terça-feira, 12 de abril de 2016

Codornizes um petisco à sua mesa
 
 
A semana começou sob o signo das aves com a inquietante pergunta da minha priminha Susana Loff se gostaria de ser ave. Está claro que lhe respondi que gosto de ser mulher e voar com uma propulsão vinda do interior.
 
Depois veio a ternura do pardalinho da Lica e a águia do Adriano, esta última uma espécie de Lili Caneças do reino dos pássaros.
 
Mas de manhã muito cedo no meu passeio matinal tive um choque desagradável ao deparar logo à entrada do meu Jardim com aquele painel explosivo de uma espécie de ave-do-paraíso de rosto alienígeno e triste e cauda exuberante desfolhando-se como fogo de artifício em pétalas de sangue. Recuei instintivamente mas corajosamente continuei em frente. Outros tantos painéis expunham-se abrindo alas grafitando-me a consciência e ameaçando-me com os seus labirintos, setas, garras, bicos afiados gotejando sangue, punhais, granadas de mão, faróis amarelos de escondidos automóveis, entranhas de motores, setas, setas e mais setas num emaranhado de cores negras e vermelhas apontavam-me a saída daquele labirinto, mas não atinava com ela. Vi um pássaro dinossáurico sobrevoando numa sugestão humana uma mesa de mistura de sons em cores cinzentas num ambiente sufocante de um Disco-jockey corcunda. Uma rapariga de sonho com um cabelo emaranhado de setas e sangue exibindo uma bem desenhada flor cor-de-rosa na orelha. O painel de traços menos psicadélico delineava um militar de rosto oriental com um capacete tapando-lhe os olhos, tendo do lado esquerdo uma mão segurando uma granada e do lado direito uma espécie de pequeno cadafalso com um dedo engatilhado na corda.
 
E no meio desta inconformidade e revolta dos guetos urbanos destoava um jovem azul contorcendo-se numa calçada branca num rap ou quiçá numa capoeira baiana.
 
Semana da Juventude em Oeiras e a municipalidade tentando engodar este gueto aprisionando-o em painéis de madeira prensada.
 
Mas por detrás de um painel descubro que continuaremos a ter as paredes sujas por aí e que não passa de umas tréguas com o outro gueto a que pertenço.
 Nas costas de todas, as telas aliviavam-se com textos e www endereçando-nos para os seus sites e obrigavam-me a enfrentar a minha consciência. Não faça de konta ke não sabe kem somos!
Apesar de tudo que venham os Freuds e Hitchcoks da Praça desmontar esses pássaros, motores, velocidades, faróis, discotecas e essas setas que persistem em aparecer na variedade de autores, ou pertencem à mesma escola.
Quando cheguei à porta da minha casa, ainda me senti entusiasmada com o belo desenho da carrinha de distribuição do meu minimercado exibindo umas codornizes encantadoras que me sorriem sem ressentimentos convidando-me: Codornizes, um petisco à sua mesa. E garanto-vos que o desenho não continha gotas de sangue. Não há Hanniball que resista.

 
Paço de Arcos, 13 de Maio de 2006

 
Maria Margarida Mascarenhas

 

 
Uma Nota de agradecimento: O Blogue sente-se altamente honrado, por poder publicar estes escritos inéditos da nossa conterrânea e saudosa Contista, Maria Margarida Salomão Mascarenhas. Os agradecimentos vão direitinhos para o amigo e colaborador, Adriano Miranda Lima, que tão gentilmente os fez chegar ao Coral Vermelho.

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