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Poeta foguense do século XIX -
Sobre
este poeta foguense pouco sabemos. Deixo aqui ao leitor, alguns dados
biográficos e notas informativas com interesse, que me foram gentilmente
transmitidos, pela minha querida amiga e familiar, Gilda Marta Vasconcelos
Barbosa, matemática de formação, intelectual de grande probidade e isso reflecte-se na sua
escrita. Guardiã do legado bibliográfico dos seus ilustres ascendentes. Co-fundadora
- ao lado de Monique Widmer - da Casa da Memória, situada na cidade de São
Filipe.
Entrando
agora no tema que intitula este texto, começaremos por informar que Carolino do Sacramento Monteiro, nasceu em S.
Filipe, na ilha do Fogo a 21 de Abril de
1866, filho de gente grada e de sobrado da cidade.
Em
Lisboa, fez os estudos superiores em
Agronomia. Engenheiro Agrónomo, de profissão, trabalhou em Huíla, Angola.
Seguiu
a linha anarquista. Não reconhecia instituições. Teve uma companheira de origem
sul-africana, Martha Atleta Maria Akkerman, com quem teve quatro filhos.
A
morte deve ter ocorrido em Lisboa, de regresso da sua estada profissional em
Àfrica. Dos dados recolhidos faltou o registo do ano do seu passamento.
De
acordo com Gilda Barbosa, um dos filhos do poeta, terá visitado a ilha do Fogo.
Nota
interessante. O poeta Carolino do Sacramento Monteiro, partilha com Henrique
Vieira de Vasconcelos, romancista, poeta e contista, o ascendente comum que
veio de Lisboa para o Fogo - possivelmente no século XVII ou XVIII - Bartolomeu
Vieira de Vasconcelos - (Fidalgo?
Eventualmente pertencente aos “banidos do reino”? Mandados para o Fogo, por terem caído nas más graças de sua
majestade?) Não se sabe. O certo é ser
ele o ascendente masculino, que se terá ligado com mulher do Fogo e que deixou boa
descendência, sendo Carolino seu neto e Henrique seu bisneto.
Um
breve parêntese para falar sobre Henrique de Vasconcelos. Este escritor Nasceu
em S. Filipe, ilha do Fogo, em 1876 e faleceu em Lisboa, Portugal em 1924. Licenciou-se em
Direito, ple Universidade de Coimbra e foi Director–Geral do Ministério dos
Negócios Estrangeiros. Representou Portugal em Legações e Missões diplomáticas,
em vários países.
Tal como Carolino Monteiro, Henrique de
Vasconcelos tem a sua origem na burguesia local, foguense, classe social que
era formada por alguns altos funcionários públicos, proprietários, comerciantes
e armadores locais e que esteve tradicioalmente bem assente na ilha, sobretudo
na cidade de S. Filipe, como elite, terra-tenentes, e como chefia das
instituições públicas da ilha, até ser intencionalmente desestruturada com a
chegada dos novos senhores de Cabo Verde, em 1975.
Retomando, Henrique de Vasconcelos. prosseguiu
os estudos superiores em Portugal e aí se manteve, uma vez que fez carreira diplomática.
Terá sido detentor de uma vasta biblioteca, pois foi um importante bibliófilo.
Romancista, Contista e poeta. Autor de entre outras, das seguintes obras:
«Flores cinzentas» Coimbra, 1893. «Os
Esotéricos» Lisboa, 1894 «A Harpa de Vanádio» poesia
(Coimbra, 1894);«Amor Perfeito»,
poesia (Lisboa, 1895);«A mentira vital»,
conto (Coimbra, 1897); «Contos novos»
contos (Lisboa, 1903); «Flirts»
contos (Lisboa, 1905); Circe,
poesia (Coimbra, 1908); e «Sangue das
rosas», poesia (Lisboa, 1912) .
Fecho o parêntese e regresso ao poeta Carolino
Monteiro, sujeito e protagonista do nosso texto de hoje.
Em mãos e a ser analisado, o “4º livro” manuscrito, que o autor intitulou,
na capa: «Poesias, 1887-1888-1889» Na folha de cobertura diz: “Lágrimas e
Sorrisos” Lisboa, Junho de 1888. Assinado, Carolino Monteiro. São 70, o número
de poemas que o volume contém.
Constitui uma
espécie de caderno, onde ele escrevia e guardava os poemas que ia publicando em
diferentes periódicos, jornais e revistas., anotados em rodapé, do mesmo
caderno/livro. Assim, o poeta cita, o jornal «Gazeta de Notícias»; a revista
«Illustrado», «O Santareno», «Notícias do Norte» entre outros períodicos
citados no livro em análise.
Ora bem, se existe um 4º livro, significa que três
outros o precederam. Tanto assim é que Gilda Barbosa, me informou de que ela
possui também o 3º livro e só não mo
enviou, dado o mau estado do volume e a já adiantada inelegibilidade dos textos,
resultados de danos ao longo de 130 anos. Se tivermos em conta que os poemas redigidos
tiveram início em1886. Por onde andarão já os dois primeiros livros?...
Atenção que todo este acervo de livros e de
documentos, hoje bem conservados pela actual proprietária, a nossa Gilda Marta,
só lhe chegaram às mãos como herdeira, após o passamento dos ascendentes que os
possuíram originalmente.
Logo, muitos deles apresentam já os traços e as
“traças” do tempo muito destruidores dos papéis.
De seguida transcrevo alguns poemas do livro 4º
«Poesias» de Carolino Monteiro.
Pois bem, o
grande interesse destes textos residirá também na sua vetusta antiguidade,(perdoem-me a redundância)
dentro da nossa Literatura.
O poeta,
Carolino Monteiro seguiu a linha da escola poética romântica portuguesa, naturalmente.
Embora o romantismo português venha datado de cerca de 1770 (início) a 1865
(data da Questão Coimbrã, e que marca a entrada do Realismo na Litertura
portuguesa) o romantismo conheceu várias fases ou períodos evolutivos ao longo
do tempo. A escola romântica permaneceu muito mais tempo na poesia - para além
da Questão Coimbrã, 1865 - do que na
prosa ficcionista.
Assim, melhor colocariamos os poemas de Carolino
Monteiro, como já moldados pelos cânones ou, pela estética do Ultra-Romantismo. O «eu»
lírico, destaca-se e apresenta-se na singularidade dos seus sentimentos e das suas emoções.
Eis, pois, como o poeta se apresenta. Por sinal sob
forma cómica, galhofeira e algo irónico com ele próprio. Usando trocadilhos,
traça o seu auto-retrato. Mas, ao mesmo tempo, não se furta em nos dar conta
dos seus sentimentos.
“ (...) Mas quem
sou, perguntarão?
Parece-me até escusado fazer minha
apresentação.
Sou conhecido no mercado
Sou o arroz, - o carolino,
Por sobrenome, Monteiro.
Sou maior, estudante e solteiro.
Não digo a minha morada
(não pensem que sou vadio)
Pois sou qual lua adorada
Que pelo espaço etéreo e frio
Vai mudando todos os meses.
Sou atacado muitas vezes
De grande bolha e mania
Faço ginástica e poesia,
e danço com toda gente.
(...) (quase ilegível, o verso, imediatamente a seguir pois que riscado.).
Tenho também geralmente por longo
hábito fumar
Sou bom rapaz, não desfazendo
Alguém que me está escutando.
E oh! Que horror!
Tornando meus gargarejos
Em longas gargalhadas.
Não peço a ninguém beijos
Com receio de não mos darem...”
Lisboa,Illustrado,14-3-1889.
A ironia e a fina graça aqui expressos neste excerto de um poema:
(...) “Eis-me aqui, pois, condenado
Ao maior sofrimento!
Disse que não me fez rogado,
pois não ouviu os meus lamentos.
V.excias. pedem que o Senhor
Carolino recite
Uma poesia encantadora.
Ah! Não sei, juro minha Senhora,
Não sei recitar, acredite.
- É modéstia, ora vá, sim? –
O que há de fazer a gente
Quando os lábios carmisos
Pedem tão ardentemente?
Que força e que atrações
Não têm os nossos corações...
Levanto-me atrapalhado
Contrafeito e esquisito
Como um jovem namorado
Que nem sequer tem um dito
Um filão, um galanteio delicado
Para dizer à sua dama.
(...)
Vai servir pois de espantalho
De bobo e de ave (...)
Em pé no meio da sala
Ninguém fala...
Faz-se silêncio enfim.
Sei que lá por dentro
Todos se riem dos meus modos
E disfrutam-me calados.
Confesso: exponho-me aos sorrisos
delicados...
Depois de fazer poesia sem graça e
sem entoação
Recresce a ironia...”
1889. «Illustrado»
Para terminar o feixe irónico e trocista de que é feito também a poesia de
C. Monteiro, segue o poema, “Casamento”
Eu não caso contigo pelos teus olhos
pretos como o carvão,
nem tão pouco, pombinha idolatrada,
pelo teu santo e nobre coração.
Eu quero ser honesto e verdadeiro,
De abusar não pretendo da alma tua,
- Aí vai a verdade, nua e crua –
Caso contigo pelo teu dinheiro.”
Lisboa, Dezembro de 1887.
«Notícias do Norte»
Dos três poemas transcritos, o leitor apercebe-se -
como se de recorte dominante se tratasse
nos versos de Carolino Monteiro - desta
forma de riso, de um certo gozo, e de auto-complacência irónica que o poeta faz
de si próprio. Continuamos a ter essa mesma atitude
escarninha de si mesmo e com relação por
vezes a outrem, em outros poemas presentes no volume.
No meu entender, o poeta deixa subentendido com isso,
um auto posicionamente inteligentemente assumido de que a sátira mais mordaz,
mais contundente, ainda que dirigida a outro (s) destinatário(s), deve-se apresentar
antes de mais, a retratar simbolicamente o «eu» do poeta.
Antes de
prosseguir com as transcrições dos poemas que escolhi para ilustrar o texto,
faço notar ao leitor que tomei a liberdade de passar os versos, orignalmente
escritos na ortografia oitocentista,
para a grafia actual (Claro, que em desacordo com o descaracterizador Acordo
Ortográfico, em vigor).
Há também e com alguma intensidade, a faceta lírica
propriamente dita, na poesia de Carolino Monteiro. O poema que a seguir se
transcreve é disso ilustrativo.
“ Amor romântico
de lábio de coral,
formoso e breve
de tranças cetinosas,
ondulantes
de lindos dentes,
brancos como a neve.
Quando sorri, uma
alegria amena
também me inunda o
cálice da vida.
Mas se me foge esta
visão serena
a minha alma anoitece
constrangida.
É um bijou de graça e
formosura
a sua boca fresca e
pequenina,
quero sorver dos lábios
a frescura
qual doida abelha em
rosa purpurina.
Eu sou para ela, a noite
fria, escura,
causo-lhe dó como quem
pede esmola;
ela é para mim a aurora
que fulgura
o bálsamo sagrado que
consola!
Ela é qual rosa,
vicejante e bela
que vive à luz e aos
beijos da alvorada!
Eu, triste violeta tão
singela,
apenas vivo à sombra do
meu nada!
Se peço o aroma da
mimosa crioula,
a casta luz do seu olhar
bendito,
foge-me a visão casta e
de granito.
……………………………………………………..
Eu sou qual planta que
na sombra estiola!”
Lisboa,
24 de Março de 1887
In:
«Santareno».
2 comentários:
Vim despraiar neste cantinho como faço sempre que possivel.
Sinto-me em completa sintonia com a Dra. Ondina e, às vezes, fico como uma criança que adora a sua professora.
(Muitas vezes o aluno é mais velho e é este o meu caso. Sucede até que nunca nos encontramos in vivo)
A bloguista fala de mais um desses foguenses que deitaram brazas mas, em vez de fazer estragos, contribuiram para que a ilha do Vulcão fosse reconhecido como um alforge de caboverdianos ilustres que ficarão para sempre na Histôria de Cabo Verde mesmo que teimem em fazer desaparecer a parte que não convém aos africanistas. Gente do Fogo nunca admitiu dezaforo e, por isso, sofreram na pele. Sempre os admirei desde que tive o privilégio de cruzar alguns no Gil Eanes (e não sô...). Por acaso, um dos meus melhores companheiros era o irmão mais velho da Dra. Gilda Barbosa - o Humberto - com quem fazia passeios a cavalo pois isso foi possivel em S.Vicente na altura (anos 1960-1970 do sec. pass.).
Espero poder ver ainda o desfilar das bandeiras do Vulcão.
Hoje aprendi muito e gostei. Muito! Mantenhas de um outro poeta foguense nos Estados Unidos
http://mosteirosfogo.blogspot.com
http://postaldofogo.blogspot.com
http://sopadepoemas.blogspot.com
Aquele abraço!
Doutor Azágua
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