Ilha do Sal,
Maio, 22/24/2017 – Semana do Poeta
Mais uma vez aqui convosco, neste
ambiente de cultura que a Câmara Municipal organizou, a partilhar a
apresentação de três importantes colectâneas de poemas de Jorge Barbosa, sob
forma fac-símile, a saber:
«Arquipélago» 1935, «Ambiente»,
1941 e «Caderno de um Ilhéu», 1956, em
boa e sempre oportuna ocasião reeditadas pela Livraria editora «Pedro Cardoso»,
que desta forma, não só, coloca à disposição de leitores interessados, de
estudiosos, obras de há muito desaparecidas no mercado livreiro nacional mas
também, e sobretudo, estará a contribuir de forma enriquecidora, para que parte
importante e essencial de um dos maiores,
dos mais completos e dos mais autênticos monumentos poéticos, inspirados e
criados nestas ilhas atlânticas do Arquipélago de Cabo Verde, não seja votado
ao esquecimento, mas bem pelo contrário, seja lido e fruído pela geração
actual, sobretudo por aqueles que apreciam a boa poesia. As minhas felicitações
à livraria editora, Pedro Cardoso, por mais este excelente empreendimento, nas
pessoas do Dr. Mário Silva e do Dr. João Pedro Spencer.
Outrossim, torna-se extremamente
interessante verificar que quando a parceria entre a administração local e a
produção editorial funciona e creio que estamos perante este facto, a
comunidade visada, – nesta circunstância a da ilha do Sal – ganha, e ganhará
com isso. Os leitores interessados, os estudantes, os professores, dispõem de
meios mais adequados e acessíveis para lerem e usufruírem estudando, a grande
poesia de um dos mais importantes poetas islenhos; de estarem mais informados; de se tornarem
mais conhecedores da poética nacional e também mais sabedores, o que no fundo,
complementa a vida intelectual e apoia o exercício de cidadania das pessoas,
porque alicerçada numa “praxis”
cultural, como expressão de um ponto alto de bem-estar e, consequentemente, de
uma espiritualidade mais rica.
Hoje falamos da poesia de Jorge
Barbosa e perguntamos porquê que isso está a acontecer? A resposta mais óbvia
é, certamente, porque se trata de uma poesia intemporal, de uma poesia que
continua viva, que continua entre nós. “Dentro de nós” diria, se calhar, algum
poeta.
A sua leitura, – da obra de Jorge Barbosa –
provoca-nos ainda ondas de emoção de um certo gozo estético/lírico reflexos da
sua inquietação (do poeta) pois que nela nos reconhecemos ainda, e com ela nos
identificámos. Reconhecemo-nos e identificamo-nos afinal, porque o poeta soube
captar e reelaborar em versos de forma, diria, acabada e sublime, a cultura
partilhada, bela e mestiça, de que resultou afinal a cabo-verdianidade. E essa
cabo-verdianidade como força motriz, fundadora e construtora da poética
barbosiana, permite-lhe, ainda hoje, estabelecer com o leitor uma certa
intimidade, uma proximidade identificativa que lhe garante alguma perenidade e
actualidade.
Mas atenção, devemos sempre
salvaguardar, ressalvar e perceber as marcas da temporalidade que conferiram circunstancialidade
histórica, contexto social e humano, muito específicos da época vivida e
vivenciada pelo poeta e que o terá inspirado, naturalmente.
Assim explicitado, o leitor
entenderá – na linha do pensamento de Ortega
y Gasset (1883 -1955) que o “homem, é o homem e a sua circunstância”
Acrescenta-se a este conceito,
aquilo que disse o Prof. Vitorino Nemésio, “o Homem é também ele e a sua
geografia”.
Ora bem, ambos os conceitos,
aplicam-se ao caso de Jorge Barbosa para pudermos bem entender a temática dos
seus poemas.
Não me canso de repetir para que a
geração de hoje saiba, esteja informada de que Jorge Barbosa, tal como Osvaldo
Alcântara, (Baltazar Lopes da Silva), Manuel Lopes, António Aurélio Gonçalves,
entre outros, todos eles, cedo conheceram o respeito, a admiração das gentes
das ilhas, como homens do saber – os sábios das ilhas. Constituíam a nossa
aristocracia; distinguiam-se do comum dos seus conterrâneos. Eram reconhecidos
nas ruas e nos sítios por onde passavam, muito estimados e quase venerados por
aquilo que representavam para estas ilhas.
Nós – a minha geração – então
crianças, adolescentes, ouvíamos falar, em casa e na escola, desses nomes
ilustres que os adultos, pais e professores admiravam.
Mas já antes deles, nomes como
Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Cardoso, poetas, escritores e compositores
eram afamados e reconhecidos nas ilhas, pelo seu alto valor intelectual. E isto
fazia parte de um passado de Cabo Verde, em que era considerado cidadão com
valor, aquele que, para além da sua conduta moral irrepreensível, era portador
de boa literacia, capaz de transcender a pequenez do meio pelo seu saber, e
constituir o orgulho e a referência do seu concidadão.
Posto isto, passemos ao que aqui nos
traz. Costuma-se dizer, e já o disse mais do que uma vez, que a Literatura é um
lugar sagrado e a poesia um dos seus altares.
É sobre este altar sagrado de Jorge
Barbosa, inserto e configurado com mestria, em «Arquipélago», em «Ambiente» e
em «Caderno de Um Ilhéu» que me proponho dizer-vos, ainda que de forma pouco
profunda e breve dado que o tempo me condiciona, algumas palavras.
Vamos por partes: a publicação de
«Arquipélago» em 1935, está já registada na historiografia poética de Cabo
Verde, como sendo o verdadeiro marco, a baliza, que separa a antiga e a moderna
poesia cabo-verdiana, esta última iniciada exactamente com a publicação desta
primeira colectânea de Jorge Barbosa. O que fazia a diferença afinal com a
poesia anterior? É que em «Arquipélago» se inscreveu pela primeira vez, e de
forma indelével, a geografia humana de Cabo Verde. Era então jovem, o poeta
Jorge Barbosa, mas já com um trabalho poético assinalável e publicado, anos
antes, de forma dispersa, em revistas e jornais portugueses de cariz literário
e cultural. Como, para exemplo, as prestigiadas revistas: «Seara Nova».
«Presença», «Jornal de Europa», «Suplemento Literário» do Jornal Diário de
Notícias. Curiosamente, Jorge Barbosa teve como companheiro das ilhas, naquelas
publicações, o então também jovem poeta, Osvaldo Alcântara. Tudo isto aconteceu
uns anos antes de 1935. Um período que pudemos delimitar ou situar, entre 1929
e 1934.
Convém igualmente destacar que nesta
colectânea de 14 poemas, encontramos três dos mais emblemáticos poemas deste
autor, e são eles: “Panorama” pág. 9, “Rumores” pág. 25 e “O Mar”, pág. 34, os
quais, ainda hoje são considerados como poemas “ex-libris”, de Jorge Barbosa.
Seis anos passados, em 1941 foi
publicada a colectânea «Ambiente», numa configuração de 20 poemas. Se em
Arquipélago» o poeta descrevera a envolvência física das ilhas em que
sobressaía a perspectiva espacial – a ilha – aqui tomada como centro onde, ora
em dicotomia com o mar, ora como metonímia do Arquipélago, e ora ainda como “habitat” gerador da condição de ilhéu
que a poesia de Jorge Barbosa tão bem soube prefigurar.
A sua escrita, – de Jorge Barbosa –
como ele próprio a definiu numa das muitas cartas trocadas com o escritor e
também poeta, Manuel Lopes – é límpida e sem malabarismos retóricos. Escreveu
então Jorge Barbosa, para Manuel Lopes, numa espécie de “aviso à navegação”, o
seguinte: “Eu nunca fui eloquente e ia
dizer-te felizmente. A eloquência, é certo, é uma importante defesa para os que
tiram sonâncias e músicas das palavras, porque lhes preenche o vazio do
pensamento e porque deixa no público, embora quando esse público
circunscreve-se à nossa convivência, arrepios sensacionais de seguro efeito.
Quando escrevo ou quando falo, sou naturalmente um reflexo da minha
interioridade, procuro transcrever-me, descrever as ideias que possa ter; nunca
me malabariso em verbosidades ocas e lantejouladas, tão fáceis de resto”. Fim
de citação.
É através dessa escrita, assim
esculpida, assim fixada pelo poeta como “reflexo da sua interioridade” que
vamos continuar a ler em «Ambiente», colectânea, como já referi, composta por
20 poemas. Se em «Arquipélago» o protagonista ou o sujeito poético era a
ilha/arquipélago, a origem, a representação da sua geografia quase física,
embora com os elementos humanos que a povoaram e que lhe trouxeram movimentação
humana; em «Ambiente», os sujeitos poéticos são em primeiro lugar, o “irmão-caboverdiano-anónimo”, na sua
busca incessante de sobrevivência, devido às secas e às estiagens que o
fustigam. Também o mar é elemento primordial e transversal em toda a poesia de
Jorge Barbosa. O mar/grade/prisão; o mar que convida à libertação; á evasão da
ilha /cerco/espaço fechado. Veja-se “Poema do Mar” pág. 29.
Como mais ilustrativo desta
colectânea, convido-vos a folhearem o vosso exemplar de «Ambiente» e
regressarem à pág. 17. Trata-se do poema-proposição de
Jorge Barbosa, «Irmão». Nele exarou o que doravante seria a sua mais relevante
marca poética. Uma leitura. (ler o poema)
A vez, em 1956 de «Caderno de um
Ilhéu». Aqui o poeta atinge uma certa plenitude na sua escrita, uma grandeza
madura na sua estética, no seu estilo. Há nitidamente uma linha evolutiva na
construção e na fixação da sua poesia. O
poeta como que já se sente mais senhor do “seu destino poético” mais profundo,
mais sabedor. De facto, com «Caderno de um Ilhéu, Jorge Barbosa atingiu um cume
na poesia cabo-verdiana. Trata-se de um
conjunto magnificamente estruturado de 39 poemas, que enfatiza agora, os temas
que lhe são mais caros com uma mestria ímpar, que definitivamente projecta o
ideário da “poesis” inscrita por
Jorge Barbosa, nas Letras cabo-verdianas.
E, como sempre, com a humilde e a
natural simplicidade que o caracterizam, Jorge Barbosa faz a sua apresentação
no poema homónimo “Apresentação” com que inicia a Colectânea. (ler o poema)
Interessante, é que «Caderno de um
Ilhéu teve desde o seu aparecimento, uma aceitação e uma crítica muito
auspiciosas, tanto aqui nas ilhas, como em Portugal e com ecos no Brasil. Assim
vamos ler da pena de poetas e críticos conhecidos em Portugal, como Jorge de
Sena, Artur Portela Filho, Amândio César, João Gaspar Simões, David
Mourão-Ferreira e o nosso conhecido Manuel Ferreira, entre outros, os quais,
quer em Jornais quer em revistas da época, quase todos, não pouparam elogios à
nova obra de Jorge Barbosa. Também no Brasil, chegam novas de como alguns
poetas leram a nova colectânea do poeta-irmão, como o designou Ribeiro Couto.
Lembrar que é em «Caderno de um Ilhéu» que encontrámos os poemas que simbolizam
o afecto, a identificação que Jorge Barbosa estabelece entre Cabo Verde e
Brasil. Leiam os poemas, «Cartas para o Brasil» e «Você Brasil».
Para finalizar, gostaria de reiterar
que o poeta Jorge Barbosa inaugurou para a literatura cabo-verdiana, um
autêntico tratado poético, com novos temas, nova métrica e uma tremenda e
imensa poesia em versos soltos, ora curtos ora longos, numa métrica muito
própria e então original, em que o silêncio, a magia encantatória dos seus
versos respigaram intimismo e interioridade.
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