Mal
de quem hoje não faça uma reciclagem para despejo do lixo mediático que lhe
entra de enxurrada pelos olhos e ouvidos dentro. É uma medida recomendável para
preservar a saúde mental e não deixar estiolar a capacidade crítica e o ânimo cívico.
Essa reciclagem é um imperativo de consciência na quadra festiva que se
avizinha porque expurgar dos sentidos aquilo que é ruim ajuda a entrar no novo
ano com a alma lavada.
Dos canais de televisão e de alguns
pasquins jorram diariamente autênticos dejectos que intoxicam o cidadão e
impedem o seu desenvolvimento e progresso como ser integral. Seria por demais
fastidioso estar aqui a enumerar e a citar os casos que exemplificam o mau
jornalismo que está a ser praticado no nosso país. Mas queria apenas apontar o
excessivo empolamento que foi e está ser dado ao chamado caso “Raríssimas”,
espoletado por uma reportagem de uma jornalista da TVI. Qualquer espírito
atento identifica um quadro descritivo nitidamente tendencioso e apostado em
denegrir a imagem da fundadora da IPSS “Raríssimas”, enlameando-a de toda a
maneira possível. Não faltou eco retumbante em conhecidos pasquins da nossa
praça que, sem perder tempo e mandando às urtigas, como é seu hábito, qualquer
espécie de autocensura e respeito pela dignidade da pessoa humana, até invadiram
a vida privada da cidadã e de um secretário de estado publicando fotografias
pessoais de ambos em poses indiciadoras de alguma intimidade, durante uma
estada no Brasil.
Telejornais abriram-se com o caso e
dedicaram-lhe espaço de manifesto privilégio, mesmo quando outros factos da
vida nacional mereciam e justificavam primazia e maior atenção jornalísticas.
Os canais de informação, esses então, fazendo jus à sua congénita voracidade,
regalaram-se com o festim dos abutres sobre o cadáver e procuraram a todo o
custo mantê-lo consumível e inexaurível o mais possível, mercê dos habituais
opinantes e presumidos zeladores das virtudes públicas e detentores das
verdades axiomáticas. Claro, a TVI viu-se nos píncaros e deve ter ornado a
cabeça da sua jornalista de “investigação” com uma qualquer coroa de louros.
Obter altos níveis de audiência é o que mais interessa, não importa por que
meios e processos. Honra para o canal do Estado, que esse ao menos permitiu à
pessoa visada um certo contraditório, mediante uma entrevista precedida de
alguma investigação. E além disso debateu o caso com comentadores qualificados
e experientes.
No meio disto tudo, o espantoso é que as
notícias animadoras sobre o sucesso da política orçamental e económica do país,
com a agência de notação Fitch a subir dois níveis à dívida portuguesa, foram
quase silenciadas, soterradas pela avalanche da atenção dada ao caso “Raríssimas”.
Esse nosso sucesso colectivo não abriu telejornais, não suscitou análises e
debates aturados, não foi exaustivamente repetido nos canais de informação. Quase
não passou de uma nota de rodapé.
Tudo indica que a intenção, com o relevo proporcionado
a este caso “Raríssimas”, é, sobretudo, atingir o governo na pessoa do seu
ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, um dos mais competentes
e experientes do elenco governativo. De resto, sobram razões para supor que a
imprensa privada é quase toda ela avessa à actual política governativa,
demonstrando-o a ênfase que põe em tudo quanto possa macular a sua imagem
perante a opinião pública. Quando, para atingir um fim, não é suficiente o
tratamento parcial e tendencioso dos factos, recorre-se à insinuação e à
especulação para deixar no ar a suspeição sobre as pessoas supostamente
envolvidas; e não raro se procede à sua incriminação e julgamento na praça
pública, antes de decidirem os tribunais competentes.
É
evidente que a imprensa livre é indispensável à saúde da democracia. Mas para
isso ela tem de ser séria, rigorosa, isenta e responsável, resistindo a que o interesse
dos grupos financeiros que a sustentam se sobreponha ao bem comum. Mas quando
vemos que casos como o da “Tecnoforma” e o do “Negócio dos Submarinos” quase
passaram ao olvido, sem paralelo com outros que, envolvendo pessoas de
diferente área política, foram muito badalados, dá para pensar que existe um comprometimento
ideológico ou uma sintonia bem disfarçada entre certa comunicação social e as
forças da chamada Direita, o que não é nada abonatório para a saúde da nossa
democracia. Ainda recentemente, o gabinete antifraude da Comissão Europeia,
contrariando as conclusões do Ministério Público português, considerou que a
Tecnoforma cometeu "graves irregularidades" na gestão de fundos
europeus, exigindo a devolução de 6.7 milhões de euros. Ora, a notícia não
abriu telejornais, não foi ad nauseam
repetida nos canais de informação, não suscitou debates na televisão.
Os efeitos dos incêndios florestais deste
ano continuam na mó de cima da agenda mediática, o que até seria de louvar se a
intenção não fosse escrutinar uma qualquer culpa metafísica para quem governa,
em vez de colaborar numa acção de verdadeira pedagogia social sobre o que fazer
doravante para evitar ou reduzir a dimensão de semelhantes tragédias.
Espelho da escassez de virtudes da nossa
comunicação social em geral é também o tratamento dado ao futebol, com o
descalabro e a sordidez a excederem os limites toleráveis num programa que a
TVI 24 passa às segundas-feiras à noite. Tanto que jornalistas e analistas
conscienciosos entendem que por este caminho se está a sentenciar a morte do
desporto-rei entre nós e a comprometer um negócio que movimenta muitos milhões
na economia.
Seria por demais exaustivo e fastidioso
enumerar todo o lixo mediático que por aí abunda, com grande destaque para o
que é vertido nos canais de televisão. Na impossibilidade de evitar a sua
exposição ao ar livre e impedir a sua toxicidade, só nos resta uma maior
selectividade e exigência na escolha dos programas televisivos que vemos em
casa e na selecção dos jornais que lemos. Devemos fugir do voyeurismo de
notícias sobre comportamentos sórdidos e aberrantes, de telenovelas e
historietas sem conteúdo cultural ou mensagístico, de programas de divertimento
banais e estupidificantes, enfim, de tudo aquilo que nos aliena e nos entorpece
a atitude crítica indispensável a uma cidadania activa e consciente. Por outras
palavras, juntar todo o lixo mediático numa pira incineradora, atear-lhe fogo e
esperar que tudo se reduza a uma fumarola.
Nesta quadra festiva, felizmente temos a
possibilidade de pendurar na árvore de natal nacional alguns sucessos
alcançados na gestão da nossa vida colectiva e de que muito nos devemos
orgulhar.
Desejo Boas Festas ao Templário e aos
seus leitores.
Tomar,
18 de Dezembro de 2017
Adriano
Miranda Lima
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