O TEATRO É UMA PAIXÃO – A VIDA É UMA EMOÇÃO

sexta-feira, 6 de maio de 2016
de Valdemar Pereira
 
Há livros que não podem, e nem devem, continuar na sombra.  São livros que devem estar na ribalta e com  projectores de farta luz, incindindo sobre eles.

Pois bem, «O Teatro é uma Paixão – A Vida é Uma Emoção» de Valdemar Pereira editado em 2010, é precisamente um desses livros! Merece escaparate bem visível, e leitura proveitosa.

Trata-se de um  documento rico e que nos traz de volta – numa prosa elegante  de fácil e escorreita leitura –  uma época da ilha de S.Vicente, da cidade do Mindelo, sem dúvida, a capital de então, do espectáculo e da cultura do Arquipélago.

São memórias escutadas umas, e  entusiásticamente participadas pelo autor, outras, de uma era que vem datada no livro. O autor situou-as  como compreendidas  entre meados dos anos trinta, e os anos 50 do século XX.
A partir dos anos 50, sobretudo, os eventos culturais, com especial destaque para os do Teatro,  e do desporto, descritos no livro, já foram vividos e testemunhados em directo pelo autor/narrador.
 
O livro compõe-se fundamentalmente de duas partes muito bem documentadas com textos do autor e fotografias já históricas de gente, de eventos e de espectáculos que marcaram a vida “rumorosa e variada” – no dizer do poeta Jorge Barbosa – ou seja, a vida cultural e desportiva da bela cidade portuária que era Mindelo dos anos 40 e 50 do século XX. As fotografias que acompanham os textos, já raras e valiosas, repito, retratam e transmitem-nos um tempo que foi profuso em acontecimentos endógenos, criados pelos próprios mindelenses e, intensamente vivido pelos seus participantes.
 
Li-o – o livro – com alguma inquieta curiosidade a princípio, que depois se transformou em interesse crescente de leitora que, com agrado, o seguiu até á última página.
 
Como acima disse, o livro pode ser dividido em duas partes, sendo a primeira a vida teatral de Valdemar Pereira, membro activo, actor/apresentador do grupo cénico do Grémio Castilho, na qual descreve as peças representadas, as peripécias vividas, por ele e seus companheiros de palco. Conseguimos visualizar, numa sinestesia empolgante, a cidade frenética, cheia de vida, cor e de movimento de então, em que gente ilustre e mais velha “acamaradava-se” no bom sentido, com os mais novos que demonstrassem talento e empenho. E era esse o caso. Assim temos poetas e dramaturgos, como Sérgio Frusoni, Gabriel Mariano, Jacinto Estrela, para além da figura tutelar de José Lopes, entre muitas outras figuras emblemáticas da cidade entre as quais, de músicos, de compositores e de desportistas, que Valdemar Pereira cita e que o leitor os percebe não só a circular pela cidade, mas também, no seu dia-a-dia, social e citadino.
 
De entre eles, o autor destacou naturalmente aqueles que ajudaram  mais directamente a erguer a cena do teatro de Castilho, não só pelas  peças escritas, pela música composta  expressamente para o Conjunto Cénico Castilhano, como também pelo  ânimo e encorajamento que davam aos jovens artistas que nele activa e generosamente participavam. O entusiasmo dos organizadores, dos actores, dos músicos e a notoriedade dos autores que escreviam as peças para o grupo teatral, tudo conjugado, redundou em grande sucesso que enchia a sala de público curioso e interessado, quando o grupo actuava. O facto é que o sucesso do Conjunto Cénico Castilhano foi tanto, que não se limitou a usar apenas a sala do seu Grémio; representou igualmente no famoso Eden-Park, que tantos e bons espectáculos acolhia na época. Disso tudo Valdemar Pereira nos dá conta no seu livro.
O interessante é que tudo começou com o grande desejo do autor em reerguer a equipa de futebol, outrora existente e de boa fama, no Grémio Castilho e que desaparecera quando o autor entra para a vida associativa do Grémio. Para levar a bom termo o intento, arregimentou alguns companheiros. Portanto, a criação do grupo cénico, serviu em primeiro lugar, para angariar fundos com os espectáculos subsequentes para reactivar a equipa de futebol do Castilho.
Mas o leitor vai compreendendo à medida que avança na leitura do livro de que o “bichinho” do teatro acabou por ganhar, cimentar vida própria e afectar de forma apaixonada os seus participantes.
 
Como já referi, esta obra fala-nos à memória e à emoção. As histórias são contadas de forma convincente, real e cheias de uma tal emoção que por vezes a sua escrita se entronca na prosa poética.
 
A atenção do leitor é chamada a verificar o simbolismo da estruturação da obra, em «Actos» – tal como se de um  teatro se tratasse – a vida afinal, é também um grande palco cheio de vicissitudes várias.
 
Passando agora aos capítulos em que a obra se divide, o leitor encontrará o «Acto I» com o sub-título «Iniciação ao Teatro Castilhano», abrangendo toda a actividade teatral, saraus/espectáculos, e grandes eventos desporitvos desenvolvidos por aquele grémio associativo e produzidos em Mindelo também por outras congéneres, (de que são exemplos os Grémios, ou Associações  «Amarante» e «Académica») entre 1948 e 1954.
 
De caminho e de permeio, temos uma série de informações importantes e altamente ilustrativas de como era a vida das gentes do burgo mindelense. As fotografias insertas no livro, documentam e complementam fartamente, a época descrita.
 Na mesma linha, «Acto II» Aqui agora, inicia-se a segunda parte do livro, com a  emigração do autor/narrador para Dakar.  Mudança de vida. O grande palco agora é em Dakar, no Senegal. Assim o intitulou: «Mudando o Cenário para Dakar». E daí conta-nos, não só o prosseguimento da actividade teatral que antes, em Mindelo, sob o signo dos «Clandestinos no Céu»  e dos «Clandestinos na Terra»  célebres peças marcantes para a grande e exitosa estreia e actuação do Conjunto Cénico Castilhano. «Clandestinos no Céu» de autoria de Gabriel Mariano – um dos nomes maiores da Literatura e cultura cabo-verdianas – que Valdemar Pereira havia encenado e dirigido como revista teatral, com os companheiros do Grémio Castilho, via-se agora  transposta para uma sala do Theâtre du Palais da capital senegalesa.  Apresentou na mesma sala, a opereta “Cuscujada,” de Sérgio Frusoni, “Guarda-Cabeça,” entre outras peças. Tudo isso feito com arte e muita dedicação que se percebem numa discreta descrição do livro.
Continuando, Dakar conhecia à época, uma numerosa e activa comunidade cabo-verdiana. E no livro, Valdemar Pereira faz a narração histórica e social, da vida da nossa comunidade naquelas paragens africanas, como também nos dá conta de como se movimentavam politicamente os “actores” (no Acto III) nos inícios da agitação política/partidária independentista para Cabo Verde e para a Guiné.  Em suma: dos vários movimentos políticos que na capital do Senegal, tumultuosamente, buscavam protagonismo. Vale a pena ler, pois Valdemar Pereira disso participou em directo, como espectador atento e interessado, dadas a sua condição de cabo-verdiano e as funções que desempenhava nos serviços diplomáticos de Portugal no Senegal.
Creio tratar-se de um registo histórico interessante e válido, da vida da comunidade cabo-verdiana no Senegal.
Os últimos capítulos do livro, são dedicados aos outros grupos cénicos que os houve em S. Vicente, e aos perfis dos poetas, dos músicos, dos cantores e dos artistas, distinguidos pelo autor, como seus preferidos. Igualmente, a parte final do livro reconta muitas histórias  reais da sua vida profissional e pessoal, sucedidas ao longo do tempo, e  dispersas por algumas partes do mundo, onde viveu. De caminho, algumas atribulações, como Valdemar Pereira tão bem, no-las descreve.
Para terminar este escrito, registo aqui uma sumaríssima apresentação do autor do livro «O Teatro é uma Paixão – A Vida é uma Emoção».
Valdemar Pereira nasceu em Mindelo, ilha de S. Vicente em 1933.  Aí cresceu, jogou futebol, fez teatro, e fez naturalmente, os seus estudos primários e secundários. Também é na sua cidade natal que teve o primeiro emprego, no antigo Telégrafo, onde o pai fora antes empregado.
 Emigra para o Senegal em meados dos anos 50. Em Dakar exerce a função de Secretário e de Vice-cônsul da representação diplomática portuguesa naquele país. Desenvolve grande actividade cultural e recreativa, junto da comunidade cabo-verdiana e portuguesa em Dakar.
 Mais tarde, transferido para Madagáscar, já nos anos 60, ocupa o mesmo posto nos serviços diplomáticos de Portugal. Sempre com louvor e reconhecimento pelo seu desempenho profissional. Foi fundador e Presidente por largo tempo, da Associação France/Portugal.
 
Actualmente aposentado, vive em França, na cidade de Tours.
Temos de agradecer a Valdemar Pereira, este nosso compatriota que não quis deixar no mal-afamado limbo do esquecimento, parte importante da história da então mais destacada cidade cultural cabo-verdiana, Mindelo. Famosa pelo seu porto e igualmente nomeada pelos seus artistas, escritores, poetas, músicos, actores.
Com efeito, a cidade do Miindelo teve uma época, de há muito lembrada saudosamente, naquela linha poética de Sérgio Frusoni: “sanvecente um tempo era sabe...”
Recomendo de todo a leitura desta obra.
 P. S - À guisa de informação, o livro «O Teatro é uma Paixão – A Vida é uma Emoção», encontra-se à venda em S. Vicente no «Coté Bazar» na Rua Senador Vera Cruz. Em Lisboa no «Etnia» cujo endereço electrónico é o seguinte: etnia@etnia.org.pt
Mesmo, mesmo para rematar, aviso ao putativo leitor  de que o produto da venda da obra destina-se “a fins de soladariedade para ajudar os «meninos de rua» da ilha de S. Vicente como se pode ler na contra-capa do livro.

6 comentários:

Joaquim Saial disse...

O livro é um luxo de memória e cultura são-vicentina. Tive o grato prazer de o apresentar a 8 de Maio de 2010, em Lisboa, em tarde de também "memorável memória", na Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, tendo na mesa, para além da representante da associação, Helena Benrós, e do autor, o nosso comum amigo Adriano Lima que também botou palavra. Na plateia, cheia, destaco a presença do João Branco, outro significativo home de teatre das ilhas. Foi uma tarde e pêras!!! Isto é, uma tarde de facto teatral e sobretudo mindelense.

Braça para o cénico vice-cônsul,
Joaquim Saial

Adriano Miranda Lima disse...

Muito me apraz ler estas considerações da Ondina Ferreira sobre o livro do nosso amigo Valdemar Pereira. Há pouco disse ao Valdemar que para comentar o seu livro desta maneira, é necessário possuir esta tripla condição: cultura, inteligência e sensibilidade. Isto porque o livro é um precioso documento, com interesse sociológico e histórico para o estudo da sociedade mindelense e até da emigração cabo-verdiana.

Carmo disse...

Para além de tudo o que foi dito e que não é nada pouco, este livro tem ainda o valor acrescido de mostrar a grandeza de uma personalidade e de como ela foi sendo construída ao longo da vida, entre alegrias e vicissitudes. O nosso amigo Valdemar está ali, como foi, como é. Sem presunções, nem bazofaria, mas com a magnitude de uma vida cheia. E pensar que o que está no livro é só uma ínfima parte... que felizmente fez o favor de partilhar e deixar para a posteridade! Mas muito mais teríamos a aprender com as memórias vivas que ainda guarda...

Adriano Miranda Lima disse...

Tem razão, Ondina. Ele é portador de uma memória tão rica e tão preenchida que é pena não serem vertidas noutro livro. Sempre que preciso saber alguma coisa sobre o Cabo Verde contemporâneo recorro ao Valdemar. Fico admirado como ele não só conseguiu acolher tal imensidão de registos como os conserva com uma espantosa lucidez. Foi pena ele só ter feito o lançamento do livro em Lisboa.

Adriano Miranda Lima disse...

Quis escrever: uma memória tão rica e tão preenchida que
é pena não ser vertida noutro livro. Ou então: em mais livros.

valdemar pereira disse...

Escrevi por acidente.
Do coração, agradeço-vos, a todos, as vossas palavras sinceras. Embora uma "revolta" por não ver mais pessoas competentes para recolher toda a nossa riqueza que se vai desfiando e/ou adulterado, preferi (prefiro) pôr-me ao serviço dos que merecem ser ajudados.
Um amplexo a cada um.

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