José Carlos Mucangana
Subsídios para a caboverdeanidade (4):
Qual foi a origem das línguas crioulas das Américas, do Oceano Índico e
mais além da Taprobana?
A palavra crioulo
passou a designar não só o “dialecto português” falado em Cabo Verde, como
também os “dialectos” coloniais, que apareceram e se desenvolveram nas colónias
europeias. Assistiu-se ao aparecimento e
desenvolvimento destas línguas, com as plantações de cana e a produção dos
engenhos de açúcar nas Caraíbas e nas Antilhas e mais tarde nas Mascarenhas. Mas, porque é que foram designadas crioulos? Não seria a palavra portuguesa e o nome da língua
caboverdeana e dos seus primeiros falantes, os crioulos caboverdeanos
quinhentistas da primeira geração, mais tarde ensinada pelos seus descendentes
nessas colónias europeias, como já o tinham feito na Grande Guiné?
Os poderes coloniais cedo
passaram a considerar estas línguas, como os seus crioulos, os crioulos
ingleses, franceses, holandeses e até espanhóis, ou seja da língua veicular do
estado espanhol multinacional e multilinguístico, que é o castelhano. Parece que não está provado que os falares castelhanos
raros de pequenas comunidades de origem africana isoladas em países das
Américas do Sul e Central sejam crioulos de neoformação e só um deles foi
comparado com o crioulo santomense, provando-se que derivou do dialecto angolar
do último. Nenhum foi comparado com o
crioulo caboverdeano Mais adiante
havemos de esclarecer o grande mistério, que irrita os crioulistas e
sociolinguístas, porque não conseguem explicá-lo nem pela liguística, nem pela
sociologia: Porque é que há grandes
países francófonos e anglófonos das Grandes Antilhas, falando crioulo, como
Haiti e Jamaica, e isso não acontece nas Grandes Antilhas, que foram colónias
espanholas, como Cuba, Porto Rico, Santo Domingo, onde plantações de cana de
açúcar não faltavam?
Para já, limitamo-nos
a notar que os colonos de origem europeia eram donos dos escravos e os
respectivos linguistas, até hoje, parece que continuam a pretender ser donos
das línguas ensinadas aos escravos pelos caboverdeanos portugueses. Os crioulos ainda continuam a ser
classificados como ingleses, franceses, holandeses, etc. (Peter Austin et al.,
1996, O Atlas das Línguas, Editorial Estampa, Lisboa, 224 p.). Por culpa dos crioulistas e das suas
variadíssimas teorias e conjecturas erradas sobre a origem e formação das
línguas crioulas, que tiveram voga durante o século XX, parece que os escravos
até perderam o direito de terem e falarem as suas próprias línguas forras. Na crioulística parece que, essas línguas
também se tornaram propriedade dos respectivos patrões dos escravos até muito
depois da abolição da escravatura: vã
cobiça, tinham comprado os corpos, ou “peças” de escravos e queriam também ser
patrões das almas dos escravos...
Mestre Baltazar Lopes
da Silva (1984, O Dialecto Crioulo de Cabo Verde, Lisboa, Imprensa
Nacional–Casa da Moeda, 391 p.) estudou e discutiu aturadamente, entre as
páginas 19 e 24 do seu livro, e etimologia das palavras francesa créole, castelhana criollo, alemã Kreole e
italiana crioglio pela consulta de
vários dicionários etimológicos dessas línguas.
Abstraindo das divagações de alguns autores, que ignoram o português e
só se referem ao castelhano e ao francês, a origem comum é a palavra crioulo
portuguesa.
Para a palavra inglesa
creole, consultámos The Concise
Oxford Dictionary of Current English (1952, fourth edition, 1540 p.), que
faz derivar a palavra do castelhano criollo,
por sua vez derivado, sem explicar como, do castelhano criado e criar, ao passo
que Collin’s English Dictionary, duma edição eletrónica recente, cita as
palavras francesa e castelhana como vias de chegada ao inglês e faz tudo
derivar do português crioulo, que segundo este dicionário significaria escravo
nascido na casa do dono, quando, como vimos, o significado desse termo
português é muito mais rico e complexo.
Também se sabe que numerosas palavras portuguesas, como risco, parcel,
monção e casta, não precisaram de ser desviadas pelos caminhos escusos do
castelhano e do francês, para passar do português para o inglês. Porque é que isso teria acontecido à palavra
crioulo?
Quanto à palavra
neerlandesa creool, consultámos o
dicionário etimológico desta língua ou dialecto do baixo alemão (P. A. F. van
Veen, Nicoline van der Sijs, 1989, Etymologisch Woordenboek, Van Dale
Lexicografie, Utrecht / Antwerpen): a
palavra creool derivaria do português
crioulo, que deu também criollo em
castelhano e créole em francês. A sua raiz é o latim creare.
Os autores europeus
contemporâneos têm a tendência de fazer viajar as palavras portuguesas de
comboio pela Europa fora, de Portugal para Espanha, dali para França e depois
para os outros países da Europa, esquecendo-se ou ignorando que o português era
e é a língua do Brasil, onde se encontravam também os holandeses da Nova
Holanda ou Brasil Holandês, com a sua capital no Recife, entre 1630 e 1654,
Pode se tirar a conclusão
de que a origem comum é a palavra portuguesa crioulo. A filologia e a etimologia indicam portanto,
que o basilecto comum da grande maioria das línguas e dialectos crioulos da
América foi a língua crioula caboverdeana de neoformação. Não foi nenhum sabir (mistura de línguas) do
Mediterrâneo, por onde os portugueses não navegavam pouco mais além do que
Ceuta, talvez só até Honaine, porto de Tilemecene, onde adquiriam roupas e
tecidos, para vender na África Ocidental, nem foi nenhum esperanto criado em
Portugal para ensinar aos intérpretes ou línguas, numa escola de que não há
vestígios históricos, nem arqueológicos.
Em Portugal só havia
intérpretes de hebraico ou caldaico, berbere ou mouro e árabe, para os outros milhentos
idiomas das Áfricas e das Índias, os intérpretes eram admitidos localmente. Foi o que fez Diogo Cão, quando navegando
para sul chegou ao Zaire, subiu 150 km o Rio Poderoso até às primeiras
cataractas, sem língua, só por gestos.
Levou quatro congueses para aprenderem português em Lisboa, trazendo-os
poucos anos depois e um deles voltou a Portugal como embaixador d’El-rei do
Congo (Garcia de Resende, 1545, Crónica de Dom João II). Outros línguas ou intérpretes, talvez a
maioria, eram escravos. Rodrigo Alvarez
fez um contracto com Sancho de Muñon de Sevilha, em 10 de Outubro de 1475 sobre
o empréstimo do escravo Pedro Muça para levá-lo na sua caravela à Guiné como
língua (p. 212-213, Instituto de Investigação Científica e Tropical, Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1993, Setembro, Portugaliae
Monumenta Africana, Vol. I, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 497 p.). Fernão de Ávila, escravo foi enviado, por
língua, ao Benim e aos Rios, servir, por três anos com o feitor (Carta de
Manuel de Góis a El-Rei, Fragmentos e
cartas para El-Rei, Doc. 37, Maço 1, datada de São Jorge da Mina, 12.1.1510,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1993, Portugaliae
Monumenta Africana, Vol. V, p. 629). A 18 de Agosto de 1477, João Garrido, língua e
escravo de Gonçalo Toscano, recebeu carta de alforria, por serviços prestados e
a prestar na Guiné de donde era natural (p. 224-225, Instituto de Investigação
Científica e Tropical, Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1995, Dezembro, Portugaliae Monumenta Africana,
Vol. II, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 605 p.). Este escravo tornou-se assim um funcionário
da administração ultramarina portuguesa.
Ao longo dos anos e dos séculos, os línguas ou intérpretes passaram a
ser funcionários portugueses, como foi, por exemplo, o pai de Joaquim Alberto
Chissano, em Moçambique, no século passado.
A língua crioula caboverdeana,
tal como o latim, está na origem duma família linguística diversificada, não só
em África e à volta de África, mas também nas Américas e na Ásia. Para o crioulo da Jamaica temos o testemunho
dum linguista da Universidade de Winsconsin, que estudou a etimologia de trinta
palavras dessa língua relexificada em inglês e sobejamente descrioulizada. As trinta são de origem portuguesa certa ou
provável e teriam lá chegado desviadas pelos caminhos escusos duma misteriosa
caçanjaria de base portuguesa, que também as teria levado para muitas outras
línguas da América, África e Ásia (F. G. Kassidy, 1992, The Portuguese element
in Jamaican creole, Actas do Colóquio sobre crioulo de base lexical
portuguesa organizado em Lisboa por Ernesto d’Andrade e Alain Kihm, Edições
Colibri, p. 67 - 72). Lembra-nos o
autor, que, pelo menos um grupo de plantadores portugueses, ou mais
especificamente caboverdeanos da Guiana, se estabeleceu na Jamaica em 1675 com
os seus 950 trabalhadores caboverdeanos da diáspora. Lembra-nos também que os ingleses aprenderam
a cultivar cana com os portugueses, que eram caboverdeanos da diáspora. Depois, a situação ainda se teria complicado
quando, segundo ele, teria surgido uma nova caçanjaria inglesa na Jamaica,
falada por caboverdeanos... Este Autor
multiplica as hipóteses inúteis, disparatadas e não comprováveis. Não teria sido mais simples os escravos
caboverdeanos vindos do Brasil para a Guiana, que, além de plantar cana, também
sabiam fazer trapiches e fabricar açúcar nos engenhos, a ensinarem aos poucos
escravos, que já lá estavam e aos muitos que vieram depois para a Jamaica, a
fazer tudo isso, na sua língua, com a qual sempre comunicaram com os seus
patrões caboverdeanos, sem se distinguirem mutuamente pela taxa de melanina
dérmica, nem pelo estatuto social?
Pedimos paciência aos
leitores, que ficarem admirados e com dúvidas a este respeito e não quiserem acreditar
e aos lusófonos unilingues, que se deixarem tentar pelo demónio da inveja,
porque a língua portuguesa ainda não criou a sua família linguística, ao passo
que o crioulo caboverdeano, tal como o santomense, já têm as suas famílias
linguísticas, sendo a caboverdeana uma grande família de dezenas de línguas e
dialectos, em vários continentes, ilhas e oceanos.
Nos próximos
subsídios, será apresentada toda a documentação histórica, que prova
abundantemente, que foram os caboverdeanos dos primeiros a chegar, os primeiros
a plantar cana, a montar e a fazer produzir engenhos e que foram eles, que iam
ensinando, na sua língua de trabalho, a plantar cana e fazer funcionar
engenhos, aos trabalhadores forros e escravos, que encontraram nessas ilhas, e aos
novos escravos africanos, que vinham desembarcando para trabalhar nas
plantações de cana e nos engenhos de açúcar, cada vez mais numerosos. “Uma indústria de alta intensidade de mão de
obra e a necessidade de recuperar rapidamente os custos do investimento
inicial” e de satisfazer a procura do mercado global “causou influxos massivos
e rápidos
de trabalho escravo.” Durante esta fase, a importação de escravos para Suriname, num período de
vinte anos, aumentou dezassete vezes (Jack Arends, 1995, Demographic factos in
the formation of Sranan, in Jack Arends ed., The early stages of
creolization, Amsterdam, John Benjamin ‘s, p. 233-85) e a Jamaica
deparou-se com um aumento de noventa vezes da sua população de origem não
europeia em menos de trinta anos (Silvia Kouwenberg, 2009, Brebice Dutch, in
Suzanne Marie Michaelis et al. Ed., The Survey of Pidgin and Creole
Languages, Vol. 1, Oxford Univ. Press, p. 278-84), ao passo que, em Haiti,
a população não europeia, que tinha aumentado vinte vezes num primeiro período
de quarenta anos cresceu duzentas vezes, em pouco mais do que um século (John
V. Singler 2006, Children and Creole genesis, J. of Pdgin and Creole
Languages, 21, p 157-73). Durante
períodos similares, a população de origem europeia poucas vezes só duplicou ou
triplicou” (Dereck Bickerton, 2014, More than Nature needs, Language, Mind
and Evolution, Cambridge, MA,Harvard Univ. Press).
Ao ensinarem a sua
língua, os caboverdeanos não eram só guiados pelo amor da sua língua materna e
pela fraternidade com os outros trabalhadores escravos, eram também impelidos
pelos imperativos da produção e do desenvolvimento económico. A tecnologia mais avançada daqueles séculos,
que precederam a revolução industrial estava associada à língua caboverdeana,
foi ensinada e desenvolvida na língua caboverdeana.
Quanto aos crioulos
classificados pelo superstracto ou como “dialectos” das línguas dominantes da
expansão europeia no mundo, à volta do continente africano, no estado actual
dos nossos conhecimentos, só podemos tomar em consideração, no Atlântico, os
dois crioulos diferentes de léxico português, o de Cabo Verde, que foi o
primeiro a ser inventado pelas crianças da primeira geração, em Santiago e o santomense,
o segundo a ser inventado pela primeira geração de crioulos de São Tomé. As outras línguas ou dialectos crioulos da
África Ocidental, nomeadamente os chamados pidgin-english
do Ghana (cerca de 5 milhões de locutores), Nigéria (língua materna de 10
milhões, falada por mais de 75 milhões de nigerianos e camaroneses) e os
crioulos das outras ilhas do Atlântico, como o da ilha de Santa Helena, o fla danbon
ou fa dambu da ilha de Ano Bom, o da ilha do Príncipe, e o fernandino da ilha
Bioko ou Ilha de Fernão do Pó ou Ilha Formosa, pertencem às famílias
linguísticas destas duas línguas crioulas de neoformação. São de léxico etimologicamente português ou
relexificadas em inglês directamente ou indirectamente por intermédio da língua
krio da Serra Leoa, ela própria crioulo caboverdeano relexificado em inglês.
O krio também originou
a sua própria família linguística de que faz parte, por exemplo, a língua da
etnia gullah da Carolina do Sul e da Geórgia (Joseph A. Opala, 1985?, The
Gullah: Rice, Slavery and the Sierra
Leone - American Connection, Fourah
Bay College, University of Sierra Leone, www).
Não foi só com a etnia Gullah que o krio chegou aos Estados Unidos. Os colaboradores dos mercadores negreiros ingleses,
para angariar mão de obra cativa na Costa da Malagueta, Costa do Marfim, Costa
do Ouro e Costa dos Escravos e transportá-la para a América, falavam krio, que
ensinaram na costa ocidental de África e esta língua da famíla caboverdeana foi
também levada para os Estados Unidos da América, acabando ali descrioulizada. O Professor William Alexander Stewart
(1970-1977) tornou-se a mais alta autoridade do idioma gullah e depois
dedicou-se ao estudo do inglês vernacular afro-americano. Cedo avisou os professores das escolas
primárias americanas de que as dificuldades de aprendizagem de inglês, que
tinham as crianças de pais afro-americanos, estavam ligadas a dialectos em vias
de descrioulização da família do krio, que ainda falavam em casa. Para facilitar a tarefa dos professores
primários, orientou-os para o estudo desse crioulo americano chamado inglês
vernacular afro-americano, contribuindo decisivamente para o desaparecimento
natural do crioulo americano, ou melhor dos seus vestígios, o espectro de
dialectos, variantes e falares da descrioulização (post creole continuum) do krio.
No Oceano Índico, mais
precisamente nos arquipélagos das Mascarenhas e do Almirante, o crioulo
“francês” poderia estar ligado à cultura do café introduzida entre 1715 e 1730
e ter sido inventado pelas crianças da ilha Bourbon ou Reunião e levado, por
elas, depois de crescidas, para as outras ilhas do Arquipélago das Mascarenhas
e para o Arquipélago do Almirante. Porém, na ilha Maurícia, os holandeses
introduziram a cana de açúcar, em 1639 e os engenhos começaram a
produzir açúcar em 1696, antes de ter chegado o café às Mascarenhas. Nas colónias holandesas, quem dominava a
tecnologia e detinha os segredos (= know-how)
da fabricação do açúcar de cana era, como veremos mais adiante, a nação ou
diáspora caboverdeana e portuguesa das ilhas ABC (Aruba, Bonaire e Curação) e
da Guiana, cuja língua de trabalho era o idioma caboverdeano. Quem detinha o capital eram os portugueses e
caboverdeanos da sinagoga portuguesa de Amesterdão. Tudo indica que os caboverdeanos já estavam a
trabalhar no Arquipélago das Mascarenhas antes de lá chegarem o café e os
escravos de Madagascar e de Moçambique.
Parece não ter havido condições favoráveis para a formação dum crioulo
pela primeira geração de crianças dos trabalhadores das plantações de café da
ilha de Bourbon, que eram quase todos malgaxes provenientes de Fort Dauphin ou
Toamasina, com a sua única língua nacional da família austronésia (Pier M.
Larson, 2007, Enslaved Malagasy and “Le Travail de la Parole” in
pre-revolutionary Mascarenes, J. of African History, 48, p.457-79,
Cambridge Univ. Press). O crioulo da
ilha de Bourbon, ou da Reunião verosimilmente veio da ilha de França ou
Maurícia com a indústria açucareira. Com
efeito, durante a ocupação inglesa, depois da derrota de Napoleão Bonaparte, na
Europa, as plantações de café da ilha de Bourbon foram destruídas por um ciclone
e substituídas por plantações de cana de açúcar e o açúcar de cana é, ainda
hoje, a principal riqueza da ilha da Reunião ou de Bourbon.
Mestre Francisco
Adolfo Coelho (1880, 82, 86, Os dialectos românicos ou neo-latinos na África,
Ásia e América, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, reedição da
Academia Nacional de Cultura Portuguesa em Estudos Linguísticos, Crioulos,
1967, Lisboa, p. 1 - 234) tinha antecipadamente posto em dúvida a teoria da
origem do crioulo mauriciano, quando lá chegaram os primeiros colonos franceses
vindos da Bretanha: em mauriciano diz-se
amarrer, em vez de attacher e como em português amarrar,
diz-se também espérer, em vez de attendre e como em português esperar e
diz-se ainda larguer, em vez de lâcher e como em português largar. O mesmo acontece nas línguas crioulas das
Pequenas Antilhas, que derivaram do crioulo caboverdeano relexificado em
francês, nas ilhas de Guadalupe e Martinica.
Na maioria das
Pequenas Antilhas, mesmo aquelas, que como a Grenada, onde a língua dominante
deixou de ser o francês e passou a ser o inglês, depois das guerras napoleónicas,
falam-se dialectos crioulos relexificados em francês mutuamente
compreensíveis. As moças cantam e bailam,
para se despedirem dos rapazes, na alvorada e encerrar as farras, uma “coladeira”
cuja letra está parcialmente reproduzida no texto
da caixa.
Oh, oh, oh, larguez moin,
jour à caille ouvert, larguez moin!
Jour à caille ouvert, larguez moin,
Pou moin aller vouer mama moin.
Oh, oh oh, larguez moin!...
(Oh, oh, oh,
larga-me,
o dia começa a despontar
na rua, larga-me!
O dia começa a despontar
na rua, deixa-me,
vou ver a minha
mãe.
Oh, oh, oh, deixa-me!...)
A reprodução foi
feita em ortografia etimológica francesa arbitrária. A tradução portuguesa entre parênteses foi
revista pela Professora Arlette Lorne Rocha, martiniquesa dos quatro costados,
natural de Dacar.
Em crioulo das
Pequenas Antilhas, utilizam o verbo larguer,
com o significado de lâcher em
francês e largar ou deixar em português.
Pode ainda observar-se neste texto, que a palavra rua parece derivar do
castelhano relexificado em francês e que o verbo ver parece ter ficado a meio
caminho da relexificação em francês.
Esta canção é muito popular na Guadalupe, Martinica e outras pequenas
Antilhas, que foram colónias francesas e falam actualmente línguas e dialectos
crioulos com léxico maioritariamente francês.
Ainda no Índico, para
o Ceilão Português ou Taprobana (1505-1658), os portugueses levaram populações
de origem africana, que ainda são hoje minorias estabelecidas, tanto na costa
ocidental, como na costa oriental da ilha, designadas actualmente por burghers portugueses, nas cidades e
cafrinhas nas aldeias. Foi antes de
estar organizado o comércio de escravos em Angola e Moçambique, tratava-se de
marinheiros e soldados caboverdeanos e de escravos de armas treinados em Cabo
Verde e falando crioulo. Com os
holandeses foram da Guiana para Ceilão e para a Indonésia soldados
caboverdeanos da grande diáspora da nação portuguesa.
Foram certamente os primeiros
soldados caboverdeanos chegados a Ceilão em 1507, que ensinaram a sua língua materna,
como fizeram, nas Américas, os trabalhadores caboverdeanos especializados nas
tecnologias da cana doce. Os caboverdeanos,
os cristãos católicos das Índias, Ceilão e Malaca e os macaístas não têm
dificuldade em se entenderem, falando uns com os outros as suas próprias
línguas e dialectos (Associação das Universidades da Língua Portuguesa, 2010, Interpenetração
da Língua e Culturas de / em Língua Portuguesa, Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa, Instituto Internacional de Língua Portuguesa, Lisboa, 251 p.),
como acontece também quando marinheiros caboverdeanos visitam esses países, fazendo-se
perfeitamente compreender na sua língua caboverdeana (Arsénio Pina, 2013, Comunicação
Verbal).
Sebastião Rodolpho
Dalgado (1900, Dialecto Indo-Português de Ceilão, Imprensa Nacional de
Lisboa, 259 p.) utiliza o termo de “crioulo de Ceilão”, para designar este
“dialecto indo-português” com um “carácter um tanto indefinido ou flutuante”,
fazendo lembrar o sistema crioulo da Guiana (Dereck Bickerton, 1975, Dynamics
of a Creole System, Cambridge of a University Press, 224 p.). Depois de ler os textos de crioulo de Ceilão
apresentados por Monsenhor Dalgado e tendo já lido textos de papiá cristão de
Malaca (António da Silva Rego, 1942, Dialecto Português de Malaca,
republicado em 1998 com outros textos do mesmo autor pela Comissão Nacional
para as comemorações dos descobrimentos portugueses, Lisboa, 302 p.) e falado
com macaístas na sua língua materna, Daniel dos Santos Nunes (11.6.2014, Comunicação
Verbal) não hesita em afirmar que todos são dialectos do crioulo
caboverdeano, facilmente compreensíveis por um caboverdeano. Parece assim que não houve crioulos de
neoformação nem na Índia, nem em Ceilão, nem em Malaca, nem na Indonésia, nem
na China. Trata-se de dialectos do
crioulo caboverdeano. Só muito poucos
como, em Goa, teriam sido dialectos portugueses.
O próprio dialecto de
Damão é um dialecto caboverdeano mais influenciado pelo adstracto guzarate e
mais descrioulizado do que o dialecto caboverdeano de Ceilão (Arsénio Pina,
2013, Comunicação Verbal).
Um crioulo de léxico
inglês nasceu em Hauai no século XX e foi aí que Derek Bickerton (2008, “Bastard”
Tongues, a trailblazing linguist finds clues to our common humanity in the
worl’s lowliest languages, Nova Iorque, 270 p.) esclareceu a origem das
línguas crioulas e confirmou as hipóteses do Mestre Francisco Adolfo Coelho
(1880, Os dialectos românicos ou neo-latinos na África, Ásia e América, Boletim
da Sociedade de Geografia de Lisboa, 2ª Série, Nº 3, p. 129-196), que indica
como seu percursor.
Crioulos “espanhóis” praticamente não existem na
América, onde estão em vias de extinção algumas variedades de “espanhol boçal”
herdadas dos antigos escravos de origem africana: seriam dialectos do castelhano, ou de alguma
língua africana. Quem ensinou a plantar
cana e a fazer açúcar nas colónias espanholas furam os canários. É muito
improvável que para lá tenham ido trabalhadores caboverdeanos ou santomenses.
Nas Filipinas, em
vários portos e cidades do litoral, fala-se uma língua chamada español chabacano ou espanhol vulgar,
ordinário, grosseiro, que seria um crioulo de base castelhana, segundo os
linguistas que o estudaram. Para John M.
Lipski (1988, Philippine creole Spanish:
reassessing the Portuguese elemento, Zeitschrift für romanische Philologie,
104, p. 25-45; 1986, The Portuguese element
in Philippine creole Spanish : a critical reassessment, Philippine Journal of Linguistics,p. 1-17) a estrutura desta
língua é a de uma língua crioula, mas duvida que seja da família dum crioulo de
léxico português como o caboverdeano ou línguas derivadas na Ásia, como o
crioulo de Malaca e o de Java. Só novos
documentos escritos em chabacano do século XVI poderiam dissipar a sua
dúvida. Tratando-se de uma língua falada
por uma grande maioria de analfabetos, parece uma dúvida linguística difícil de
dissipar, sem sair da linguística e sem considerar a história dos falantes de
chabacano e seus antepassados. Ao sudoeste
da ilha de Mindanao, o chabacano é ainda falado por cerca de 200.000 pessoas e
é uma das línguas oficiais da cidade de Zamboanga, onde é designado por chavacano. Na ilha de Luzon, baía de Manila havia ainda três
variedades ou dialectos de chabacano mutuamente compreensíveis pelos respectivos
falantes e pelos falantes da ilha de Mindanao.
Um dos dialectos da baia de Manila, extinguiu-se na cidade de Manila,
outro é ainda falado por poucas pessoas de Cavite, a antiga capital das Filipinas
e o outro é falado pela maioria dos habitantes da cidade de Ternate, muito
próxima. Os linguistas e filólogos
filipinos imaginaram que o chabacano teria nascido no estaleiro naval de Cavite
(Astillero de la Ribera), onde foram
construídos quase todos os galeões, uma centena, que iam e voltavam para
Acapulco, Nova Espanha, duas vezes por ano, durante duzentos e cinquenta
anos. Nesse estaleiro, os filipinos,
como cerca de um século mais tarde, durante a construção das muralhas e
fortaleza de Zamboanga, aprenderam a falar primeiro una algarabia de castellano e acabaram por falar castelhano
correctamente com a escolarização, do qual se esqueceram, quando deixou de ser
ensinado, em meados do século XX. Em
Cavite havia duas línguas em presença, tagalá e castelhano e os trabalhadores
filipinos tinham as suas famílias perto, na cidade ou no campo. O mesmo aconteceu em Zamboanga, os
trabalhadores não ficaram fechados no estaleiro da fortaleza nem num compondo,
como os mineiros sul-africanos. Porém,
para a fortaleza vieram soldados de Ternate, que eram dos melhores, que tinha o
governador espanhol de Cavite. Mandou-os
combater os moros do sul e reprimir
rebeliões até que, no século XIX, passaram a combater pela independência, nas
planícies e nas montanhas da ilha de Luzon contra os espanhóis (Major Basílio
Ramos) e, depois, contra os americanos (Julián Ramos). Os antepassados desses ternatenhos filipinos
vieram da fortaleza portuguesa de Ternate, nas Molucas, por onde passaram São
Francisco Xavier, como missionário, que pregava e catequisava em crioulo, e Luís
de Camões, como soldado, que náo falava crioulo. Do forte de São João Baptista de Ternate, os
portugueses retiraram-se para o Forte dos Reis Magos de Tindore, na ilha
vizinha, expulsos pelo sultão da ilha de Ternate. Antes de ser abandonada, em proveito dos
holandeses, Ternate tinha sido reconquistada, em 1606, por uma armada enviada
das Filipinas pelo governador D. Pedro da Cunha.
Como acabámos de
verificar, mais acima nas Filipinas, não houve condições para surgir um crioulo
de neoformação, tudo foi obra do crioulo de Cabo Verde. Chegados a Cavite com suas famílias, os
militares das Molucas, mais escuros do que os filipinos, logo declararam que
eram homens forros. Foram conhecidos por
mardicas, do holandês mardijker, que
significa forro. Os mardijker da Indonésia holandesa eram descendentes dos escravos
caboverdeanos, que os holandeses tinham trazido com carta de alforria das suas
colónias das Caraíbas para Java. Falavam
o crioulo caboverdeano, iam às igrejas protestantes, onde os sacerdotes
holandeses tinham traduzido a Bíblia em crioulo, mas continuavam a praticar a
sua religião em casa e vestiam-se à portuguesa.
Ao fim de poucas gerações em exogamia, só pela língua materna, que
falavam, se distinguiam bem dos javaneses e malaios.
Para ficarem perto da fortaleza da capital, o
governador mandou instalar os ternatenhos e suas famílias nas proximidades, num
lugar a que eles deram o nome de Ternate, ilha e vulcão de donde vinham. Dali passaram, levando a sua língua para
Cavite e para as guarnições do sul de Mindanao.
Durante a sua presença, nas Filipinas, o crioulo caboverdeano conviveu
primeiro com o adstracto dominante castelhano, sendo relexificado. Em Luzón conviveu
com o tagalá, em Mindanao com o cebuano e finalmente, até hoje, com o inglês e
a língua nacional, que é o tagalá. Os
linguistas têm estudado os efeitos dessas línguas no chabacano, que foi
comparado com o macaísta, mas até hoje ninguém se lembrou de o comparar com
crioulo caboverdeano, nem mesmo com o papeamento cristão de Malaca. Tem 80% de léxico castelhano, 20% de léxico
filipino e uma dúzia de palavras portuguesas, sem contar todas as palavras
castelhanas muito parecidas com as portuguesas, que deviam ser subtraídas dos
80% de léxico castelhano, para formar um grupo separado de origem portuguesa. Dos três dialectos chabacanos, foi no
ternatenho que se encontraram mais palavras portuguesas, o que não é de
admirar, porque é da família directa do crioulo caboverdeano, veio de um forte
português e porque os dois ou três outros (zamboangano, cavitenho e ermitenho
extinto de Manila) derivaram dele (John M. Lipski, Chabacano/Spanish and the
liguistric Philippino identity, 33 p., http://www.personal.psu.edu/jml34/
chabacano.pdf; Marivic Lesho & Eeva
Sippola, 2014, The Ohio State University – Aarhus University, Folk perceptions
of variation among the Chabacano creoles, 46 p., Revista de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e
Espanhola, ISSN 1646-7000, Vol. 5 , 2014,
http://www.acblpe.com/
files/1.%20Folk%20perceptions %20of%20variation%20among%20the%20Chabacano%
20creoles.pdf).
Foi assim, que o castelhano deixou de se falar nas
Filipinas, mas continuou a falar-se uma língua crioula, que os portugueses levaram
para Ternate e, mais tarde, os holandeses trouxeram das Caraíbas e, finalmente,
os espanhóis foram buscar à Indonésia Oriental, com os seus falantes. Em Manila, já não se fala chabacano, em
Cavite corre perigo de se extinguir, em Ternate ainda se fala e em Zamboanga,
está a recuperar a sua vitalidade de língua da família caboverdeana, com o seu
léxico castelhano e português e, com os seus 200.000 falantes. Não corre perigo de se extinguir e é mesmo o
mais bem colocado para fazer perdurar, na Ásia, a família das línguas
caboverdeanas (Mauro Fernández, Universidad de A Coruña, 2001 ¿Por qué el
chabacano?, Estudios de Sociolingüística, 2:2, 2001, pp. i-xii, http://www. sociolinguistica. uvigo.es/ descarga
_gratis.asp%3Fid%3 D48).
Graças aos dialectos caboverdeanos das Filipinas, ainda há vestígios de
castelhano nas Filipinas.
De Java, onde foi
chamado portugis e papiá tugu do nome da aldeia, nos
arrabaldes de Djakarta, onde residiam os mardijkers,
o crioulo caboverdiano vindo da Guiana e das ilhas ABC também foi parar à
cidade do Cabo com os descendentes dos mardjikers
conhecidos por malaios portugueses. O
Professor D. C. Hesseling, linguista holandês afirma que, durante o século
XVIII, quase toda a população do Cabo, incluindo os hotentotes e os escravos,
era bilingue, falando holandês e crioulo, a que chamavam malaio-português. Segundo ele, foi do contacto do holandês com este
crioulo, que nasceu o “dialecto holandês” Afrikaans, que mais tarde veio a ser
uma das línguas nacionais da África do Sul (Marius-Fraçois Valkhoff, 1963, Algumas
Reflexões sobre os Dialectos Crioulos, Texto da conferência promovida pelo
Centro de Cultura de São Tomé e Príncipe a 15 de Julho de 1963 revisto pelo
Autor, Separata do Bol. Mensal da Sociedade de Língua Portuguesa, Lisboa,
1968, p. 49 -60). A língua nacional Afrikaans
precisa de ser comparada com o crioulo caboverdeano, pelos glotólogos
caboverdeanos, se é que ainda não o foi, as relações entre a República de Cabo
Verde e a República da África do Sul têm sido excelentes desde a independência. Não será a primeira língua nacional o
resultado da relexificação, em benefício da língua dominante holandesa, e
concomitante descrioulização da segunda língua nacional? Esta primeira não pertenceria á família
linguística da segunda língua nacional, o crioulo caboverdeano? Hoje, os holandeses compreendem a língua
nacional Afrikaans, sem dificuldade.
Porém, talvez não seja tão fácil para eles compreenderem Afrikaans
falado pelos chamados Cape coloured
da Província do Cabo ocidental da África do Sul. Talvez não cheguem a compreender o Afrikaans
falado pelos hotentotes da Namíbia.
Provavelmente caboverdeanos da Holanda e falantes de papeamento das
ilhas ABC, compreendê-los-iam sem dificuldades.
O Afrikaans da África do Sul, tal como a língua falada pelos
descendentes de africanos nos Estados Unidos da América, é um espectro de
dialectos, variantes e falares da descrioulização (post creole continuum). Na
América, está em vias de desaparecer, ou já desapareceu. Na República da África do Sul, tornou-se uma
língua de cultura e uma língua nacional, por obra dos seus falantes com fraca
taxa de melanina dérmica, cabelos loiros e olhos azuis.
Mais acima foram
citadas as informações do linguista holandês, Professor D. C. Hesseling,
segundo as quais os hotentotes do Cabo falavam afrikaans, no século XVIII. Mas os hotentotes da Namíbia ainda o falam
hoje. Sabe-se que grande parte de
naufrágios de navios portugueses vindos da Índia ocorriam, depois do Cabo ao
longo da costa da Namíbia maltratadas por tempestades e serras de água. Esses navios transportavam portugueses de
regresso a Lisboa e soldados caboverdeanos de regresso ao Arquipélago. (Quirino
da Fonseca, 1926, Os Portugueses no Mar, Memórias Históricas e Arqueológicas
das Naus de Portugal, Vol. I, Ementa Histórica das Naus de Portugal,
798 p.) Os náufragos que conseguiam
chegar vivos à praia, com falta de recursos, nem sempre podiam seguir, por
terra, para Moçambique. Uma vez
construíram barcos com a madeira do navio naufragado e rumaram a Norte, para
Angola. Frequentemente, dividiam-se em
dois grupos: um grupo com famílias de
portugueses reinóis procurando, a pé, alcançar Moçambique e aguardar a carreira
da Índia. Outro grupo de escravos de
armas, que ficavam e procuravam subsistir na Namíbia. Assim deve ter chegado o crioulo caboverdeano
à Namíbia, esses “hotentotes” da Namíbia, falando Afrikaans, são certamente
descendentes de náufragos caboverdeanos, que voltavam do serviço militar na
Ásia, ou faziam parte da tripulação e guarnição das naus de regresso ao Reino.
Outro idioma crioulo
que costuma ser erradamente classificado como espanhol (Peter Austin et al., 1996,
O Atlas das Línguas, Editorial Estampa, Lisboa, 224 p.) é o papeamento,
que todos sabemos ser crioulo de Cabo Verde, com algum léxico neerlandês e castelhanismos.
Os portugueses e caboverdeanos judeus foram
para a Guiana e para as ilhas ABC, vizinhas da costa da Venezuela, cultivar
cana e produzir açúcar, quando os holandeses abandonaram o Brasil. De Cabo Verde, tinham levado a língua materna
e língua de trabalho comum a todos, patrões, trabalhadores cativos e
trabalhadores forros, assim como os seus costumes religiosos e sociais. Apesar de terem liberdade de opinião,
pensamento e religião tanto nas ilhas ABC, como na Guiana, continuaram a cobrir
de areia o chão das sinagogas, como nos sobrados de Cabo Verde, onde a camada
de areia se destinava a amortecer o barulho dos passos das muitas pessoas, que
se reuniam aos sábados, nas sinagogas clandestinas (Edmond S.Malka, 1997, Fiéis
Portugueses, Judeus na Península Ibérica, Edições Acrópole, Alfragide-Damaia,
168 p.) camufladas em mosteiros, na ilha do Fogo, e eles próprios em monges e frades. Foi assim, disfarçados de pobres frades vindos
do Brasil, que, mais tarde, se apresentariam ao governadores franceses da
Martinica e da Guadalupe, pedindo autorização e concessão de terras para
plantar cana (Arlette Lorne Rocha, 2012, comunicação verbal).
O outro crioulo
classificado “espanhol” é o palenqueiro, língua levada, em meados do século
XVII, para o palenque, ou quilombo de
San Basilio, nas montanhas da província de Bolívar, capital Cartagena de las
Indias, Colômbia, por escravos originários de São Tomé, que ali se fortificaram
e defenderam até que El-rei de Espanha reconhecesse a sua liberdade, numa carta
de alforria e tratado de paz. O padre
Alonso de Sandoval (1627, De Instauranda Ethyopum Salute, Sevilla,
Empresa Nacional de Publicaciones, Bogotá, 1956, p. 94), que estava em
Cartagena, falava crioulo santomense aprendido no Golfo da Guiné e, nesta
língua, desempenhava os seus deveres religiosos junto dos escravos que iam
chegando. Ele afirmou que quase todos o
compreendiam.
“Sabemos, pues, a ciencia
cierta, que muchos de los esclavos llegados a Cartagena de Indias hablaban este
lenguaje criollo a base portuguesa y que los esclavos que formaron el palenque
de San Basilio, desde 1608 y durante los años subsiguientes, se establecían allí
hablando y conservando su lenguaje criollo con todo su sabor portugués. Con el pasar de los años y bajo la influencia
del castellano que se hablaba en la costa colombiana, el lenguaje criollo de
base portuguesa que era la lengua ‘oficial’ del pueblo del palenque de San
Basilio, iba poco a poco relexificándose y restruturándose hacia los patrones
del castellano.” (Wiiliam W. Megenney, University of California, Riverside,
1983, La Influencia del Portugués en el Palenquero Colombiano, Thesaurus,
Centro Virtual Cervantes, Th. XXXVIII, No. 3, p. 548-563).
No palenqueiro ficaram
palavras do quimbundo, sinal de que os escravos chegados à Colômbia falavam o
dialecto angolar ou forro do crioulo santomense. Teriam sido prisioneiros da guerra do mato em
São Tomé, ou, talvez, forros enganados pelos mercadores de escravos, que os
teriam embarcado, dizendo-lhes que os levavam de volta a África.
Lembremos ainda que, graças
aos revolucionários sandinistas, nasceu uma algaravia e depois um crioulo de
sinais na Nicarágua. Depois de deposto o
regime totalitário da família Somoza, o novo governo abriu, pela primeira vez
naquele país, uma escola para crianças surdas de nascença. Os primeiros alunos dessa escola foram
adolescentes e adultos, que ignoraram o castelhano de sinais que os professores
tentavam ensinar-lhes e acabaram por comunicar no Lenguaje de Señas
Nicaraguense (LSN), um pidgin ou
língua simplificada de sinais, ou algaravia de sinais. Depois vieram crianças pequenas ou crioulos,
que inventaram rapidamente o Idioma de Señas Nicaraguense (ISN), uma língua complexa
com as suas próprias regras gramaticais, um crioulo de sinais ou gestos (Judy
Kegle, University of South Maine, citada por Derek Bickerton, 2008, Wikipedia, Psycholinguistics
/ Pidgins, Creoles and Home Sign).
Voltando ao crioulo de
Damão, também ali conhecido por língua da casa, ou português badrapor (http://discover-daman.com/eu-falo-portugues/),
reproduzimos a seguir um texto desse dialecto damanense do crioulo caboverdeano.
Fábula
de Esopo, um escravo grego de origem africana, contada no dialecto damanense da
língua crioula caboverdeana de neoformação:
A Velha e o Galo
Antú vi. Eu tem contan pór-óss um chistoz histór. Mim mãe tim fallan quando tinh piquinin.
Tinh naquell temp
um velh morteng. Éll tinh doi creád
mulher e bastante bazrúc (*). Esse doi
mulher, um tinh nõm Gitrud e ôt Anall. Bem cêd aquell velh tinh fazen cordá sú
criád quando tinh cantan gáll. Análl já
falou pú Gitrud: Ess nóss don munt
rabjent; qui cêd já tem fazen
launtá; num tem dixan durmi mesmo tud
nôt. Gitrud já respondeu: Bai Anall, bam nós fazê un cóiz; vóss turcê gargant de gall e falla pú
velh: Gall tinh gemen gemen, já isticou
canell. Qi há fazê Bai? Anall já fazeu qui lai Bai Gitrud tinh
fallan. Velh já ficou munt mortificad.
Mas ósstem saben,
éll qui coiz já fez? Éll num tinh durmin
e tá fazen cordá mê-nôt. Qui disgrass!
Amb já ficou
arrependent munt, mas qui á fazê? Tard
arrependid infern tem chê.
(*) Bazaruco é o nome duma moeda que circulou em
Damão. Aqui significa dinheiro, riqueza.
António Francisco Moniz, 1923, Notícias
e Documentos para a História de Damão, Antiga Província do Norte, Volume
Primeiro, Bastorá, Tip. Rangel, 327 p.
Quem tiver dificuldade
em reconhecer o damanense como dialecto caboverdeano pode ainda referir-se às fotografias
na Internet de damanenses, que falam este dialecto. Em Damão, os caboverdeanos parece que
mantiveram os critérios antigos dos colonos portugueses de meados do século XV
para escolherem as escravas nos mercados e as suas noivas. As damanenses descendentes dos caboverdeanos,
que foram defender a fortaleza e fortes de Damão são belíssimas.
O número de falantes de crioulo damanense é geralmente
avaliado em 2.000 a 4.000, segundo as fontes, mas a Associação
Luso-Indiana Damanense (Portuguese-Indian
Association of Daman) avalia esse número em mais de
10.000 pessoas. Os falantes de damanense
seguem a religião católica. A língua
caboverdeana, em Damão e Diu, com poucos falantes está ameaçada de
extinção. Como na ilha das Flores, em Tugu,
Java com a morte do último falante, o mardica Joseph Quiko, em 1978 (Wikipedia,
Mardijker Creole) e, em Cochim, recentemente (Hugo Canelas Cardoso,
30.10.2010, The Death of an Indian born language, http://www.
openthemagazine.com/article/art-culture/the-death-of-an-indian-born-language),
com a morte do último falante William Rozario, a 20 de Agosto de 2010, aos 87
anos de idade, poderia acontecer, que deixe de ser falada e se mantenha,
talvez, nas orações e cerimónias da religião católica. Porém, os damanenses são muito activos na
defesa da sua cultura. Além disso, o
crioulo não nasceu na Índia do casamento entre o português e várias línguas
indianas, foi levado para a Índia pelos marinheiros e soldados caboverdeanos e
evoluiu em contacto com várias línguas indianas, como, neste caso, o malaialamo,
para dar muitos dialectos, entre os quais este crioulo de Cochim, que deixou de
ser falado recentemente. Além de Korlai,
nos arrebaldes de Bombaím, onde o crioulo é falado por cerca de 1.000 pessoas,
na Índia, praticamente só subsistem os dialectos de Damão e Diu (Hugo C.
Cardoso, 2009, The Indo-Portuguese language of Diu, Utreque, LOT
Publications,351 p.), este último só com poucas centenas de falantes.
Os descendentes dos
escravos de armas da fortaleza de Diu estão integrados na sociedade indiana e
são muito activos na vida social da ilha Diu, como se pode ver na fotografia seguinte.
Fig. 2. Durante a Festa de Diu apresentaram-se estes
descendentes dos escravos de armas caboverdeanos da guarnição da fortaleza de
Diu (http://www.daman.nic.in/Festa-De-DIU.aspx#).
1 comentários:
Se me fosse possivel faria chegar (pelo menos) este artigo a duas pessoas que, aliàs, jà o devem conhecer.
Estou feliz navegndo por essas àguas com tanto coral lulti-colorido.
Bem haja quem acarinha esse site.
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