Recentemente,
o conhecido escritor angolano José Eduardo Agualusa, reconheceu ̶ numa
declaração transcrita no Jornal «Expresso das Ilhas», num dos números online do mês de Novembro de 2017 ̶ que
afinal, Cabo Verde não continuou aquilo que já havia dado (antes da
Independência) e que naturalmente se esperaria, isto é, bons escritores, bons
poetas em suma, uma boa qualidade de literatura, tal como a teve no antanho
destas ilhas produzida por gente culta, da área das Letras e/ou das Ciências.
Para
que o leitor fique com ideia clara sobre as palavras proferidas pelo renomado
autor da «Estação das Chuvas», (entre outros muitos romances) tomei a liberdade
de aqui as transcrever:
“Penso que a literatura
cabo-verdiana prometia mais do que aquilo que acabou dando”, diz Agualusa que acrescenta: “Quando a gente olha para o passado da
literatura cabo-verdiana, para os escritores que existiam no séc. XX, era de se
presumir que tivessem surgido mais escritores após a independência. Ainda por
cima, num país com grande vitalidade cultural, um país com uma democracia
avançadíssima, que é lição não só para a África mas para o mundo, com uma
cultura popular tão rica, que se exprime muito através da música. Eu esperava
mais da literatura cabo-verdiana”.
E continuou o “Expresso das Ilhas”:
“Para
o escritor angolano, que recentemente participou no Morabeza Festival, a
justificação para que a literatura nacional não se ter desenvolvido tanto
quanto a música está no facto de não se ter conseguido “levar o livro a todos
os cabo-verdianos. Cabo Verde tem uma cultura musical forte. É fácil entrar em
casa de alguém e ver que sempre tem um violão, sempre tem alguém que toca. Mas,
normalmente não têm livros. Enquanto não houver livros em todas as casas de
Cabo Verde, não vamos conseguir desenvolver a literatura”. E conclui:
“Eu acho que o grande desafio de Cabo Verde é levar o livro a
todas as famílias”.
Afinal,
ele “esperava mais da literatura
cabo-verdiana... após a independência”.
Que
fique claro: “ab initio,” não discordo da asserção feita por Agualusa.
Pois
bem, é sobre este aspecto que me proponho debruçar, embora de forma muito breve.
Mas
antes de continuar o que aqui me traz, gostaria de situar para o leitor que
eventualmente ainda não conheça este já apreciado escritor angolano. Para tal,
repesquei um pequeno texto que sobre José Eduardo Agualusa, escrevi em tempos,
aqui neste «Blog»:
(...) Ora bem, o escritor Agualusa, pertence à
segunda geração, ou à nova geração de escritores angolanos, do
post-independência, do post “utopia” e entre os já da fase de “desencanto”.
José Eduardo Agualusa, nasceu em Huambo,
Angola em 1960. Escritor e Jornalista. Autor consagrado da lusofonia, escreveu
entre outros, os seguintes livros: «Nação Crioula», «Um Estranho em Goa, «O Ano
em que Zumbi Tomou o Rio»
(...) Falando agora do romance «Estação
das Chuvas» publicado em 1996 e entrando um pouco no universo tecido
na obra, ouso dizer: (...) A narrativa da «Estação das Chuvas» está
historicamente datada, ou, melhor dito, apresenta vários acontecimentos
datados, que configuraram quase toda a cadeia de episódios marcantes no
processo da independência de Angola, desde a preparação ideológica, passando
pela luta e indo até aos primeiros tempos do governo do MPLA e do incontornável
e tenebroso episódio, “nitista” que tantas vidas ceifou. A obra foca com maior
ênfase, o longo período da dramática e destruidora guerra civil iniciado em
1975 e que no universo romanesco culmina com os
trágicos acontecimentos de 1992, em que “desaparece” a protagonista do romance, Lídia do Carmo Ferreira. “Lídia do Carmo Ferreira, poetisa e historiadora angolana,
misteriosamente desaparecida em Luanda em 1992, após o recomeço da guerra
civil.”
O romance de José Eduardo Agualusa “transporta-nos desde o início do
século, até aos nossos dias através de um cenário violento e inquietante. Um
jornalista (o narrador) tenta descobrir a história proibida do movimento
nacionalista angolano; pouco a pouco (…) compreende que o destino de Lídia
já não se distingue do seu.” (transcrito da contra-capa do
livro).
O autor fornece ao leitor uma admirável descrição histórica de Angola em
diversos períodos da sua história mais
recente, trazendo ligado também, o seu passado colonial.
Na minha opiniâo um dos melhores livros de Agualusa.
Voltando ao assunto em foco, diria que Agualusa, chegou a montante do
problema, quando afirma a sua decepção com a qualidade da produção literária, nestas
e destas ilhas do post-independência. Mas teremos ̶ para o enquadrar devidamente ̶ de
ir aos fenómenos de iliteracia, de
incultura e da má qualidade do ensino que se abateram sobre o país, nos últimos
anos. Se não levarmos a escola em devida
conta, procurando na formação a base essencial para uma literacia robusta dos
cidadãos e uma abertura na procura da cultura, do desenvolvimento e da
cidadania, continuaremos a fortalecer a mediocridade que infelizmente nos é
dada presenciar na hora actual, nestas ilhas.
Com efeito, um país pequeno, insular e sem recursos, como o nosso, que
sobrevive graças à boa ajuda internacional ao desenvolvimento e que até a
aplica com alguma correcção, devia dar prioridade aos seus recursos humanos,
centrando-se em estratégias que gizem boa escola e boa formação. São bases e
pilares, fundamentais e indispensáveis, sobretudo numa sociedade como a nossa
em que a maior parte dos jovens estudantes é proveniente de família
desestruturada, monoparental e pobre. Logo, a escola é um
complemento/suplemento deveras importante, repito: deveras importante, para
suprir com alguma eficácia, lacunas e etapas não preenchidas em tempo adequado ̶ em
casa e em família.
Uma outra afirmação, na minha opinião, bem interessante feita pelo escritor
angolano, foi a de que “o grande desafio
que se põe a Cabo Verde é conseguir fazer chegar o livro a todas as famílias”.
Pese a carga simbólica da frase, o seu autor está pleno de razão. Na
verdade, o livro, e a sua utilização adequada e tempestiva para o conhecimento e o
desenvolvimento pessoal e colectivo, muita falta tem feito à escola, aos
professores, aos alunos e aos cidadãos em geral
para a criação do bom hábito e do bom gosto pela leitura e pelo saber!
E que dizer sobre a falta que tem feito ao aluno cabo-verdiano, para o seu
desenvolvimento intelectual e científico, a prática e o uso da Língua
portuguesa tal como era feita nas escolas nacionais?!
Reparem no modo e no conteúdo como alunos e formandos universitários, e
mesmo alguns professores se expressam hoje, quer por via oral, quer por via
escrita. De forma, tolhida, incipiente e redutora como que querendo contornar a
insuficiência cognitiva e a impreparação linguística.
Os professores ainda não se deram conta deste facto? Mas vão a tempo de
arrepiar caminho e erradicar esta grave lacuna que tanto mal vem provocando no
aluno cabo-verdiano...
Para além de concordar com o que disse Agualusa deduzo que, possivelmente, ele
teve oportunidade de aqui e fora daqui, interagir com alguns dos nossos ditos
letrados ou quase isso, e pôde assim aquilatar da leveza e da fraqueza de
raciocínio criativo e dedutivo de muitos deles. Infelizmente é essa,
actualmente, (salvem-se as excepções) a nossa realidade dita cultural.
E quando, no início deste ano lectivo,
ouvi (na comunicação social) um candidato a professor, que saía de um teste
realizado pelo Ministério da Educação, responder à questão posta pelo Jornalista,
“como lhe correra o teste?” e para espanto meu, o questionado respondeu: ”Corrê fixe!” (O candidato queria dizer
que o teste lhe havia corrido bem). Fiz, a mim própria, a seguinte
interrogação: Mas que é isto? Que linguajar é este? Sim, esta não é linguagem de
alguém que se candidata a ensinar! Que nível! Não deve transmitir muito saber!...
Pobres alunos que, terão na sala de aula um indivíduo com esse perfil...
E por favor! A bem de toda a nação cabo-verdiana, ̶ residente e emigrada ̶ não
enviem para qualquer tipo de
cooperação ̶ para
formação, sim ̶ professores com um tal perfil! Seria uma
grande vergonha para aqueles que tanto pugnaram e vêm pugnando em defesa de um
ensino nacional decente.
Retomando o caso literário nacional, diria que, com efeito, existe uma
certa pressa em publicar, nos dias que correm (mesmo entre alguns mais velhos da
geração post-independência) aquilo que devia ser considerado a “primeira versão”
do poema, do conto, do ensaio ou do romance. Refazê-lo mil vezes, se preciso
for, até se atingir alguma qualidade digna de publicação, não é connosco. Daí,
uma certa ”fraqueza” conceptual e criativa dos escritos actuais, que transmitem
ao leitor uma sensação de incompletude e de insatisfação, por aquilo que
esperavam...
Estamos todos bem necessitados ̶ agora falo para os mais novos ̶ de
muitas e de boas leituras, de dialogar com lógica, de permutar ideias, de
estudar e de adquirir conhecimento e lograr assim algum saber, antes de nos abalançarmos
à nobre tarefa da escrita, criativa e/ou ensaística.
Não vale a pena chamar para aqui qualquer tipo de “chauvinismo” ou de nacionalismo
patético. Afinal, e infelizmente ̶ embora todos nós, sem
excepção, gostássemos que assim não fosse ̶ José
Eduardo Agualusa não esteve longe da verdade a nosso respeito.
Quantidade não é necessariamente qualidade!
2 comentários:
A Ondina não subscreveu a análise à polémica declaração do escritor angolano. Mas depois de a ler concluí que só podia ser a própria autora do blogue. Excelente análise, com alto sentido pedagógico. Aprenda quem estiver interessado. Infelizmente, há muita gente a precisar deste tipo de lições.
A leitura da analise nesta postagem faz-me lembrar as várias vezes que, em conversas havidas com companheiros, disse da felicidade que sentiria se as nossas autoridades dessem mais atenção à língua que usamos para a escrita. Pelo menos como faziam nossos mestres no tempo de instrução primária onde a conjugação dos verbos e a divisão das orações eram bem trabalhadas.
Estou certo que, debruçando sobre a gramática, muitos se sentiriam desejosos de perenisar (ou mesmo criar) contos .
Enviar um comentário