Os
jornalistas e os habituais fazedores de opinião agarram o episódio do incêndio
de Pedrógão Grande como gato que vai a bofe. Enquanto permitir sound bytes,
o tema dá muito jeito, mesmo que não se saia da análise superficial, da
conjectura ou da conclusão precipitada.
Os
dois partidos da oposição surfam a mesma onda de ocasião, regalados com a
oportunidade de queimar o governo numa labareda inesperadamente oferecida de
bandeja pela mãe natureza. Afinal, o tal “diabo” não veio quando invocado, ou
desejado, mas numa tarde escaldante de sábado, vomitando fogo em todas as
direcções, em voo picado sobre as nossas florestas de pinheiro e eucalipto.
Chame-se-lhe downburst ou o que se quiser.
A
jornalista Judite de Sousa apresentou-se no palco dos acontecimentos e, com
pompa e circunstância, escolheu os cenários de reportagem que lhe interessavam,
um deles de muito mau gosto. Encontrou no local a ministra do interior em fato
de combate, envergando calças de ganga e colete do Serviço Nacional de
Protecção Civil, despenteada e desmaquilhada. Talvez escandalizada com o ar
descomposto da governante, ou desconfiando que ela tivesse tido um encontro
secreto com Hefesto, o deus do fogo helénico, a jornalista não se conteve e disparou-lhe
a pergunta ígnea: “a senhora ministra vai apresentar a sua demissão?”
Incêndios
fora dos cânones normais, ira divina ou acção de Belzebu, alguns jornalistas da
nossa praça e os dois partidos da oposição não vêem outra saída para aplacar a
sanha maligna senão queimar a ministra no rescaldo do brasido. A deputada
presidente do CDS, na última sessão parlamentar, foi das mais empolgadas a
sugerir a demissão de alguém, pois claro… da ministra. Pronunciava as palavras
com acentuada ênfase, esticando os lábios em canudo para deixar sair sibilina a
sentença prematura: responsabilidade políiiitica! Responsabilidade políiiitica!
Sim,
responsabilidade política, pressupondo incompetência, inaptidão, dolo ou
incúria da titular da pasta da administração interna. Claro que a deputada do
CDS tem todo o direito de o exigir alto e bom som.
Vai
daí, cheio de dúvidas, fui ao Google pesquisar sobre esta ministra, saber se
debaixo do seu ar angelical, da sua sensibilidade feminina e da sua frágil
aparência física, se esconde alguém com o sortilégio da malignidade. Sim, ela
poderia em vésperas da época de incêndios ter suprimido meios ao Serviço
Nacional de Protecção Civil, cortado irresponsavelmente nos efectivos das
corporações de Bombeiros e da GNR, ou mandado desaparelhar o agora posto em
causa SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de
Portugal). Ou mesmo baralhado as meninges dos “comandantes” da Protecção Civil.
O Wikipédia disse-me então que ela é licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, doutorada em Direito Europeu pela Faculdade de Direito da
Universidade do Sarre, Alemanha, e que foi professora de Direito da
Universidade Autónoma de Lisboa e do Instituto Superior de Ciências Policiais e
Segurança Interna. De 2006 a 2012, foi conselheira e coordenadora da Unidade
Justiça e Assuntos Internos (JAI) da Representação Permanente de Portugal junto
da União Europeia (REPER). Durante seis anos chefiou a delegação portuguesa ao
Comité Estratégico de migração, Fronteiras e Asilo (CEIFA) da União Europeia, e
foi membro da delegação portuguesa no COSI (Comité Permanente de Segurança
Interna) e Grupo de Trabalho de Alto Nível sobre Asilo e Migração, entre outras
estruturas do Conselho da UE. No segundo semestre de 2007, durante a
presidência portuguesa do Conselho da UE, presidiu ao CEIFA e a reuniões de
Conselheiros JAI, dirigindo negociações sobre vários dossiers no seio do
Conselho e com a Comissão e o Parlamento Europeu, como a Directiva de Retorno,
o Regulamento do Código de Vistos, as Parcerias para a Mobilidade, os acordos
de facilitação de vistos com os países dos Balcãs Ocidentais e a Ucrânia, entre
outros.
De
facto, vê-se que Constança Urbano de Sousa possui um invejável currículo
académico e um registo de desempenhos de alto nível em funções de Estado, como
poucos têm, sejam os jornalistas de pacotilha ou os políticos de verbo jactante
e ridículas poses teatrais ensaiadas nos proscénios partidários. Sim, ela não é
desses “boys”, ou “girls”, alçapremados
a cargos políticos sem se saber como e porquê.
Ela
tem um trajecto profissional que a recomenda especialmente, sem favor nenhum,
para o cargo que exerce. Mas tem um handicap. Falta-lhe voz grossa e ar
másculo para mandar em polícias e bombeiros. E nós, latinos, talvez tenhamos
dificuldade em aceitar isso.
Quanto
a responsabilidades políticas pela saga destruidora e assassina dos fogos
florestais, o que existe efectivamente é um conglomerado de acções e inacções
em que as nossas limitações e indecisões se dão as mãos com a imprevidência, o
erro e o desleixo, com uma transversalidade e reciprocidade de efeitos em que
ninguém está isento de culpas. Recuemos no tempo, décadas atrás, e cada um,
político, bombeiro, polícia
ou
cidadão comum, que escolha a responsabilidade que lhe cabe. Tudo o resto é show
off político.
Tomar,
2 de Julho de 2017
Adriano
Miranda Lima
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