É inoportuna! É insensata! É afrontosa! E o regabofe continua…

sábado, 25 de março de 2017
Quando há um ano votámos mudança, e anunciamos a Primavera Política, na cabeça de todos e de cada um estava gravada “alternativa” e não apenas “alternância”. Esta, num bom e escorreito português, significaria que apenas as “moscas” é que teriam de mudar. E não era isto que nós seguramente queríamos. A alternativa é mais abrangente, porque traz subjacente a alternância uma vez que com as mesmas pessoas ou com as mesmas leis não haverá lugar a alternativa. Esta – a alternativa – significa, tão-somente, mudança de políticas e não apenas de pessoas. Por isso, pensávamos na mudança de paradigmas, na dinamização da economia, na busca de novas fórmulas de governação, na inovação e criatividade na maneira de fazer política, na seriedade e honestidade dos governantes e, obviamente, na sua competência e capacidade de trabalho. 

Em suma, pensávamos em reformas estruturais e no dinamismo dos governantes para rapidamente as realizar em benefício dos cabo-verdianos e do País. As nossas esperanças respaldavam-se nas promessas de campanha e na crença na seriedade dos seus protagonistas.

Depois da vergonha passada com os TACV, do sobre-endividamento do País, do nível de desemprego, da anémica taxa de crescimento da nossa economia, do amiguismo e nepotismo que grassava na nossa administração pública e nas demais instituições do Estado não era difícil fazer passar as promessas. Tanto é, sabe-se, que é muito fácil acreditar naquilo que se deseja e se aspira.

Passado um ano, sejamos claros e honestos: A situação em nada, ou em muito pouco, mudou. E em alguns casos, sequer as tais “moscas” de que nos referimos atrás.

Um quinto do mandato está cumprido, aliás, passado. Pode ser pouco para fazer coisas, mas é suficiente para se ter uma projecção. E a que temos neste momento não é animadora porque nem tão pouco acendeu uma fagulha para alimentar a esperança.

O País tem sido surpreendido por escândalos atrás de escândalos. Alguns pequenos, protagonizados por alguns dirigentes de topo da nossa administração, materializados em passeatas reflectindo alguns regabofes à custa do erário, outros por membros de governo com afirmações insensatas, descabidas e ligeiras, outros ainda, de dimensão nacional sob forma de decisões (ou ausência delas) do Governo.

Não nos vamos, para já, ater às heranças deixadas pelo anterior Governo – TACV (dez milhões de contos), flop das Barragens (centenas de milhares de contos), derrapagens das obras públicas (largos milhões de contos), Casa-Para-Todos (cerca de 22 milhões de contos), sobreendividamento (130% do PIB), Desalojados da Chã das Caldeiras, Fastferry, etc. etc – que o actual Governo conhecia e prometeu corrigir e resolver, quiçá, ainda que parcialmente, através do então prometido “Programa de Emergência”.

Mas também não vamos falar das passeatas indecorosas umas, inócuas e sem sentido outras, dos dirigentes da nossa administração, latu sensu (governantes, empresas públicas e instituições autónomas, inclusive). Nem tão pouco do enorme escândalo financeiro que representa o Novo Banco de Cabo Verde (1,8 milhões de contos para os contribuintes). Sobre este assunto muita água ainda vai correr debaixo da ponte e muita lágrima por cima, se houver seriedade e responsabilização efectiva.

E também não vamos falar do actual marasmo absoluto em que se encontra a nossa economia tão acarinhada e apaparicada há pouco mais de um ano, pelo actual Ministro das Finanças quando se encontrava na oposição.

Decididamente, não vamos falar [agora] de nenhum desses assuntos que envolvem o nosso ambiente socio-económico e financeiro e que constituem fortes constrangimentos ao desenvolvimento da nossa economia – não que não mereçam uma reflexão séria e imputação de responsabilidades – porque são já factos consumados de graves consequências que se prolongam pelas gerações vindouras que terão de tirar daí, depois de uma profunda reflexão, as suas ilações em relação àqueles cuja arrogância, insensatez, ganância e alguma incompetência nos atiraram para este fosso.

Vamos falar muito brevemente da construção da sede do Banco de Cabo Verde (BCV) num ambiente de grandes dificuldades para o País, como atrás referimos e que o escândalo financeiro do NBCV tem relegado para um plano secundário.

O BCV, em nossa opinião, – de quem havia de ser? – foi insensato, inoportuno e muito pouco solidário ao repescar um projecto há já cinco anos cirurgicamente (politicamente) “abandonado”... E o Governo agiu muito mal, ao tornar-se cúmplice, com o seu aval, caindo numa “armadilha” deixada pelo anterior Governo e agora subtilmente estendida.

A construção, agora e já, da sede do BCV sugere uma afronta e suscita um fortíssimo apelo ao nosso direito à indignação, independentemente da origem do dinheiro que, dada a natureza da instituição, é sempre garantida pelo Estado em caso de qualquer percalço ou eventual colapso da estrutura de onde vem. Atente-se bem ao trajecto que os fundos do INPS – também dos trabalhadores – tem tido!...

Gastar – não é o mesmo que utilizar – mais de dois milhões de contos (sem contar as normais e habituais derrapagens) numa infra-estrutura que nenhuma falta fará, por longos anos, quanto à sua funcionalidade, configura uma impiedosa megalomania porque bole insultuosamente com a pobreza e a miséria de uma significativa faixa da população de um País que luta com carências básicas várias.

O BCV é do Estado de Cabo Verde. Não pode nunca ser visto como uma entidade estranha. É dos contribuintes, qualquer que seja o ângulo em que seja visto. É por isso é que se exige o aval do Governo. Não se compreende esta, aparentemente, absurda e ofensiva ostentação de riqueza digna do mais primário terceiro-mundismo num momento em que o País vive tempos difíceis. É que nem sequer de marketing se trata porque não é um banco comercial.

E o que consta, a ser verdade, é grave, muito grave mesmo: é que o actual edifício da sede tem suficiente espaço para acomodar todo o pessoal do BCV. E que não seria preciso nenhum Siza Vieira ou Souto de Moura para encontrar soluções arquitectónicas adequadas ao seu seguro e confortável funcionamento nos quatro pisos desocupados que existem actualmente. E que tudo isto não passaria, eventualmente, de escassas – uma ou duas – centenas de milhares de contos.

E não se fale de “dignidade”!... Dignidade têm as instituições se os seus membros souberem honrá-las. E isto só pode acontecer com profissionais competentes e sérios dotados de uma formação sólida e específica, como p.e. recomenda e exige o BCE (Banco Central Europeu) da administração e dos dirigentes de topo bancários e que devia ser preocupação, e prioridade, também do nosso Banco Central.

Dignidade dos prédios não passa de uma metáfora que diz respeito à categoria da instituição e ao seu desempenho. O edifício, em si, é belo, é majestoso, é monumental, é imponente ou é espectaculoso, de entre outros adjectivos. Nada mais! E tem muito mais que ver com a imagem física do que com a dignidade propriamente dita. Até pode estar vazio como acontece com muitos palácios. Quantos edifícios existirão em Portugal mais “dignos” do que a majestosa e imponente sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD)? Todavia, ainda há bem pouco tempo, a “dignidade” da CGD estava nas ruas de amargura. Não é o edifício que faz a instituição…

Estamos a tempo de recuar e repensar da oportunidade de construção de um edifício público que, básica e aparentemente, sugere ostentação e alguma megalomania. Caricaturando: Se o problema é criar uma imagem de marca, porque não financiar um bom Hospital?

A nossa elite intelectual e a nossa classe política emergente mostram sofrer da síndrome de egotismo agudo que vem assumindo carácter epidémico com nítidos e evidentes pródromos no governo e nas instituições autónomas e independentes.

Não nos interessa absolutamente nada ter um Governo de 10, 15 ou 20 membros. Nem nos interessa o seu nível etário[i] que deve ser observado mais no seu equilíbrio do que na sua média. Os custos de um governo não se medem nem pelo número nem pela idade dos seus membros, mas pela sua eficácia e eficiência na governação, parâmetros que reflectem em si próprios o grau de optimização do já estafado e sempre presente binómio custo-benefício, isto é, número de membros de governo-resultados de governação.

Nada está perdido. Um ano é apenas 20% do mandato. Ainda é tempo de corrigir rumos, de navegar com bússola e compasso e com motores de propulsão a jacto; de deixar de velejar ao sabor dos ventos como – perdoem-nos a franqueza – parece, vem acontecendo.

Este governo é duplamente meu! É meu, porque é de todos os cabo-verdianos; mas é também meu porque votei nele. E por isto, assiste-me moral, e acrescido direito para o criticar.

A. Ferreira




[i] O melhor governo que Cabo Verde já teve – o de 1991/1996 – o único verdadeiramente reformador, reconhecido pela população que lhe renovou o mandato com uma expressiva votação conferindo-lhe uma maioria qualificada, era comparativamente mais jovem que o actual…
AF

4 comentários:

valdemar pereira disse...

Tardei em saber quem era A. Ferreira. Conhecia antes O. Ferreira e resumo o que tenho a dizer de um e outra:
- CHAPEAU !!!
Venham mais vezes que precisamos de um e outra, verdadeiros Cidadãos dessa terrinha de nôs todos - em ideal mancomunado - e não de, e para, uns.
A Nação precisa de todos os seus filhos dentro de harmonia e de fraternidade para a sua (re)construção. Precisa sobretdo do "apport" de todos (os filhos dde dentro e de fora) e não continuar cingir-se de meia dùzia de supostos "melhores filhos".

Adriano Miranda Lima disse...

Este artigo tem a virtude de ser uma mensagem com forte carga pedagógica dirigida aos que gerem a nossa coisa pública. Esperemos que ela seja lida, digerida e interiorizada.
A mim me custa acreditar que num país com prioridades gritantes haja governantes que se preocupam com a "dignidade" física de um edifício público que reúne condições de efectiva funcionalidade e que, além disso, tem espaços ainda por utilizar.
Isto é muito preocupante quando se tem uma dívida pública de 130%.

Ondina Ferreira disse...

Meus caros

O Eng. Armindo Ferreira tem toda a razão. Um Estado que nem está em condições de mandar cantar um cego a falar de dignidade de um edifício para o BCV. Dignidade de um edifício, uma ova; isso é pura megalomania
associada a muita irresponsabilidade de um governo que deve muito dinheiro - herdado do anterior que cometeu uma data de erros orgulhosamente só mas que será o Zé Povinho a arcar com as culpas e a pagar essas asnidades - e se esquece do que prometeu na campanha eleitoral. Haja sensatez e bom senso e escutem as vozes do bom senso das pessoas idóneas com saber de experiência feito das ilhas.
Tiro o chapéu ao Eng. Armindo Ferreira.

Arsénio de Pina

José Fortes Lopes disse...

Segundo Armindo Ferreira antigo ministro cabo-verdiano, não obstante as mudanças políticas de 2016, as promessas de mudar de postura, o regabofe em Cabo Verde continua e temo que esteja a piorar. Já disse o problema, o drama cabo-verdiano são as elites, o sistema, que não podem ser reformados.
Este é o país pobre, quase insustentável, a gastar milhões à tripa forra(que muitas vezes lhe são oferecidos) , em elefantes brancos, quando se podia gastá-los bem e melhor noutros sectores. O Banco de Cabo Verde podia investir este dinheiro em algo produtivo em e para Cabo Verde.
É o mesmo país que pode gastar estes milhões desta maneira e não sabe encontrar uma dezena de milhar de contos para requalificar os seus patrimónios históricos, e tem que andar a pedir esmola no estrangeiro para pintar as fachadas de um edifício. Em SVicente tivemos o Palácio Cor de Rosa e o velho Liceu Centenário a cair de podre e foi necessário espernear gritar para estes edifícios 'serem lavados a cara', sem que fossem contemplados com obras estruturais. Por outro lado temos o Fortim del Rei em S. Vicente, o Forte que domina toda a cidade do Mindelo, situado numa prestigiada sobranceira à toda a cidade, área que poderia ser transformada num espectacular Miradouro e zona turística, de que resta hoje pedra sobre pedra, sem que o Estado caboverdiano e a CMSV levantassem um dedinho para salvar este património histórico que lhes pertence, à cidade e aos cidadãos.
Há anos denunciámos o projecto louco de construir uma Cidade Administrativa em Cabo Verde o que iria custar mais de metade mil milhões de euros.
Casa Para Todos, na realidade para ninguém, foi outro projecto insustentável (quase metade mil milhões de euros.), que vai sobrar para os contribuintes caboverdianos e portuguese.
Os 'deuses' naquela terra que se chama Cabo Verde andam loucos.

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