Vai aqui uma historieta que se terá passado na bela cidade do Mindelo, há seguramente três décadas. Portanto, julgo poder narrá-la pelo tempo já decorrido, com direito a perdão por alguma eventual indiscrição, pois que da minha parte, não houve, e nem há, qualquer intenção de ser menos correcta ou mesmo ofensiva, para com as partes nela envolvidas.
Ainda mais que a historieta decorre de uma iniciativa com bons propósitos em que as protagonistas eram crianças. Só me podia merecer simpatia.
Posta e justificada deste modo, vamos à história que não deixa de ser engraçada e igualmente reveladora daquele espírito muito “gozão” que enforma o perfil brejeiro do típico mindelense.
Foi-me contada por uma amiga muito querida de longa data.
Ora bem, estava-se nos finais dos anos setenta, anos esses que delimitaram um período em que o famoso carnaval de Mindelo conheceu algum impasse por eventual falta de meios para os blocos carnavalescos desfilarem.
Então, perante tal perspectiva com a festa maior da cidade, há da parte de uma animadora na época do carnaval infantil, a decisão de reunir algumas crianças, filhas de pais amigos e conhecidos dela e organizar, ao menos, um grupo carnavalesco com elas.
Acrescentou a minha narradora, de que ela própria levava a irmã mais nova, na altura com cerca de 9-10 anos, aos ensaios do dito grupo. Este não tinha nome, mas entre os seus elementos era chamado de «Mamã eu quero…» pela conhecida música brasileira que lhe marcava o desfile.
Iam os ensaios dos pequenos da cidade a bom ritmo, quando surgiu em cena, uma outra conhecida animadora do “rei Momo” mindelense que, numa atitude crítica, teria dito – em alto e bom som – que não podia ser, «que aquilo era um grupo de “elite”» (fixe-se o termo, pois mais adiante aparecerá transfigurado) Então? E as crianças dos arrabaldes? Das faldas da cidade? Não teriam elas também direito a carnaval? Defendia acaloradamente a recém-chegada à ribalta carnavalesca.
Instalou-se a troca de argumentos comuns nesses momentos, e a dita crítica da existência apenas de um grupo de meninos urbanos, organizou um outro grupo de crianças, muito à pressa, oriundas dos arredores da cidade.
Pois bem, o termo com que fora classificado o grupo dos meninos da cidade, “elite”, dito e repetido várias vezes publicamente e possivelmente pelos meios da comunicação social de então, fora escutado pelas crianças e então elas interpretaram-no da seguinte forma: os meninos da cidade, foram intitulados de grupo «Litre» (litro) e ao dos meninos dos arredores de Mindelo, chamaram-no: «mei litre». (meio litro)
Veja-se como do som da palavra “elite” se transformou comicamente em crioulo e na variante de S. Vicente, e conduzindo à corruptela da palavra mas não do semântico socialmente estabelecido pelas próprias crianças.
O que os adultos dizem e como as crianças o entendem!
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