por uma “junta” de militares que interrompendo um processo democrático, que seguia os seus trâmites dentro do quadro constitucional, por razões que classificou de “nacionalistas” ou “justicialistas” se submete e faz rebaixar o povo a aceitar um presidente, ainda que interino, nomeado por um ministro nigeriano.

Afinal o meu “Velho” estava entre os poucos que partilhavam das preocupações e subtis advertências de Amílcar Cabral no que concerne à capacidade dos “rapazes” para a (re)construção do País.

Hoje, tenho a certeza que aqueles que “relevavam” paternalistamente as suas palavras, dirão, quiçá com alguma mágoa: Afinal, o Tio Armindo é que tinha razão!

Quem, há 38 anos, poderia tal imaginar?

A. Ferreira



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