Mais uma Crónica inédita da M. Margarida Mascarenhas

terça-feira, 12 de abril de 2016

Bunda invejável

Agora que me decidi a assumir-me como "negra greco-romana”, descubro que no acordo lusófono acrescentou-se à lista dos elementos que definem a cabo-verdianidade: a bunda.
 
Oh tempo volta para trás…
 
Agora é que eu desejaria ser cabo-verdiana de corpo livre e carne rija de bunda ao vento, perseguida pelos machos dos PALOPS como um golfinho brincando nas águas. EVA, de Germano Almeida.
 
Ai Tarrafal, ai arquipélago que foi Colónia!
 
TRAGO MARCADA NA CARNE AS MARCAS DAS ÉPOCAS POR MIM VIVIDAS, DAS TORTURAS QUE ME FORAM IMPOSTAS, DA PRISÃO A QUE ME SUBMETERAM.
 
Quando cheguei em 1963 a Portugal com o meu corpo de “crioula constrangida” como fui cantada por um vate luso, com o meu rabinho (como se dizia então) soltinho e ondulando debaixo das linhas Saco que era o look de então, as professoras Higgins que me descobriram e protegiam ali na Aeronáutica Civil, transformaram-me na Pobre Elisa que teria de aprender as regras da Europa e enterrar a imoralidade das mulatas tentadoras.
 
Pois é! Transformaram-me nos cânones da My fair Lady. Além dos ditongos dos “erres” e dos “alios em vez de alhos” os “filios em vez de filhos” “o frio em vez de friu”, infligiram-me a pior das torturas. Aprisionaram a minha Bunda numa “CINTA DE CASTIDADE”. Obrigaram-me a usar cintas e meias de ligas sempre soltas nas minha volumosas pernocas….
 
Fui casta, como as belas chinezinhas de pés de dez centímetros. Não havia mãos violadoras que me arrancassem as cintas…
 
Tal como a viola aprisionada, esperei um habeas-cinta, que só a revolução dos Cravos me restituiu. Tarde demais. A minha Bunda transformara-se numa Bunda greco-romana, e que ROMANA! Tinha a bunda “enfaixada” das mondrongas, como diria a minha amiga Lilica Pires.
 
Nem morna, nem funaná, nem cachupa! Só queria ver a minha bunda cabo-verdiana restaurada e perseguida pelos olhares do século vinte e um.

 
Paço de Arcos, 7 de Abril de 2006

 
Maria Margarida Mascarenhas

 

1 comentários:

Ana Fonseca disse...

Muito interessantes estas crónicas da MMM.
Estão esta da bunda está o máximo!

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