de Valdemar Pereira
Pois
bem, «O Teatro é uma Paixão – A Vida é Uma Emoção» de Valdemar Pereira editado em
2010, é precisamente um desses livros! Merece escaparate bem visível, e leitura
proveitosa.
Trata-se
de um documento rico e que nos traz de
volta – numa prosa elegante de fácil e
escorreita leitura – uma época da ilha
de S.Vicente, da cidade do Mindelo, sem dúvida, a capital de então, do
espectáculo e da cultura do Arquipélago.
São
memórias escutadas umas, e entusiásticamente participadas pelo autor, outras,
de uma era que vem datada no livro. O autor situou-as como compreendidas entre meados dos anos trinta, e os anos 50 do
século XX.
A
partir dos anos 50, sobretudo, os eventos culturais, com especial destaque para
os do Teatro, e do desporto, descritos
no livro, já foram vividos e testemunhados em directo pelo autor/narrador.
O
livro compõe-se fundamentalmente de duas partes muito bem documentadas com
textos do autor e fotografias já históricas de gente, de eventos e de
espectáculos que marcaram a vida “rumorosa
e variada” – no dizer do poeta Jorge Barbosa – ou seja, a vida cultural e
desportiva da bela cidade portuária que era Mindelo dos anos 40 e 50 do século
XX. As fotografias que acompanham os textos, já raras e valiosas, repito, retratam
e transmitem-nos um tempo que foi profuso em acontecimentos endógenos, criados
pelos próprios mindelenses e, intensamente vivido pelos seus participantes.
Li-o
– o livro – com alguma inquieta curiosidade a princípio, que depois se
transformou em interesse crescente de leitora que, com agrado, o seguiu até á
última página.
Como
acima disse, o livro pode ser dividido em duas partes, sendo a primeira a vida
teatral de Valdemar Pereira, membro activo, actor/apresentador do grupo cénico
do Grémio Castilho, na qual descreve as peças representadas, as peripécias
vividas, por ele e seus companheiros de palco. Conseguimos visualizar, numa
sinestesia empolgante, a cidade frenética, cheia de vida, cor e de movimento de
então, em que gente ilustre e mais velha “acamaradava-se” no bom sentido, com
os mais novos que demonstrassem talento e empenho. E era esse o caso. Assim
temos poetas e dramaturgos, como Sérgio Frusoni, Gabriel Mariano, Jacinto
Estrela, para além da figura tutelar de José Lopes, entre muitas outras figuras
emblemáticas da cidade entre as quais, de músicos, de compositores e de
desportistas, que Valdemar Pereira cita e que o leitor os percebe não só a
circular pela cidade, mas também, no seu dia-a-dia, social e citadino.
De entre
eles, o autor destacou naturalmente aqueles que ajudaram mais directamente a erguer a cena do teatro
de Castilho, não só pelas peças
escritas, pela música composta expressamente para o Conjunto Cénico Castilhano, como
também pelo ânimo e encorajamento que
davam aos jovens artistas que nele activa e generosamente participavam. O
entusiasmo dos organizadores, dos actores, dos músicos e a notoriedade dos
autores que escreviam as peças para o grupo teatral, tudo conjugado, redundou
em grande sucesso que enchia a sala de público curioso e interessado, quando o
grupo actuava. O facto é que o sucesso do Conjunto Cénico Castilhano foi tanto,
que não se limitou a usar apenas a sala do seu Grémio; representou igualmente
no famoso Eden-Park, que tantos e bons espectáculos acolhia na época. Disso
tudo Valdemar Pereira nos dá conta no seu livro.
O
interessante é que tudo começou com o grande desejo do autor em reerguer a
equipa de futebol, outrora existente e de boa fama, no Grémio Castilho e que
desaparecera quando o autor entra para a vida associativa do Grémio. Para levar
a bom termo o intento, arregimentou alguns companheiros. Portanto, a criação do
grupo cénico, serviu em primeiro lugar, para angariar fundos com os espectáculos
subsequentes para reactivar a equipa de futebol do Castilho.
Mas
o leitor vai compreendendo à medida que avança na leitura do livro de que o
“bichinho” do teatro acabou por ganhar, cimentar vida própria e afectar de
forma apaixonada os seus participantes.
Como
já referi, esta obra fala-nos à memória e à emoção. As histórias são contadas
de forma convincente, real e cheias de uma tal emoção que por vezes a sua
escrita se entronca na prosa poética.
A
atenção do leitor é chamada a verificar o simbolismo da estruturação da obra,
em «Actos» – tal como se de um teatro se
tratasse – a vida afinal, é também um grande palco cheio de vicissitudes
várias.
Passando
agora aos capítulos em que a obra se divide, o leitor encontrará o «Acto I» com
o sub-título «Iniciação ao Teatro Castilhano», abrangendo toda a actividade
teatral, saraus/espectáculos, e grandes eventos desporitvos desenvolvidos por
aquele grémio associativo e produzidos em Mindelo também por outras congéneres,
(de que são exemplos os Grémios, ou Associações
«Amarante» e «Académica») entre 1948 e 1954.
De caminho e de permeio, temos uma série de
informações importantes e altamente ilustrativas
de como era a vida das gentes do burgo mindelense. As fotografias insertas no
livro, documentam e complementam fartamente, a época descrita.
Na mesma linha, «Acto II» Aqui agora,
inicia-se a segunda parte do livro, com a emigração do autor/narrador para Dakar. Mudança de vida. O grande palco agora é em
Dakar, no Senegal. Assim o intitulou: «Mudando o Cenário para Dakar». E daí
conta-nos, não só o prosseguimento da actividade teatral que antes, em Mindelo,
sob o signo dos «Clandestinos no Céu» e dos
«Clandestinos na Terra» célebres peças
marcantes para a grande e exitosa estreia e actuação do Conjunto Cénico
Castilhano. «Clandestinos no Céu» de autoria de Gabriel Mariano – um dos nomes
maiores da Literatura e cultura cabo-verdianas
– que Valdemar Pereira havia encenado e dirigido como revista teatral, com os
companheiros do Grémio Castilho, via-se agora transposta para uma sala do Theâtre du Palais
da capital senegalesa. Apresentou na
mesma sala, a opereta “Cuscujada,” de Sérgio Frusoni, “Guarda-Cabeça,” entre
outras peças. Tudo isso feito com arte e muita dedicação que se percebem numa
discreta descrição do livro.
Continuando,
Dakar conhecia à época, uma numerosa e activa comunidade cabo-verdiana. E no
livro, Valdemar Pereira faz a narração histórica e social, da vida da nossa
comunidade naquelas paragens africanas, como também nos dá conta de como se
movimentavam politicamente os “actores” (no Acto III) nos inícios da agitação
política/partidária independentista para Cabo Verde e para a Guiné. Em suma: dos vários movimentos políticos que
na capital do Senegal, tumultuosamente, buscavam protagonismo. Vale a pena ler,
pois Valdemar Pereira disso participou em directo, como espectador atento e
interessado, dadas a sua condição de cabo-verdiano e as funções que
desempenhava nos serviços diplomáticos de Portugal no Senegal.
Creio
tratar-se de um registo histórico interessante e válido, da vida da comunidade
cabo-verdiana no Senegal.
Os
últimos capítulos do livro, são dedicados aos outros grupos cénicos que os
houve em S. Vicente, e aos perfis dos poetas, dos músicos, dos cantores e dos
artistas, distinguidos pelo autor, como seus preferidos. Igualmente, a parte
final do livro reconta muitas histórias reais
da sua vida profissional e pessoal, sucedidas ao longo do tempo,
e dispersas por algumas partes do mundo,
onde viveu. De caminho, algumas atribulações, como Valdemar Pereira tão bem,
no-las descreve.
Para
terminar este escrito, registo aqui uma sumaríssima apresentação do autor do
livro «O Teatro é uma Paixão – A Vida é uma Emoção».
Valdemar Pereira nasceu em Mindelo, ilha de S.
Vicente em 1933. Aí cresceu, jogou
futebol, fez teatro, e fez naturalmente, os seus estudos primários e secundários.
Também é na sua cidade natal que teve o primeiro emprego, no antigo
Telégrafo, onde o pai fora antes empregado.
Emigra para o Senegal em meados dos anos 50.
Em Dakar exerce a função de Secretário e de Vice-cônsul da representação
diplomática portuguesa naquele país. Desenvolve grande actividade cultural e
recreativa, junto da comunidade cabo-verdiana e portuguesa em Dakar.
Mais tarde, transferido para Madagáscar, já
nos anos 60, ocupa o mesmo posto nos serviços diplomáticos de Portugal. Sempre
com louvor e reconhecimento pelo seu desempenho profissional. Foi fundador e Presidente por largo tempo, da
Associação France/Portugal.
Actualmente aposentado, vive em França, na
cidade de Tours.
Temos
de agradecer a Valdemar Pereira, este nosso compatriota que não quis deixar no mal-afamado limbo do esquecimento, parte importante
da história da então mais destacada cidade cultural cabo-verdiana, Mindelo.
Famosa pelo seu porto e igualmente nomeada pelos seus artistas, escritores,
poetas, músicos, actores.
Com
efeito, a cidade do Miindelo teve uma época, de há muito lembrada saudosamente,
naquela linha poética de Sérgio Frusoni: “sanvecente
um tempo era sabe...”
Recomendo
de todo a leitura desta obra.
P. S - À guisa de informação, o livro «O
Teatro é uma Paixão – A Vida é uma Emoção», encontra-se à venda em S. Vicente no
«Coté Bazar» na Rua Senador Vera Cruz. Em Lisboa no «Etnia» cujo endereço
electrónico é o seguinte: etnia@etnia.org.pt
Mesmo,
mesmo para rematar, aviso ao putativo leitor
de que o produto da venda da obra destina-se “a fins de soladariedade para ajudar os «meninos de rua» da ilha de S.
Vicente” como se pode ler na
contra-capa do livro.
6 comentários:
O livro é um luxo de memória e cultura são-vicentina. Tive o grato prazer de o apresentar a 8 de Maio de 2010, em Lisboa, em tarde de também "memorável memória", na Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, tendo na mesa, para além da representante da associação, Helena Benrós, e do autor, o nosso comum amigo Adriano Lima que também botou palavra. Na plateia, cheia, destaco a presença do João Branco, outro significativo home de teatre das ilhas. Foi uma tarde e pêras!!! Isto é, uma tarde de facto teatral e sobretudo mindelense.
Braça para o cénico vice-cônsul,
Joaquim Saial
Muito me apraz ler estas considerações da Ondina Ferreira sobre o livro do nosso amigo Valdemar Pereira. Há pouco disse ao Valdemar que para comentar o seu livro desta maneira, é necessário possuir esta tripla condição: cultura, inteligência e sensibilidade. Isto porque o livro é um precioso documento, com interesse sociológico e histórico para o estudo da sociedade mindelense e até da emigração cabo-verdiana.
Para além de tudo o que foi dito e que não é nada pouco, este livro tem ainda o valor acrescido de mostrar a grandeza de uma personalidade e de como ela foi sendo construída ao longo da vida, entre alegrias e vicissitudes. O nosso amigo Valdemar está ali, como foi, como é. Sem presunções, nem bazofaria, mas com a magnitude de uma vida cheia. E pensar que o que está no livro é só uma ínfima parte... que felizmente fez o favor de partilhar e deixar para a posteridade! Mas muito mais teríamos a aprender com as memórias vivas que ainda guarda...
Tem razão, Ondina. Ele é portador de uma memória tão rica e tão preenchida que é pena não serem vertidas noutro livro. Sempre que preciso saber alguma coisa sobre o Cabo Verde contemporâneo recorro ao Valdemar. Fico admirado como ele não só conseguiu acolher tal imensidão de registos como os conserva com uma espantosa lucidez. Foi pena ele só ter feito o lançamento do livro em Lisboa.
Quis escrever: uma memória tão rica e tão preenchida que
é pena não ser vertida noutro livro. Ou então: em mais livros.
Escrevi por acidente.
Do coração, agradeço-vos, a todos, as vossas palavras sinceras. Embora uma "revolta" por não ver mais pessoas competentes para recolher toda a nossa riqueza que se vai desfiando e/ou adulterado, preferi (prefiro) pôr-me ao serviço dos que merecem ser ajudados.
Um amplexo a cada um.
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