Após o desaire da
candidatura para a presidência da CEDEAO, o Primeiro Ministro parece ter
despertado para o problema da integração retirando-o da esfera dos “Negócios
Estrangeiros” e chamando-o a si, dando-lhe expressão autónoma, mas próxima ao
indicar especificamente para o efeito, um ministro-adjunto, na circunstância um
experiente diplomata de carreira, o que revela, de certa forma, a delicadeza do
assunto e a preocupação que lhe merece. Muitos comentários acompanharam esta
“conversão”, uns considerando-a tardia, outros desnecessária porque se trata de
um caso perdido e outros ainda pertinente, oportuno e tempestivo.
A questão parecia ter deixado
de ser de interesse público… Teria mesmo deixado?
Eis que o “Expresso das
Ilhas” vem provar o contrário trazendo-a de novo à ribalta com o excelente
artigo de Jean-Paul Dias[ii],
profundo conhecedor dos meandros da CEDEAO, que levanta a pertinência de uma
reflexão sobre a permanência de Cabo Verde nessa organização sub-regional.
Recuando uns anos, ainda
vivíamos a 1ª República quando um ministro, dos mais proeminentes, à chegada de
uma missão à CEDEAO declarou aos órgãos de comunicação social ainda no
Aeroporto: “Essas reuniões são uma pura perda de tempo!...”
Isto apenas para dizer
que vêm de longe, de muito longe, as desconfianças acerca dos reais benefícios
que o País usufrui com a integração na CEDEAO.
Convém referir que o
PAIGC/CV durante os seus 30 anos de governação, mau grado o seu exacerbado
“africanismo” nada fez que reflectisse eficazmente a nossa integração nesta
organização sub-regional. E agora cobra ao MpD os desaires sofridos pelo País –
sim, foi o País todo que foi apoucado, humilhado e afrontado – nesse processo.
Torna-se pertinente aqui
recordar que em Maio de 2013, enquadrada no ciclo de conferências promovido
pela Presidência da República aquando do cinquentenário da OUA/UA sobre o tema
“Desafios Africanos”, o Presidente Mascarenhas Monteiro abriu uma palestra
intitulada “A CEDEAO e a Resolução de Conflitos”, da seguinte maneira: “A CEDEAO foi criada com o objectivo de
promover a integração e o desenvolvimento económico dos países membros.
Infelizmente, até agora, a CEDEAO, como organização de integração económica,
não passou de um rótulo, já que os progressos são manifestamente insuficientes.
Em contrapartida, os esforços de intervenção em conflitos que assolam os
Estados membros têm sido evidentes.”
Depois de listar,
esmiuçar e dissecar esses conflitos, pondo em causa, em alguns casos, a
legitimidade e a legalidade dos procedimentos da CEDEAO nessas mediações, terminou
dizendo: “Infelizmente não posso concluir
que os esforços da CEDEAO em prol da paz na nossa sub-região foram
bem-sucedidos. Mas formulo votos ardentes para que venham a sê-lo no futuro.”
Mas já em 2006 Ulisses
Correia e Silva (UCS) no artigo de opinião cujo título em epígrafe lhe tomei de
empréstimo, depois de descrever o fervor africanista apresentado pelo então PM
no seu Programa de Governo, dizia: “Em
relação a esta matéria [CEDEAO] o Governo [PAICV] tem-se multiplicado em
ambiguidades, de tal forma que, na prática, Cabo Verde tem estado mais fora do
que dentro da CEDEAO.” Para mais à frente afirmar: “A veia africanista do PAICV parece estar a esmorecer…”
Mas é o mesmo Ulisses
Correia e Silva que nos diz ainda (transcrevemos):
”Uma análise objectiva do percurso da CEDEAO desde a sua criação até
agora, mostra que ela falhou e tem
falhado nos propósitos para que foi criada e no cumprimento dos objectivos,
metas, e calendários que ela mesma se impôs e se vem impondo, com adiamentos
sucessivos. É portanto legítimo que se questione: está a CEDEAO, que integra um
conjunto de 15 países dos quais 8 são classificados como «Estados falhados»[iii],
em condições de cumprir o objectivo da criação de uma união económica e monetária,
com todos os pressupostos que isso exige a nível da existência de instituições
públicas qualificadas e fortes a nível nacional e supranacional?
“…Há que tomar uma decisão sobre a livre circulação de
pessoas e a sua relação com a emigração ilegal de cidadãos da sub-região, em
Cabo Verde, o que do meu ponto de vista não
se consegue com eficácia estando o País integrado na CEDEAO. Cabo Verde tem
dimensão e força suficiente para fazer alterar o Tratado da CEDEAO para
contemplar as especificidades de um País arquipelágico, situado na confluência
de várias rotas, com uma população pequena e dispersa por ilhas e cuja economia
é extremamente vulnerável ao factor segurança? Não.” (O negrito é meu)
E termina esta reflexão (o
parágrafo) com: “Cabo Verde na CEDEAO,
não é bem Inglaterra na União Europeia.”
Depois das
excelentes, assertivas e bem fundamentadas reflexões de UCS no seu artigo
supracitado, o que o terá feito mudar de ideias? Quais são os parâmetros da sua
análise feita, sem pressão, que terão mudado? Será que tem novos dados que
mostrem uma radical mudança nas estruturas, procedimentos e atitudes da CEDEAO?
Na realidade passaram-se
11 anos. E 11 anos é muito tempo. Muito tempo mesmo!... E costuma-se dizer que
“só não muda de ideias quem as não tem”…
Mas não é
aqui que poderá estar o desastre da nossa candidatura. As causas são bem mais
profundas. E Jean-Paul Dias, depois de nos aconselhar a não tomar os
resultados como “uma vergonha”, “uma derrota” ou “uma bofetada” não deixou de
concluir que “se trata nem mais nem menos, de um acto inamistoso,
de um «abuso», de um «desaforo», por parte dos líderes da CEDEAO, uma forma de
marginalização desse país exemplar em todos os aspectos.”
Concordo
plenamente com as conclusões de Jean-Paul Dias, mas o que ele não explicitou,
se calhar para nos poupar, são as verdadeiras causas, aquilo que teria movido o
acto “inamistoso”, o “abuso”, o “desaforo”. Estas é que são importantes – as
causas. Sem as combater ou debelar voltarão a impor-se.
Ou será que
Jean-Paul Dias ao afirmar (transcrevo): “Como
podem os chefes de Estado da região tratar esse País dessa forma? O mais
democrático da região, o único que organiza eleições livres e transparentes,
donde a inexistência de julgamentos ou de prisioneiros políticos; aquele que
não muda as regras eleitorais do jogo democrático durante o jogo. O único onde
a Situação e a Oposição poderiam assinar um documento dirigido a todas as
organizações, a declinar a supervisão das eleições por observadores
estrangeiros. O campeão da boa governança, classificado no quarto lugar entre
54 países africanos e no primeiro lugar na região CEDEAO segundo o índice Mo
Ibrahim 2017. O estado-membro que não sendo petrolífero, saiu do grupo dos
países pobres e passou a fazer parte, graças aos seus notáveis esforços, do
grupo de desenvolvimento médio, apesar das condicionantes geográficas de um
estado arquipelágico. O único onde, desde a sua independência, não ocorrem
desordens internas. O único cujos jovens não tentam atravessar o Sahara ou
embarcar em botes rumo à Europa, etc.” (fim de transcrição) estaria Jean-Paul Dias a insinuar que esta «performance» incomodava e perturbava os chefes de
Estado da CEDEAO ao ponto de tornar inconveniente a presença de Cabo Verde à
frente dos “destinos” da CEDEAO ou estaria ele muito diplomaticamente a
insinuar que o nosso lugar não é aí? Ou existirão outras causas «politicamente
incorrectas» para mencionar?
Na verdade, a
nossa integração não é fácil. Os obstáculos são de vária índole e os nossos
sucessos não são vistos com bons olhos. Não é que tenham faltado esforços…
Quem não se
lembra, em 2013, do entusiasmo com que o então PM José Maria Neves na tentativa
de agradar a CEDEAO, mostrar a sua solidariedade e exibir algum serviço no
sentido da integração, talvez por causa do repto de UCS lançado ao Governo de
então, falou da nova moeda comum da CEDEAO para 2020? Sobre isto, escrevi na
altura (coral-vermelho Nov. 2013) um artigo intitulado “Por onde
andam os conselheiros do PM de Cabo Verde?” do qual extraio o
seguinte:
“E sinceramente, ninguém sabe ou imagina o que
tem o PM em mente quando fala da nova zona monetária. Um projecto da
superpotência regional Nigéria de há mais de 20 anos para países da CEDEAO fora
da UEMOA na procura do comando de uma moeda “forte” para fazer frente à desta
última (UEMOA) que se encontra indexada ao euro através da França. Um aspecto
da estratégia hegemónica da Nigéria – uma pretensa espécie da Alemanha no Euro
– que ele, PM, parece agora agarrar como se fosse coisa nova e constituísse a
resolução dos nossos problemas futuros.
Uma moeda “comum”
ancorada em economias com recursos, graus de desenvolvimento e estruturas
organizativas bem diferentes e inserida na mais pobre, desestruturada e
militarmente intervencionista comunidade económica do mundo com a
agravante para o caso do nosso país, da acentuada descontinuidade territorial
(interpondo-se a UEMOA/EURO) factor que dissipa uma eventual sinergia
económica. (fim de transcrição)
E continuando a questão
da integração, ao contrário daqueles que acham que Cabo Verde só interessa à
União Europeia enquanto estiver na CEDEAO, penso que a questão não pode ser
analisada desta forma unívoca e apenas com uma lógica economicista. O que o
País deve fazer são os esforços necessários para percorrer todos os caminhos
que conduzam à satisfação dos seus interesses, os da sua população e estes não
apontam só para CEDEAO e UE como organizações regionais. E também não me parece
que a única valia de Cabo Verde para a União Europeia seja o facto de estar
integrado na CEDEAO. A UE não precisa de Cabo Verde para esse fim quando existem
com a França relações umbilicais com muitos dos pesos pesados da CEDEAO e
sustenta também com ela – a França – um sistema monetário – a UEMOA.
Ainda a propósito da eventual imprescindibilidade (ou
não) da nossa integração na CEDEAO para o nosso desenvolvimento económico
recomendo vivamente a (re)leitura da interessante entrevista do antigo Presidente
da Agência Promotora de Exportações das Maurícias[iv]
– Dev Chamroo – publicada no nº 840 do “Expresso das Ilhas” de 3 de Janeiro
último porque ela é elucidativa de quais os pressupostos – com base numa longa
experiência – mais eficazes para um País insular, pobre e sem recursos naturais
fazer o seu caminho rumo ao desenvolvimento. Outrossim, sugere que acordos
bilaterais específicos salvaguardando os interesses do País são possíveis e até
desejáveis podendo mesmo ser bem mais proveitosos do que os Tratados
colectivos.
Porque o tema CEDEAO também bole ainda com algumas obsessões
de “africanismos” quero aqui registar a resposta do entrevistado quando lhe
perguntaram: “Não têm a discussão se são
mais africanos, mais europeus ou mais asiáticos?” Ele respondeu: “Não, de maneira nenhuma. Afortunadamente todos os nossos governos sempre
promoveram a unidade: o ser mauriciano. Também é verdade que os poderes estão
distribuídos. Ainda hoje, os principais donos dos terrenos são descendentes de
europeus, muito do comércio está com descendentes dos chineses, muitos dos
profissionais especializados são descendentes de indianos, por isso, o poder
está distribuído de maneira igual. E os políticos assumem-se como mauricianos,
pelo que esta sensação de ser mais africano ou mais europeu não existe.”
Nós, felizmente, não temos esses problemas para
resolver. Aqui não há delimitações de espaços nem de ocupações com base na origem,
cultura ou tradição. Somos uma nação única. E se calhar é por isso que perdemos
tempo em procurar uma âncora de que não precisamos. E é por isso que Gabriel
Mariano disse: “Nós somos as nossas raízes!” e achamos que é pouco.
O Ministro-Adjunto tem pela frente uma tarefa árdua,
sinuosa, e literalmente espinhosa. Não tenhamos ilusões. Não será apenas lutar
pela integração plena, o que não é pouco, mas também saber se essa integração a
ser efectivada satisfaz os desígnios de Cabo Verde ou, se não é, mais uma vez,
“pura perda de tempo”!
Para finalizar esta rápida incursão em jeito de
pinceladas sobre a nossa organização sub-regional, julgo que a presidência da
CEDEAO só interessa a Cabo Verde se poder ser aceito como um membro em pé de igualdade
com todos os outros. De outro modo nem chega a ser um cargo honorífico. Se se
tem de lutar pela integração será preciso não descurar outras opções
alternativas. E estas constituem também tarefas do Ministro-Adjunto. De
qualquer modo é bom, é necessário e é desejável que a questão se clarifique. E
esta é a hora porque estão reunidas as condições político-administrativas.
A.Ferreira
[i] Título de um artigo de
opinião de Ulisses Correia e Silva publicado no “Expresso das Ilhas” de 2 de
Agosto de 2006 que tomo de empréstimo pela sua pertinência.
[ii] Jean-Paul Dias, antigo
PCA do Fundo da CEDEAO (actual BIDC)
[iii] The Failed States Index, Foreign Policy. Estados
falhados – incapacidade do Estado em executar as funções básicas de governação,
nomeadamente a segurança (nota de rodapé de UCS)
[iv]
Um pequeno país insular do Oceano Índico de
pouco mais de 2.000 km2, uma população de cerca de 1,2 milhões de
habitantes, classificado por dois “Nobel” (Economia e Literatura – James E.
Meade e V.S. Naipaul, respectivamente) aquando da sua independência em 1968 de país inviável; é actualmente o 25º país
do mundo em termos de negócio e tem um PIB per capita de 13.000 dólares.
2 comentários:
Completamente de acordo com a opinião do A. Ferreira.
Dentro ou Fora é o Busílis. Eu não vejo as vantagens de estar dentro. Defendo uma parceria com a CEDEAO em vez da Integração já que não me revejo numa UA de livre circulação e com moeda comum
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